De olho na demanda dos clientes da área de gestão de fortunas e de investidores institucionais estrangeiros por produtos mais sustentáveis, o BTG estruturou no começo deste ano uma área de investimentos de impacto, fincando pé num mercado ainda nascente no Brasil, mas no qual o banco enxerga um amplo potencial de crescimento.
O objetivo é fomentar a criação de produtos e serviços que unam retorno financeiro com impacto social e ambiental positivo nas diversas áreas do banco, da asset ao investment banking.
“Queremos liderar esse setor e funcionar como um hub para que todo esse ecossistema que começa a nascer nos procure: as pessoas, os investidores, as empresas de impacto”, diz Iuri Rapoport, sócio do banco e um dos responsáveis pela área recém-criada.
Para os próximos 12 meses, a expectativa é originar e/ou distribuir cerca de R$ 1 bilhão em produtos, de títulos de dívida verdes a fundos de investimento em empresas de impacto.
A oportunidade mais latente enxergada pelo BTG é a emissão de debêntures verdes ou green bonds, os títulos de dívida que garantem que os recursos levantados vão para projetos com benefícios para o ambiente. Também deve haver algum espaço para papéis com selo social, que direcionam recursos para resolver vulnerabilidades nas áreas de educação ou saúde, por exemplo.
“Hoje, a América Latina representa apenas 4% do mercado de dívida verde ou socioambiental. Temos um caminho enorme pela frente para explorar e captar esses investimentos e muitos problemas sociais e ambientais que precisamos enfrentar”, diz Mariana Oiticica, sócia responsável pela área de planejamento patrimonial do banco e que divide o comando a área de impacto com Rapoport.
Com ofertas de debêntures em geral represadas por conta das incertezas geradas pela pandemia e diversas empresas com plano de captação em bolsa frustrada caminhando para o mercado de dívida, ela acredita que o selo verde ou social vai ser um diferencial importante quando a situação se normalizar, especialmente na atração de investidores institucionais globais.
Entre 2014 e 2019, foram emitidos apenas R$ 5,4 bilhões em debêntures locais com selo verde ou social no Brasil. Há um amplo espaço a ocupar entre as grandes empresas, clientes típicos do BTG Pactual. A Sitawi, consultoria especializada em finanças sustentáveis, estima que há um estoque de R$ 40 bilhões em emissões que poderiam ter contado com o selo, mas que não o foram porque o emissor não sabia ou não se aproveitou da possibilidade.
Do nicho para a massa
O interesse pelo investimento de impacto surgiu na área de gestão de fortunas do BTG, que administra R$ 160 bilhões. “Fazemos um evento para herdeiros todos os anos e há pelo menos uns cinco anos o tema vem aparecendo como um assunto recorrente”, diz Oiticica.
No ano passado, ela se juntou a Rapoport, que responde também pela área de ESG no banco, e montou um grupo informal para estudar o tema dentro do banco. Em dezembro, eles levaram um business plan para o comitê executivo, que autorizou a criação da área.
Roberto Sallouti, o CEO do BTG Pactual, diz que o banco enxerga hoje três grandes tendências de mercado nas quais o banco está se posicionando: o financial deepening, que é a maior penetração de produtos financeiros na economia, a digitalização e, por fim, a incorporação do ESG aos negócios.
“E o ESG não é apenas algo que precisa ser incorporada à cultura das empresas, mas também é uma oportunidade de negócio, que se materializou com a criação da nossa área de impacto”, diz Sallouti.
Além de Rapoport e Oiticica, a área de impacto conta ainda com Beatriz Freitas, executiva que se divide entre ESG e impacto, e Patrícia Genelhu, que desde janeiro se dedica a impacto de forma integral.
Convencer os demais sócios a apostar na área foi um trabalho de formiguinha, diz Rapoport.
“O mercado ainda é pequeno, incipiente e pouco organizado, mas no último ano ficou claro que está ganhando corpo. Os institucionais estão olhando isso e as empresas vão, sim, emitir dívidas ligadas a impacto ambiental.”
Num banco do porte do BTG, em que escala é o nome do jogo, a ideia, já de largada, é tirar esse tipo de investimento do nicho e alçar ao mainstream.
“A gente não quer só falar para os convertidos — ainda que a gente reconheça a importância deles e vá falar para eles também”, diz Oiticica. “Se criarmos um ambiente em que a gente consiga oferecer esses produtos e renovar a oferta, a habitualidade gera um impacto tão positivo quanto um super produto de impacto que vai atingir 1% dos consumidores.”
