
O Grupo Boticário está captando R$ 2 bilhões no mercado doméstico com uma nova emissão de dívida ESG. São três séries de debêntures, sendo que as duas primeiras são atreladas a metas de desempenho em sustentabilidade, enquanto a terceira traz uma novidade.
Nela, segundo o grupo, os recursos captados pela empresa serão provenientes do programa Eco Invest, em que o Tesouro Nacional concede linhas de crédito subsidiadas a bancos e estes acrescentam recursos privados para fazer empréstimos a empresas e projetos de descarbonização da economia.
Tudo indica que o Itaú BBA, coordenador líder e único banco na oferta, ficará com todos os papéis no seu balanço, sem distribuí-los a investidores neste primeiro momento.
Foi assim em pelo menos outras três emissões de dívida ESG que o Grupo Boticário realizou antes, encarteiradas pelo próprio Itaú, pelo Bradesco BBI e pelo UBS BB. Se a informação se confirmar, o Itaú BBA também seria o banco responsável pelo empréstimo da linha do Eco Invest ao grupo fabricante de cosméticos.
Os R$ 375 milhões do Eco Invest poderão ser aplicados pelo grupo em novos edifícios ou na modernização de edifícios existentes, com objetivo de aumentar a eficiência energética e resiliência climática, reduzindo o consumo de água, energia e emissões de gases, entre outras melhorias de adaptação.
As metas ESG
O R$ 1,625 bilhão captado com a primeira e a segunda série serão usados integralmente para resgatar uma emissão anterior de dívida da companhia.
As duas séries são enquadradas como sustainability-linked bonds (SLB). Nesse tipo de título de dívida, os recursos captados não são destinados a um projeto específico com benefícios sociais ou ambientais, como no caso dos green e social bonds. Nos SLB, o uso do dinheiro é livre, mas o custo da dívida varia conforme o atingimento ou não de metas sustentáveis pré-definidas.
O Boticário selecionou dois indicadores e metas. Na primeira série, a meta é ampliar de 55 para 70 até 2030 o número de métodos alternativos a testes em animais para avaliação da segurança de matérias primas e produtos.
Na segunda, a meta é reduzir em 48% as emissões de gases de efeito-estufa em termos absolutos de escopo 1 e 2 até 2032 e 62% até 2034. A linha de base é de 4.514,9 toneladas de CO2 equivalentes (tCO₂e) em 2022.
As emissões de escopo 1 referem-se às operações diretas da empresa, excluindo, portanto, empresas terceirizadas ou contratadas ao longo da cadeia de valor. No escopo 2 estão as emissões relacionadas à energia comprada.
A consultoria ERM foi contratada para dar um parecer sobre os indicadores e metas. No caso dos indicadores, em ambos os casos considerou a relevância e materialidade deles “moderada”.
Já em termos de ambição das metas, a consultoria considerou o primeiro objetivo moderado, enquanto deu o selo de “elevado” para o segundo objetivo.
No entanto, a própria ERM nota que, embora a meta de redução de emissões seja alta, a empresa deixou de fora o chamado escopo 3, que considera toda a cadeia de valor das empresas e que, no caso do Boticário, representa 99% do seu total de emissões.
Caso falhe em cumprir a primeira meta, a empresa terá que pagar um prêmio de juros equivalente a 84 pontos base (bps), a partir de maio de 2031, sobre a primeira série de debêntures, que tem valor de R$ 1 bilhão.
Se deixar de cumprir a segunda meta, o chamado “step-up” de taxa será de 46 bps (cada), exclusivamente sobre a segunda série, de R$ 625 milhões, a serem aplicados a partir de maio de 2033 e maio de 2035, respectivamente.
Na primeira série, a taxa máxima é equivalente a CDI mais 0,95% ao ano, com amortização semestral a partir do quinto ano. O vencimento é em novembro de 2032.
Na segunda série, com vencimento em 2035, a remuneração máxima é CDI mais 1,2%, com amortização semestral, a partir do oitavo ano. A terceira série, de R$ 325 milhões, terá taxa máxima de CDI mais 0,1% e amortização anual a partir do segundo ano. O vencimento será em 2032.
Comparação com concorrentes
Parte importante desse processo de verificação é a análise dos pares, que apura dados públicos de empresas do mesmo ramo para efeitos de comparação. A ERM avaliou que o Grupo Boticário está alinhado com seus pares ao possuir 55 métodos alternativos aos testes em animais, enquanto Natura reporta mais de 60 e P&G mais de 50.
Na comparação relacionada às metas de redução de emissões de escopo 1 e 2, a ERM considerou que o nível de ambição do Grupo Boticário é elevado, ainda que o volume de metas comparáveis seja limitado.
Alguns pontos são destacados: a consultoria aponta que as metas são mais ambiciosas que as da Natura; a Beiersdorf, responsável pela marca Nivea, apresenta metas menos agressivas para escopo 1 e 2, mas possui metas de escopo 3, diferente do Grupo Boticário; a L’oreal apresenta metas mais ambiciosas de escopo 1 e 2, mas sem ano-base e dados absolutos. Por fim, a L’Occitane prevê 46% até 2031 para escopo 1 e 90% até 2050 para escopos 1 e 2, mas também sem valores absolutos divulgados.