OPINIÃO

Somente o “E” do ESG não tornará o Brasil sustentável

Populações em situação de vulnerabilidade precisam ser incluídas no novo modelo econômico que está sendo desenhado

Somente o “E” do ESG não tornará o Brasil sustentável
A A
A A

As mudanças climáticas têm gerado impactos significativos em todo o mundo, afetando diversas populações, a biodiversidade e a economia global. Os eventos extremos recentes que causaram prejuízos e destruição no Rio Grande do Sul e no Pantanal tornaram o tema ainda mais urgente na agenda de governos e corporações, reforçando a certeza de que serão necessárias mudanças profundas no nosso modo de vida e na forma como organizamos a atividade econômica. 

Em meio às discussões sobre a transição para um mundo mais sustentável, porém, pouca atenção tem sido dada ao futuro das populações em situação de vulnerabilidade e menos ainda à criação de oportunidades de trabalho para que elas sejam incluídas no novo modelo de economia que está sendo desenhado. 

Moradores de áreas remotas ou das periferias de grandes centros, mulheres, a população negra e povos tradicionais são os mais afetados pelas ondas de calor, fortes chuvas, inundações e secas. No entanto, são os menos preparados para enfrentar suas consequências, o que revela que a sustentabilidade não se restringe somente à questão ambiental.  

Especialistas na transição apostam no surgimento de novas tecnologias e sistemas de produção. No entanto, pouco se discute se e como essas oportunidades poderão ser acessadas não apenas pelas grandes corporações, mas também pelas micro e pequenas empresas, motores importantes de geração de trabalho e renda no país, responsáveis pela oferta de 80% das vagas com carteira assinada em 2023, segundo o Sebrae.

Estudos exaltam o potencial de geração de novos postos de trabalho, os “empregos verdes”, mas não indicam quem será responsável por desenvolver os conteúdos para a qualificação desses profissionais, quem terá acesso a essa formação ou qual será a qualidade e a remuneração destas novas ocupações.

Construção civil e economia circular, para dar dois exemplos, são associadas ao avanço de uma economia mais sustentável, mas suas condições de trabalho são tipicamente marcadas pela precariedade. Essas atividades são frequentemente desempenhadas por empresas informais, ambiente de trabalho precário e por trabalhadores com baixa qualificação e sem proteção social.

Ou seja, corremos sério risco de aprofundarmos ainda mais as desigualdades que sempre marcaram a história do nosso país. 

Se realmente queremos avançar na direção da sustentabilidade, a preocupação com o bem-estar e com a inclusão produtiva digna dos mais vulneráveis precisa estar no coração do novo modelo de desenvolvimento econômico que iremos adotar.

A partir dessa premissa, a Fundação Arymax convidou a B3 Social, Instituto Golden Tree e Instituto Itaúsa para realizarem o estudo Inclusão Produtiva e Transição para a Sustentabilidade: Oportunidades para o Brasil”

Desenvolvido pelo Instituto Veredas, o estudo analisa quatro setores-chave no debate sobre a transição – sistemas alimentares e de uso da terra, indústria, energia  e cidades e infraestrutura – e traz diretrizes e recomendações, convocando governos, terceiro setor e setor privado para coordenarem esforços por um modelo de transição que também seja promotor de inclusão produtiva e redutor de desigualdades.

No caso do setor privado, está claro que a adoção de práticas ambientalmente sustentáveis será uma exigência crescente dos mercados. Grandes empresas já compreenderam e estão fazendo seus ajustes. Mas será que só isso é suficiente? 

As evidências indicam que não e apontam para a urgência de convocar as empresas a olhar além de seus muros e assumir a liderança no desenho de um modelo de transição sustentável com inclusão produtiva e benefícios repartidos entre toda a sociedade. 

Entre as várias recomendações do papel que grandes empresas deveriam desempenhar para promover sustentabilidade combinada com inclusão produtiva, gostaria de destacar três:

1. Atuar junto a escolas e universidades no desenho de currículos para os novos empregos verdes, bem como abrir suas portas para a oferta de programas de aprendizagem e de estágios, conectando os universos da educação com as demandas reais do mundo do trabalho e contribuindo para o processo de formação contínua dos profissionais do futuro.

São as grandes empresas que estão em melhor posição para identificar e sinalizar as habilidades e competências requeridas nos novos postos de trabalho em uma economia sustentável, seja pelo uso de novas tecnologias ou pela adoção de novas práticas da indústria 4.0, como por exemplo, aquelas relacionadas à eficiência energética ou à economia circular. Programas de upskilling e reskilling no ambiente de trabalho também serão necessários para requalificar colaboradores para novas funções e atividades, garantindo sua permanência no mercado de trabalho;

2.  Apoiar micro e pequenas empresas (MPEs) para que elas possam se adaptar e acompanhar as transformações em curso. Estudo do Sebrae junto a MPEs indica que apenas 14% delas conhecem o termo ESG. Aquelas que buscam se adaptar enfrentam desafios na adoção de tecnologias limpas, no cumprimento de novos padrões de qualidade e na obtenção de certificações, devido ao grau de investimento e à escala implicados. Se grandes empresas assumirem a liderança no fomento a arranjos produtivos realmente inclusivos, será possível permitir a inserção de MPEs no processo de transição. 

3. Atuar de forma ainda mais incisiva no desenvolvimento sustentável dos territórios em que estão inseridas. Os processos produtivos e os produtos e serviços oferecidos pelas empresas podem tanto levar à deterioração do meio ambiente e da qualidade de vida, como contribuir para a regeneração da natureza e para promover desenvolvimento social. O diálogo com as comunidades do entorno pode evitar erros por empresas não familiarizadas com a situação socioambiental do território.

Por último, tratar a distribuição justa de benefícios ao longo da cadeia produtiva como uma exigência da sustentabilidade, estabelecer relações de trabalho equitativas dentro da empresa e entre os diferentes elos da cadeia e conferir especial atenção a populações historicamente excluídas complementam a lista de recomendações. 

Cadeias produtivas em que um elo se apropria dos resultados, enquanto outros sofrem com ocupações mal remuneradas e de baixa qualidade, não podem ser consideradas sustentáveis – mesmo que apresentem bons resultados ambientais.

O Brasil tem todas as condições de se tornar uma liderança decisiva no debate sobre a sustentabilidade, caso compreenda que não haverá transição duradoura se ela não for combinada com inclusão social e produtiva. Grandes empresas têm um papel urgente a cumprir, assumindo essa visão e se tornando protagonistas nessa arena. Se queremos nosso potencial produtivo mais bem aproveitado e um país mais próspero e alinhado com a agenda da sustentabilidade, temos que criar condições para que toda a população tenha acesso aos meios para produzir e acessar produtos ambientalmente sustentáveis e socialmente justos. 

* Vivianne Naigeborin é Superintendente da Fundação Arymax, organização que atua na inclusão produtiva de pessoas em vulnerabilidade econômica