A COP26 começou ontem carregada de expectativas sobre a capacidade de os diplomatas de 192 países avançarem nos planos para proteger a terra e a vida na terra do desastre contratado pelo aquecimento global. Também é cada vez maior a pressão para que empresas de todo o mundo se comprometam com metas de descarbonização de suas atividades.
Mas o que pouca gente se dá conta é que tem muito a ser feito ‘dentro de casa’, e não estou falando de separar o lixo do que consumimos para reciclagem ou mudar os hábitos de consumo, lendo os rótulos e dando preferência a empresas com boas práticas ambientais e também sociais.
Quero falar de como a maioria de nós deixa que os profissionais que trabalham nos bancos e nos fundos de investimentos decidam por nós como o nosso dinheiro é aplicado, sem nos preocuparmos em ‘ler o rótulo’.
Fazer isso é o equivalente a comer alimentos prejudiciais à saúde, mas numa escala muito mais ampliada, porque afeta a saúde e o futuro de muito mais gente.
Follow the money
Se os governos precisam negociar bons acordos climáticos, se as empresas precisam se responsabilizar por neutralizar seus impactos ambientais — ou, melhor ainda, deixar um impacto positivo—, a verdade é que a transição para uma economia de baixo carbono não vai acontecer sem custos.
Ela precisa de financiamentos de trilhões de dólares. Uma estimativa aponta que serão necessários pelo menos US$ 100 trilhões nas próximas décadas.
E de onde virá o mar de dinheiro para financiar a transição da economia? A resposta: do sistema financeiro.
Ou, indo direto ao ponto deste artigo: do seu, do meu, dos nossos bolsos. Do bolso da somatória de pessoas que, no mundo todo, têm recursos depositados em contas correntes, fundos de pensão, fundos de investimento, que contratam seguros para proteger seus bens, e por aí vai.
A mudança só vai acontecer se o conjunto do dinheiro se mover na direção necessária.
E essa é a crença fundamental por trás da própria fundação do Reset. Nosso objetivo aqui é que o jornalismo que fazemos ajude a catalisar essa migração do capital para negócios e investimentos que buscam soluções para os desafios ambientais e sociais da atualidade — ou como tentamos sintetizar no nosso slogan, negócios que reciclam o futuro.
Cada centavo conta
Quando se fala no dinheiro que precisa se mover, não se trata apenas da fortuna de bilionários ou milionários, embora esses bolsos abastados sejam peça fundamental. Dentro dessa lógica, cada centavo conta.
Os bancos e fundos são meros prestadores de serviço financeiro. Ou seja, nós os remuneramos com taxas e tarifas para que prestem serviços, como nos ajudar a comprar nossa casa própria ou guardar dinheiro para a aposentadoria. Da mesma forma que pagamos um corretor de imóveis que encontra aquele apartamento que estamos procurando.
Um pouco da lógica do sistema financeiro: os bancos emprestam dinheiro para esta ou aquela empresa, para este ou aquele projeto usando os recursos da somatória de depósitos de seus clientes. E, quanto mais pulverizada essa base de depósitos, ou seja, quanto mais contas de menor volume um banco tem, mais estável é a sua fonte de financiamento. Ou seja, cada centavo conta.
Uma notícia divulgada na semana passada dá conta do tamanho do problema e da urgência para que todos comecem a cobrar uma postura ativa dos profissionais pagos para cuidar do dinheiro. Menos de 1% do dinheiro estacionado em fundos de investimento no mundo está alinhado à meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento do planeta abaixo de 2°C.
Uma das justificativas mais ouvidas de gestores de fundos para não alocar o dinheiro dos investidores em ativos com benefícios sociais ou ambientais é que esse não é o seu mandato. O mantado que têm é para obter o maior retorno, com o menor risco. Ora, assim como o corretor de imóveis só vai buscar um apartamento com as características apontadas pelo futuro proprietário ou inquilino, com os investimentos a lógica deve ser a mesma.
O sistema financeiro não está parado, mas há dúvidas sobre o real compromisso e se a velocidade das transformações será suficiente para que o desastre seja evitado.
Algumas alianças globais do sistema financeiro criadas nos últimos anos procuram amarrar compromissos setoriais daqueles que gerem o dinheiro do planeta.
A Net-Zero Banking Alliance (NZBA), acordo mundial liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e lançado em abril, já reúne 25% dos ativos bancários globais com o objetivo de financiar a transição para uma economia de baixo carbono. Entre os bancos brasileiros, Bradesco e Itaú já aderiram, enquanto o Santander Brasil se tornou signatário juntamente da matriz espanhola.
Já na aliança dos gestores de fundos que tem esse mesmo propósito, há apenas duas casas brasileiras, JGP e Fama.
Agora, na preparação para Glasgow, foi criada a aliança das alianças do sistema financeiro, sob a liderança de Mark Carney, o ex-presidente do Banco Central da Inglaterra e um expoente da defesa das finanças verdes. Batizada de Glasgow Financial Alliance for Net Zero, seu objetivo é justamente fazer com que os diversos atores do sistema financeiro caminhem na mesma direção. Até agora, já são 160 firmas, com US$ 70 trilhões em ativos.
Então, um bom exercício durante a COP — e a partir dela — é prestar atenção nos compromissos assumidos pelas instituições financeiras que você escolhe e se elas estão indo além das promessas. E também começar a ‘ler o rótulo’ dos produtos. Em que investe aquele fundo de investimento que você escolheu? Ele compra ações ou papéis da dívida de empresas poluentes?
Por fim, troque as palavras ‘clima’ ou ‘meio-ambiente’ por ‘social’ e a mesma lógica se aplica. Se uma sociedade menos desigual é algo que conversa com os seus valores e preocupações, já sabe qual o caminho.
(Crédito da imagem: Michael Longmire/Unsplash)