
Depois de perder os principais membros dos países ricos, a aliança global pela descarbonização dos bancos anunciou a suspensão de suas atividades e uma votação para decidir seu futuro.
A Net-Zero Banking Alliance (NZBA) foi lançada há cinco anos na COP26 como parte de um esforço para alinhar as finanças mundiais com os objetivos do Acordo de Paris e reduzir progressivamente o crédito para atividades poluidoras.
Mas a vitória de Donald Trump na eleição do ano passado precipitou uma debandada dos bancos dos Estados Unidos, que já vinham sofrendo ataques de políticos de extrema-direita.
A saída de instituições europeias, japonesas e australianas agravaram a crise do clube climático.
Os integrantes remanescentes, incluindo Bradesco e Itaú Unibanco, vão decidir se a NZBA vai se tornar um órgão consultivo, sem membros formais. O resultado da votação deverá ser divulgado no final de setembro.
O Bradesco afirmou em nota ao Reset que seu “compromisso com a agenda climática permanece firme. Seguimos atuando como agentes da transição para uma economia de baixo carbono, apoiando nossos clientes na adaptação de seus negócios”.
O Itaú Unibanco disse que acompanha as mudanças na coalizão. “A agenda climática é estratégica tanto na gestão de riscos como na geração de oportunidades, e [o banco] mantém seu compromisso de atingir o net zero até 2050”, disse também em nota.
Silêncio estratégico?
Qualquer que seja o destino da aliança, ela parece ser vítima de um fenômeno batizado de “greenhushing”, algo como “ficar na moita”. Em vez de conviver com o risco de ataques de políticos que negam a crise do clima – Trump já a classificou de “farsa” –, empresas e instituições financeiras optam por seguir fazendo o trabalho sem chamar a atenção.
A maioria dos bancos americanos que deixaram a NZBA afirmou que os compromissos de descarbonização estão mantidos. “Continuaremos a trabalhar com nossos clientes em suas transições para uma economia de baixo carbono, ao mesmo tempo em que ajudamos a garantir a segurança energética”, disse o Citi, que ao lado do BofA foi um dos fundadores da aliança.
Lançada em 2021, a aliança bancária reúne membros que se comprometem a adotar políticas de financiamento que priorizem a descarbonização das operações de seus clientes.
Inicialmente a participação no grupo exigia compromisso com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Em abril, depois da saída dos americanos e da pressão dos europeus, a exigência foi suavizada para “bem abaixo de 2°C”, também parte do Acordo de Paris.
Nos dez anos desde Paris, bancos no mundo todo destinaram quase US$ 6,4 trilhões para o setor de petróleo, gás e carvão em títulos e empréstimos. Em contrapartida, projetos verdes receberam cerca de US$ 4,3 trilhões, conforme dados compilados pela Bloomberg.
Futuro incerto
A própria existência da aliança climática dos bancos está em jogo. O resultado da votação que pode transformá-la num órgão consultivo deve ser divulgado no final de setembro.
Em nota, a Net-Zero Banking Alliance informou que acredita em um novo modelo para continuar apoiando bancos em todo o mundo a “permanecerem resilientes e acelerarem a transição para a economia real, em linha com o Acordo de Paris”.
O modelo proposto também facilitará o “envolvimento contínuo com o setor bancário global para desenvolver mais orientações e ferramentas necessárias para apoiá-los e a seus clientes”, segue a nota.
Esta não é a primeira vez que uma coalizão financeira repensa sua estrutura devido a uma debandada dos integrantes. No final de 2024, a Net Zero Insurance Alliance (NZIA), se dissolveu após uma série de abandonos, incluindo as gigantes Allianz, Lloyds, Axa e Sompo.
Como a sua irmã dos bancos, a NZIA fazia parte da Glasgow Financial Alliance for Net Zero (Gfanz), um guarda-chuva com oito coalizões do setor financeiro focadas em atingir a neutralidade de emissões de gases estufa até 2050. A iniciativa foi lançada por Mark Carney, hoje primeiro-ministro do Canadá, e conta com o apoio da ONU.
O net zero e a COP30
O futuro da coalizão dos bancos está sendo decidido ao mesmo tempo em que o Brasil quer usar a COP30, em Belém, como início de uma grande mobilização global pelo clima.
Ainda não foram divulgados detalhes do que será na prática esse ”mutirão”, como definido pelo presidente da conferência, o embaixador André Corrêa do Lago. Mas esse esforço não é parte das negociações oficiais da COP – eles fazem parte da chamada Agenda de Ação.
Esse termo se refere às iniciativas que tentam aproximar o “resto do mundo” do que é decidido nas conferências por governos nacionais. Só países são partes formais das COPs.
O Gfanz é um exemplo de tentativa de envolver o setor financeiro – e também das dificuldades enfrentadas por organizações deste tipo. Os participantes aderem de forma voluntária, sem obrigações regulatórias ou penalidades para quem não cumpre o prometido.
Mas o ambiente político mudou nos cinco anos desde o lançamento do Gfanz. Várias instituições financeiras estão sendo processadas por Estados americanos controlados pelo Partido Republicano por supostamente colocar suas agendas climáticas à frente de seus deveres fiduciários ou por violar leis de defesa da concorrência.
Os efeitos da polarização extrema dos Estados Unidos chegaram à Europa. Depois do êxodo dos americanos, os europeus HSBC, Barclays e UBS também optaram por sair da aliança bancária, alegando que a NZBA perdeu atratividade como fórum global para intercâmbio de ideias, segundo a Bloomberg.