O Grupo Boticário acaba de emitir R$ 1 bilhão em debêntures com juros ligados a indicadores específicos de sustentabilidade, inaugurando o mercado dos chamados sustainability-linked bonds no mercado interno. A emissão foi integralmente encarteirada pelo Itaú BBA.
A operação tem uma remuneração ‘step-down’, que vai caindo de acordo com o cumprimento de metas ligadas a ESG.
Um dos compromissos é atingir 100% de consumo de energia elétrica renovável até 2022 nas duas fábricas do Grupo Boticário em São José dos Pinhais (PR) e Camaçari (BA), bem como nos centros de distribuição de Registro (SP) e São Gonçalo dos Campos (BA).
Além da meta de energia, outro compromisso será garantir, no mesmo cronograma, que 100% dos resíduos sólidos gerados nas operações sejam reciclados (o que inclui reciclagem, reuso ou coprocessamento).
O cumprimento das metas é avaliado numa régua anual. Se elas meta forem cumpridas, a remuneração dos títulos cai 0,1 percentual. O Boticário e o Itaú BBA não divulgaram os juros originais da emissão, mas dizem que ela ocorreu em linha com níveis “de mercado” e compatíveis com o rating da fabricante de cosméticos.
O Boticário já tem um bom nível de atendimento em ambas as métricas e, na prática, a emissão amarra compromissos para que a companhia atinja o ‘last mile’, fazendo os esforços adicionais — e normalmente mais complicados — para chegar a 100% de atendimento dos indicadores.
Ao fim de 2019, 88% da energia elétrica consumida nas fábricas vinha de fontes renováveis e 94,5% dos resíduos das fábricas já eram reciclados ou coprocessados.
O compromisso não inclui reciclagem de resíduos do pós-consumo — a logística reversa das embalagens dos produtos –, um dos pontos mais materiais da indústria de cosméticos e cuidados pessoais.
O financiamento de R$ 1 bilhão faz parte da gestão de caixa usual do Boticário e já estava previsto no relacionamento com Itaú BBA. A decisão de atrelar os juros a metas de sustentabilidade foi desenhada ao longo do ano.
“As companhias que têm essa trajetória terão menos risco lá na frente e menos spread. A performance econômica no futuro estará atrelada à sustentabilidade e a emissão materializa esse entendimento”, diz Marcelo Azevedo, diretor financeiro do Grupo Boticário.
Diferentemente dos green bonds, já mais populares, o sustainability-linked bond é um papel que não tem recursos carimbados para um projeto específico que gere benefícios ambientais. O uso dos recursos é livre, mas a emissão é atrelada a uma meta ambiental ou social.
Abrindo alas
Em setembro, a Suzano foi a primeira empresa brasileira — e uma das primeiras do mundo — a fazer uma emissão de dívida com metas ligadas à sustentabilidade, mas no mercado externo, de US$ 750 milhões.
A demanda forte e o desconto nas taxas motivou a reabertura da emissão no começo do mês passado, com captação de mais US$ 500 milhões, no menor yield de 10 anos para uma companhia brasileira. (No caso da Suzano, há ainda uma pequena diferença em relação ao Boticário: em vez de a taxa cair com o tempo, trata-se de um ‘step-up’: se não cumprir as metas, a empresa paga mais juros.)
Apesar do forte apetite externo por títulos ligados à sustentabilidade, a demanda ainda não está materializada no mercado local.
“Achamos que o mercado aqui ainda não está pronto para esse tipo de emissão, especialmente neste tamanho”, diz Felipe Weilberg, diretor de renda fixa do Itaú. “Mas uma parte interessante é que nós já estamos vendo alguns fundos sendo montados e interesse de alguns investidores para esse tipo de operação.”
Por isso, o Itaú comprou toda a emissão e pode, eventualmente, fazer a distribuição via mercado secundário se houver interesse.
“O banco está antecipando um pouco o mercado, olhando que essa é uma tendência”, diz Weilberg. “Companhias sustentáveis serão as empresas do futuro e isso, na prática, reduz o risco.”
Comprada integralmente por um grande banco, a emissão se assemelha mais, num primeiro momento, aos sustainability-linked loans, empréstimos bilaterais firmados entre bancos e as empresas que já vêm ganhando algum ímpeto no mercado nacional.
A sucroalcooleira Tereos, a FS Bioenergia, de etanol e milho, Frimesa e a LAR Cooperativa, de alimentos, e Grupo Mantiqueira estão entre as empresas que tomaram financiamentos com bancos com juros atrelados a metas ESG neste ano.