Testando as águas
Por enquanto, o banco apenas testou as águas no investimento de impacto.
Em fevereiro, distribuiu R$ 15 milhões — um tíquete pequeno para o mercado brasileiro — da Faro Energy, uma geradora de energia solar baseada em Londres que está construindo um parque solar em Minas Gerais. O título foi o primeiro do mercado brasileiro a ganhar o selo de ‘sustentável’, isto é, que reúne ao mesmo tempo as características de títulos verdes e sociais. A certificadora foi a Bureau Veritas.
O título, com prazo de dez anos e remuneração de IPCA + 5,45% ao ano, foi integralmente alocado para clientes da área de wealth do banco. E apesar da emissão ser pequena para os padrões do banco, não foi assim tão fácil vendê-lo.
“A gente teve vários aprendizados nessa distribuição, porque nem sempre o que a família diz que quer necessariamente é o que ela faz na hora de tomar a decisão de investimento”, conta Oiticica.
No mercado ‘raiz’ de impacto, há quem diga que a emissão esticou um pouco a corda ao se colocar como ‘sustentável’. Do total da captação, R$ 14,9 milhões serão usados para quitação de dívidas atreladas ao projeto e R$ 100 mil serão destinados para aulas de desenvolvimento de habilidades socioemocionais para 600 alunos em uma escola na área do projeto, em Pirapora, Minas Gerais.
“Sem dúvida, é uma emissão verde, pelo impacto ambiental positivo do uso da energia solar. Mas a parte social é controversa: primeiro, porque se trata de uma doação para o projeto, e não um impacto gerado diretamente pelo uso dos recursos. Além disso, a fatia de doação é pequena frente ao uso total dos recursos”, diz uma fonte que acompanha de perto essas emissões.
Além da emissão da Faro, a área de impacto também ajudou a intermediar a garantia dada pelo BTG à fabricante nacional de respiradores Magnamed, para que o Ministério da Saúde pudesse antecipar parte do pagamento referente à produção emergencial de respiradores para fazer frente à escala da covid-19, viabilizando a produção. Outros bancos tinham fechado as portas para a companhia.
Impacto em ações
Enquanto vê uma avenida aberta no mercado de dívida, o BTG está mais cauteloso quando o assunto é investimento de impacto via ações, ou participação no capital das empresas que têm o propósito social ou ambiental como parte integrante do negócio.
Com um mercado pequeno e empresas ainda muito informais, o banco acredita que, por ora, o espaço já está tomado por casas especializadas em investimento de impacto como Vox e Mov. Mas quer estar preparado para uma segunda onda de maturidade das empresas, quando elas precisarão de bolsos mais fundos.
“A gente respeita muito as casas com esse perfil e tem vontade de fazer algum tipo de parceria, para ajudar na distribuição, por exemplo”, diz Rapoport. “Num segundo momento, com esse mercado mais maduro e as empresas num novo estágio, poderíamos lançar um fundo próprio ou até quem sabe fazer algum tipo de investimento proprietário.”
Ao mesmo tempo em que vê problema na demanda de empresas, o executivo reconhece que ainda há uma certa reticência do lado da oferta e que as famílias que têm o dinheiro administrado pelo banco ainda têm dificuldade de entrar de cabeça no impacto.
“Tem que ser muito resiliente nesse mercado, essa é a grande verdade. Estou no mundo da filantropia há muitos anos. A gente está educando o ouvido desse investidor. Ainda há muito preconceito da mistura de filantropia com negócio”, diz Rapoport.
“Está faltando a confiança dos nossos clientes de colocar capital nesses fundos e a gente não gostaria de iniciar uma distribuição sem capacidade de ser grande nisso. Ainda estamos testando as águas, avaliando, conversando.”
Enquanto aprende, o BTG quer ficar à frente e se manter próximo das startups de impacto já no nascedouro e vem fazendo mentorias, com aconselhamento para empreendedores sobre como dar tração ao negócio.
“O fato é que as grandes empresas do futuro que vão ser invejadas e alvo de investidores são aquelas que conseguem aliar capital humano e obtenção de lucro, mas lucro sustentável, cujo objeto faz de fato a diferença”, diz Rapoport. “Eu acredito muito que, daqui a 10 anos, como banco de investimento e fomentador de capital, você estará fora do jogo se não estiver inserido nessa cultura [de negócios de impacto]”.