Boticário capta R$ 1,15 bi em dívida sustentável – mas metas não agradam

Matrículas em cursos de capacitação e uso energia renovável formam os indicadores atrelados à operação, encarteirada pelo Bradesco BBI

O Grupo Boticário captou R$ 1,15 bilhões em dívida ESG
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O Grupo Boticário fechou a captação de R$ 1,15 bilhão com debêntures atreladas a metas de sustentabilidade, os chamados sustainability-linked bonds (SLBs). A operação não foi vendida a investidores. O Bradesco BBI, que estruturou a emissão, comprou todos os papéis, com a possibilidade de distribuí-los posteriormente. 

Os recursos serão destinados à construção da nova fábrica em Minas Gerais e à expansão da operação logística e industrial em outras regiões do país. 

Primeira a emitir esse tipo de título de dívida com metas de sustentabilidade no mercado doméstico, há quase quatro anos, desta vez a empresa teve os indicadores criticados por quem acompanha o mercado de dívida sustentável. 

Com os SLBs, o dinheiro captado não tem um uso carimbado, como o que ocorre com os green bonds. A companhia tem liberdade para usar os recursos mas, em paralelo, assume determinados compromissos sociais e/ou ambientais. Caso não os cumpra, fica sujeita a uma elevação da taxa de juro a ser paga. 

As metas atreladas ao papel são: 1) até 2030, criar 1 milhão de “oportunidades para transformar a vida das pessoas” por meio do Programa Empreendedoras da Beleza e 2) garantir que seus pontos de venda próprios usem 100% de energia proveniente de fontes renováveis. O parecer de segunda opinião, que atesta a adesão das condições da dívida aos princípios de autorregulação do mercado para esse tipo de operação, foi elaborado pela Bureau Veritas.

“Os indicadores e metas escolhidos são irrelevantes e imateriais”, comenta um analista ESG. 

A emissão saiu com taxa de CDI mais 1,10% ao ano e, caso as metas intermediárias e finais não sejam alcançadas no prazo, pode haver um ‘step up’ de até 0,25% ao ano na taxa. 

Meta social

O Empreendedoras da Beleza é o principal projeto social do Grupo Boticário, e foca na capacitação de mulheres que trabalham na área. No ano passado, o programa recebeu R$ 2,4 milhões de investimento da companhia para cursos presenciais realizados em Salvador e em São José dos Pinhais (PR), além de treinamentos online. 

Para o indicador do SLB, a métrica usada será o número de matrículas feitas em cursos profissionalizantes de beleza oferecidos pela companhia. No entanto, segundo dados do próprio grupo, no ano passado, das 132,7 mil inscritas, apenas 24% se formaram. Pouco mais da metade destas afirmaram ter tido um aumento de renda.

A meta é que sejam matriculadas 607 mil mulheres até o fim de 2027 e 1 milhão até 2030. Por enquanto, o resultado acumulado é de 158.579 matrículas. 

Meta ambiental

O Boticário tinha, até o fim de 2023, 561 lojas próprias operando no Brasil em diferentes modelos, como em estabelecimentos de rua ou em shoppings centers. Desses, 349 têm a gestão de energia feita pela companhia. 

Nesse último grupo, a empresa atrelou o SLB à garantia de que 267 lojas tenham energia de fontes renováveis até o fim de 2030. Na prática, a empresa vai trocar os contratos que mantém com distribuidoras pela contração de energia solar de geração distribuída – portanto, sairá dos 85% de eletricidade de fontes renováveis da matriz brasileira para 100%.

“A redução de emissões de GEE com essa troca vai ser ínfima”, comenta um analista. O raciocínio é que o consumo elétrico da rede de varejo do Boticário é pequeno perto do total consumido pelo grupo. 

O consumo das lojas é de 7,8 mil MWh, o suficiente para abastecer 3,5 mil residências no Brasil por ano, de acordo com o framework da empresa. No ano passado, a emissão de carbono de todo o escopo 2 da operação no país, que diz respeito ao consumo de energia elétrica e inclui fábricas e centros de distribuição, representou menos de 1% dos gases de efeito estufa emitidos pela Boticário. O consumo de eletricidade pelo varejo responde por 12% deste 1%. 

Quase a totalidade do carbono lançado pela Boticário na atmosfera, ou 98%, está no escopo 3, que contempla as emissões indiretas, geradas na extração de matérias-primas e consumo dos produtos, por exemplo.

Histórico 

A Boticário, pioneira na emissão de SLBs, já realizou duas operações do tipo anteriormente. 

A primeira, de 2020, foi de R$ 1 bilhão e contou com duas metas: alcançar 100% do consumo de eletricidade das fábricas de São José dos Pinhais (PR) e de Camaçari (BA), e dos centros de distribuição de Registro (SP) e de São Gonçalo dos Campos (BA) proveniente de fontes renováveis; e encaminhar todos os resíduos gerados nos processos produtivos e logísticos desses locais para reciclagem ou coprocessamento. O Itaú BBA encarteirou a emissão integralmente.

Em dezembro passado, o grupo captou outros R$ 2 bilhões com o compromisso de ter 100% de seu portfólio de produtos das marcas próprias de origem vegana até dezembro de 2026, e, até 2029, atingir 80% de água de reuso na fábrica de São José dos Pinhais, sua principal unidade fabril. A operação foi coordenada pelo UBS BB, e todos os títulos também foram comprados pelo banco.