CRA financia cacau familiar na fronteira do desmatamento amazônico

Cultivo ajuda a manter de pé a floresta no Pará; recursos filantrópicos e do BNDES vão tomar parte do risco para atrair capital privado

CRA financia cacau familiar na fronteira do desmatamento amazônico
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O cultivo de cacau do Brasil utiliza um modelo sustentável do ponto de vista ambiental: como o fruto precisa de sombra para se desenvolver, ele ajuda a manter de pé a floresta do bioma em que se insere.

Além disso, garante renda para milhares de agricultores familiares. Parece o enredo perfeito, não fosse o fato desses produtores não conseguirem crédito devido à burocracia – muitos não têm a titulação da terra, por exemplo. 

A saída foi misturar capital privado com o de filantropia para oferecer uma alternativa.

Está em andamento a emissão do segundo Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) sustentável da ONG Tabôa, securitizado pela Gaia, desta vez com recursos de um edital de blended finance do BNDES. A operação será de R$ 10,5 milhões, dez vezes maior do que a primeira, lançada em dezembro de 2020. 

Procuradas, Gaia e Tabôa não concederam entrevista, pois estão em período de silêncio por conta da operação.

O instrumento, que está sendo ampliado agora, já foi testado na forma de um piloto na Bahia, também para produtores no Pará que estão no arco do desmatamento da Amazônia, onde a fronteira agrícola avança sobre a floresta. 

Conhecida como precursora dos sistemas agroflorestais, a cabruca é um sistema de plantio em que o cacau é cultivado sob a sombra de espécies nativas da floresta original. No caso do sul da Bahia, a Mata Atlântica, e do Pará, a Amazônia. Na cabruca, cerca de 20 a 35 espécies nativas de árvores são deixadas por hectare para sombrear os pés de cacau.

O Brasil é hoje o sétimo produtor mundial de cacau, com uma produção anual de 220 mil toneladas, em aproximadamente 700 mil hectares, com 95 mil produtores (80% deles pequenos e médios), segundo a CocoaAction Brasil.  

Estrutura

Operações de blended finance são uma tendência de finanças sustentáveis entre investidores e filantropos estrangeiros e começa a ter seus primeiros projetos no Brasil. Como o nome sugere, ele mistura capitais de diferentes naturezas. Em geral, recursos filantrópicos ou de organismos de desenvolvimento entram na estrutura financeira para absorver riscos e, com isso, alavancar a atração de recursos comerciais. 

O BNDES lançou em 2022 sua primeira seleção pública de estruturas em blended finance para apoiar projetos que promovam impacto socioambiental positivo. Nela, o banco alocou R$ 90 milhões para serem aportados como “capital concessional”, que topa entrar a fundo perdido, em três áreas: bioeconomia florestal, desenvolvimento urbano e economia circular. 

O projeto do CRA sustentável do cacau venceu em primeiro lugar na categoria de bioeconomia. Na estrutura da operação, a Gaia fará a securitização dos créditos analisados e concedidos aos produtores pela Tabôa. Para solucionar a questão da falta de titulação de terra, a ONG exige apenas um termo de posse para conceder o empréstimo. 

Os institutos Arapyaú, do empresário Guilherme Leal, e o Humanize são os investidores filantrópicos, que arcam com os custos do acompanhamento técnico que os produtores recebem, além das despesas com monitoramento de impacto. Procurados, os institutos não concederam entrevista.

Segundo informações de mercado, as cotas seniores do CRA estão sendo oferecidas a investidores, principalmente family offices e organizações sem fins lucrativos que buscam investimentos de impacto para alocar seus recursos.

Já as subordinadas serão adquiridas pela Tabôa com os recursos do BNDES. Na prática, são essas cotas que têm mais risco, pois são as que absorvem primeiro as perdas no caso de inadimplência dos recebíveis. 

Na experiência da Tâboa, porém, a taxa de não pagamento dos produtores é baixa. No projeto piloto com os produtores de cacau no sul da Bahia, ela ficou abaixo de 1% entre 2021 e 2023. Isso se deve ao acompanhamento técnico previsto no modelo de financiamento, que é discutido caso a caso com o produtor.

Foram concedidos cerca de 300 empréstimos a 270 produtores, com um valor médio de R$ 7,5 mil, a uma taxa de juros de 1% ao mês.