O mês de janeiro costuma ser aquecido para emissões externas de dívida. E, neste ano, as empresas brasileiras decidiram acessar os bolsos internacionais vestidas de verde.
Em menos de duas semanas, os bancos Itaú e BTG, a Klabin, de papel e celulose, e a Simpar (ex-JSL), holding de logística que controla a Movida, de aluguel de carros, e a Vamos, de frotas de caminhões, emitiram títulos com características ESG, somando ao todo US$ 2,1 bilhões.
O movimento segue uma tendência já consolidada em 2020, quando as captações ligadas a sustentabilidade por parte de companhias nacionais atingiram o recorde de quase R$ 28 bilhões, quase o triplo de 2019, segundo levantamento feito pela Sitawi Finanças do Bem.
Mas, desta vez, elas parecem contar com um incentivo adicional: há cada vez mais sinais de que as dívidas sustentáveis estão saindo mais baratas para os emissores do que as tradicionais. É o chamado ‘greenium’, o jargão do mercado que une ‘premium’ a ‘green’.
“Desde que começaram os primeiros green bonds aqui, lá em 2015, 2016, o pessoal me perguntava: tem diferença entre bond tradicional e verde?”, diz Sandy Severino, diretor responsável pela área de captações externas do BTG. “Em 2020, começamos a ver com isso com Suzano e agora acredito que efetivamente vamos começar a notar em outras emissões.”
A emissão pioneira feita pela Suzano em setembro já tinha dados sinais claros de que a sustentabilidade compensa. A fabricante de papel e celulose emitiu US$ 750 milhões em sustainability-linked bonds com vencimento em 10 anos, que saíram com yield abaixo de papéis convencionais do mesmo tipo no mercado, na menor taxa da sua história.
A diferença continuou a aumentar no mercado secundário, levando a companhia a reabrir a emissão dois meses depois. A captação de US$ 500 milhões saiu com yield de 3,1%, a menor já registrada por uma companhia brasileira para títulos equivalentes.
A emissão da Klabin na semana passada tirou a cisma.
A empresa captou US$ 500 milhões por um prazo de 10 anos a um yield de 3,2%, o menor para uma empresa brasileira com seu nível de rating (BB+, enquanto a Suzano está um degrau acima e é ‘investment grade’).
No mesmo dia, os títulos tradicionais da empresa com vencimento dois anos antes — que normalmente negociam com desconto em relação a prazos mais esticados — negociavam a 3,4% no mercado secundário. Como emissões novas costumam ter prêmio, na prática, calcula-se que a diminuição no custo foi significativa, entre 35 e 40 pontos base.
Ou seja, se não fosse um título ESG, a Klabin captaria a algo entre 3,55% e 3,60%.
Mais arte que ciência
Há anos o mercado debate a existência do greenium, mas prová-lo é uma tarefa complexa.
Poucas empresas têm títulos ESG e tradicionais emitidos a prazos e condições semelhantes para permitir uma comparação justa.
O Climate Bond Initiative (CBI), referência em green bonds e que cunhou o termo ‘greenium’, vem caçando evidências desde 2017.
No último relatório disponível, analisou 46 green bonds lançados na primeira metade de 2020 e conseguiu criar uma curva de yields comparável para 21 deles. Apenas cinco mostraram evidências de greenium.
Em tese, títulos tradicionais e ESG dos mesmos emissores não deveriam ter diferença de preços, pois ambos incorrem no mesmo risco de crédito. Mas há cada vez mais evidências de que a explosão na demanda por investimentos sustentáveis está criando um déficit do lado da oferta.
Uma ampla pesquisa publicada em dezembro pela Amundi, gestora francesa referência em investimentos sustentáveis, aponta que há, sim, evidências de greenium, ainda que magro, nas emissões feitas nos últimos anos.
Para além da frieza dos números, banqueiros não se cansam de dizer que a definição de preços nas ofertas de títulos é mais arte que ciência. E, nesse sentido, o feeling é de que bolsos ESG estão cada vez mais ativos nas emissões que carregam esse viés.
“No ano passado, fizemos emissões verdes de Rumo e Klabin e os investidores com viés ESG eram 30% das dez principais ordens. Hoje, eles já chegam a 70%, 80%, é realmente exponencial”, diz Luiza Vasconcellos, especialista ESG na área de renda fixa do Itaú BBA.
Além do selo
O aumento na demanda por investimentos ESG, no entanto, vem acompanhado da sofisticação dos investidores, que não estão dispostos a comprar toda e qualquer oferta só porque vem chancelada por um carimbo verde ou social.
Nesse sentido, o bom desempenho das ofertas de Suzano e Klabin é atribuído a dois fatores. Primeiro, são empresas do setor florestal, normalmente associado à sustentabilidade, e ambas são portadoras de credenciais ESG consideradas fortes pelo mercado.
“São empresas robustas em ESG, com metas robustas em ESG” diz o gestor de um fundo de crédito doméstico que compra papéis ESG. “Não tem escassez de papel em geral, tem escassez de papel que atende ao grau de escrutínio dos investidores que estão cada vez mais diligentes.”
