Dona de Mim vai da filantropia ao investimento em microempreendedoras

Iniciativa idealizada por Sonia Hess, da Dudalina, já beneficiou 5 mil mulheres e agora está ganhando nova vida se associando a um FIDC

Sonia Hess, da Dudalina, da iniciativa Dona de Mim
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Sonia Hess tem uma lista de contatos de dar inveja. 

No auge da pandemia da Covid-19, a empresária e ex-presidente da camisaria Dudalina liderou a criação de uma iniciativa para apoiar mulheres autônomas e em situação de vulnerabilidade, num período em que a economia estava praticamente paralisada. 

Hess conseguiu o apoio de Luiza Helena Trajano, do Magalu, Ilana Minev, da Bemol, Geyze Diniz, da Península Participações, Janete Vaz e Sandra Soares Costa, co-fundadoras do Laboratório Sabin, e outras 70 brasileiras do mundo dos negócios.

Algumas faziam parte do Grupo Mulheres do Brasil, uma organização sem fins lucrativos que visa fortalecer o protagonismo feminino. Hess é vice-presidente e Trajano, presidente da entidade.

Assim, de mulheres para mulheres, surgiu o Fundo Dona de Mim. Apesar do nome, não se tratava de um fundo de fato. A iniciativa reuniu R$ 2 milhões de doações das integrantes e contou com apoio da Sigma Lithium, de Ana Cabral, e do BTG.

Por meio da associação de crédito Banco Pérola, que tem Hess como investidora, foi viabilizado crédito para 5 mil mulheres, com condições especiais de concessão e pagamento. 

Mesmo após o fim da emergência sanitária, o Dona de Mim seguiu. “Sempre que algum dinheiro era liberado, atendíamos mais uma mulher, mas sempre com filas de espera”, diz Hess, “Agora, nessa nova fase, vamos conseguir puxar todas as que estão esperando e atender mais mil mulheres”.

A nova fase é uma transformação. O Dona de Mim acaba de sair do mundo da filantropia para o de fundos. Ou quase isso. A iniciativa está sendo atrelada ao Fundo Levante, um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) gerido pela 3J Capital Partners, administrado pela corretora Singulare e que tem o Banco Pérola como agente de cobrança. 

“Nós captamos R$ 5 milhões, que deve permitir que façamos 5 mil operações ao longo de 12 meses. Vamos oferecer uma remuneração bastante competitiva para o investidor e entregar impacto [positivo]”, afirma Andrea Federmann, diretora financeira do Banco Pérola. O fundo suporta até 10% de inadimplência.

Metade dos recursos será direcionado para mulheres ligadas ao Dona de Mim e metade para outras iniciativas do Pérola. 

Ponte

Na prática, o Dona de Mim funciona como uma ponte entre mulheres que precisam de pequenos empréstimos para investir no próprio negócio e a instituição financeira que vai fornecê-lo. 

Para estar apta a receber o crédito, é preciso ser uma mulher empreendedora há pelo menos três meses – com ou sem formalização –, fazer parte do Grupo Mulheres do Brasil e completar um curso de duas horas sobre educação financeira disponibilizado pelo Pérola. 

“Normalmente, essa mulher já vem de algum outro curso – do Sebrae, por exemplo, ou da Rede de Mulher Empreendedora. Ela chega por contato com líderes regionais do Mulheres do Brasil, que frequentam a mesma paróquia, se conhecem da rede de artesanatos”, diz Hess. “Em um país com 215 milhões de pessoas, o que fazemos é uma gotinha. Mas é uma gotinha importante.”

O Grupo Mulheres do Brasil conta com cerca de 127 mil membros distribuídos por 130 cidades do país. 

“Não é preciso ir longe. Nós vamos começar agora a atuar com 100 mulheres em Paraisópolis [uma favela na zona sul de São Paulo]. Há quem tenha só a carteira de identidade e o CPF. Ela precisa ser equipada com o microcrédito para conseguir realizar seu trabalho”. 

Diferentemente de empréstimos convencionais, não há uma exclusão imediata por falta de garantias, como uma casa ou carro, e o score permitido no Serasa chega a níveis mais baixos.

Hess dá exemplos de artesãs e vendedoras de bolos ou marmitas que se beneficiaram com o crédito. “Em Guarani [em Minas Gerais], uma das mulheres comprou um casal de porquinhos com o dinheiro, eles começaram a cruzar e hoje ela fornece porcos para restaurantes da cidade”. 

Os empréstimos começam na faixa de R$ 2 mil a R$ 3 mil, e podem chegar a R$ 5 mil em uma segunda operação. O período de carência será de dois meses e as empreendedoras terão até 12 meses para quitar a dívida, com taxa de 1,5% ao mês.

Na estrutura desenhada para o FDIC, todas as cotas são subordinadas. “Isso permitiu baratear o fundo e tem um efeito colateral positivo: quem está dentro desse FDIC é porque, além do retorno financeiro, acredita na causa”, diz Federmann. 

Os recursos foram captados com aproximadamente 40 investidores qualificados, com mais de R$ 1 milhão em investimentos, em pouco mais de dois meses. 

A outra metade

O que não for direcionado para as empreendedoras chega nas mãos de quem precisa por meio de outras parcerias estabelecidas pelo Banco Pérola ao longo de seus 14 anos, afirma Federmann.

A associação de crédito se uniu ao ACNUR, Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, e mantém uma linha de crédito exclusiva para refugiados e migrantes que atuam como micro e pequenos empreendedores no Brasil. 

“A ONU leva nosso nome para Roraima, onde atendemos muitos refugiados e migrantes. Já no Distrito Federal, temos uma parceria pequena com a Associação de Motofretistas, por exemplo. Isso nos ajuda na divulgação”. 

As taxas de inadimplência flutuam a depender do programa, uma vez que empresas podem desenhar projetos com um caráter de doação, como era o caso do Dona de Mim anteriormente, explica a executiva. Historicamente, a taxa média de inadimplência do Pérola é de 8%.

Fazer microcrédito é caro, pontua Hess. “Dá trabalho, é complicado, tem inadimplência… Não vamos ser românticos. Mas temos que estar junto com essas pessoas, não podemos abandoná-las”, diz a empresária.