Além disso, as duas empresas acessaram o mercado com um novo tipo de título, o chamado sustainability-linked bond (SLB) — que fala bem a língua do mercado.
Nos green ou sustainable bonds, o uso dos recursos é carimbado: tem de ir para projetos com benefícios ambientais, sociais ou ambos e o status da alocação precisa ser comunicado por meio de relatórios periódicos, normalmente validados por firmas independentes.
Nos SLBs, que começaram a pipocar em 2019, o uso dos recursos é livre, mas os juros estão atrelados a metas ambientais. A Suzano se comprometeu a reduzir a emissão de gases de efeito estufa das suas fábricas até 2025, na metade do prazo dos títulos. Se não o fizer, o custo da dívida sobe 25 bps.
A Klabin colocou três metas: reduzir o consumo de água por tonelada de produto, reduzir o nível de resíduos sólidos de suas operações e reintroduzir duas espécies animais extintas no bioma onde estão localizadas as florestas da companhia.
“O investidor ESG gosta porque vê uma oportunidade daquilo deixar de ser meramente um discurso e virar um incentivo real para o emissor. E o investidor que não é ESG acha ótimo também, porque, se a empresa não entregar, a taxa vai ser maior e ele terá uma remuneração melhor que a esperada”, diz Vasconcellos, do Itaú.
A Simpar, ex-JSL, fechou ontem à noite a captação de US$ 625 milhões em um SLB com vencimento em 10 anos. Comprometeu-se a reduzir em 7,8% a intensidade de gases de efeito estufa da sua operação, isto é, o quanto ela emite por receita líquida, até 2025. Se não cumprir, o custo da dívida sobe 25 bps.
A meta inclui os escopos 1 e 2, referentes ao que é produzido na operação, e foi além ao incluir o chamado escopo 3, dos gases gerados pelos clientes ao usar seus produtos (no caso da controlada Movida, por exemplo, o quanto os clientes emitem usando os veículos alugados).
O título saiu a um yield de 5,2% ao ano e com demanda de pouco mais de quatro vezes a oferta. Mas, nesse caso, é difícil calcular se houve greenium, já que não há um papel de vencimento semelhante para comparação.
Já os bonds de Itaú e BTG fechados nesta semana com selos green e sustentável (que une tanto benefícios ambientais quanto sociais), respectivamente, saíram praticamente em linha com outras emissões e uma demanda de 2,5 vezes.
“No momento, estamos vendo uma discrepância de greenium maior para essas operações SLB do que aquelas com selo ESG [green ou social]”, diz Pedro Rodrigues, head de emissões externas do Itaú BBA.
“Mas falo ‘no momento’ porque esse mercado está se desenvolvendo exponencialmente. A cada semana que passa a gente tem um fundo novo com mandato de comprar novas emissões e eu não duvido que, conforme a base de investidor aumente, a gente consiga quantificar melhor esse greenium nas emissões com selo ESG.”
Além dos investidores, os SLBs também falam mais a língua dos CFOs e das tesourarias. “É muito mais fácil para o financeiro tangibilizar o ESG nessa forma de metas”, diz Gustavo Pimentel, sócio da Sitawi Finanças do Bem. “Acreditamos que o SLB é uma das principais tendências para 2021.”
Enquanto isso, no mercado doméstico…
Enquanto os sinais de greenium ficam mais evidentes no mercado externo, nas emissões domésticas eles ainda não aparecem, na medida em que o mercado local de dívida dedicada é relativamente pequeno.
Isso não significa que o apetite por emissões rotuladas deve diminuir por aqui. A Sitawi está com mais de 20 mandatos para consultoria ou parecer de emissões rotuladas, além de quase uma dezena de pareceres já prontos, de companhias que podem acessar o mercado a qualquer momento, aponta Pimentel.
“O principal motivador das companhias é institucional, pelo efeito de imagem, transparência e alinhamento em relação à agenda de sustentabilidade”, diz Patricia Genelhu, head de investimentos sustentáveis e de impacto do BTG Pactual.
Os benefícios para as empresas vão muito além do prêmio na emissão.
Pesquisas apontam o efeito do ‘green halo’ ou ‘auréola verde’, mostrando que a emissão de green bonds tem efeito sobre toda a curva de custo da dívida e que se estende até mesmo sobre o preço da ação e a performance operacional.
Se para os emissores os títulos ESG podem se traduzir em menores custos, o outro lado da moeda é que, para os investidores, isso pode se traduzir em menores retornos.
Uma pesquisa publicada em meados do ano passado por Ulf Erlandsson, ex-gestor do fundo de pensão sueco AP4 e uma das principais referências para ESG em ativos de renda fixa, aponta que há uma contrapartida em redução de volatilidade.
“Acreditamos que a contabilização adequada da volatilidade permite que os investidores voltem sua estratégia de green bonds às próprias obrigações fiduciárias de risco-retorno em vez de apenas uma perspectiva baseada em retornos”, aponta Erlandsson no paper.
LEIA MAIS
Piscina ESG: Com ofertas de ações, Natura e Suzano fazem ofensiva por novo investidor