Europa faz acordo histórico com imposto de carbono sobre importação

Parlamento chega a acordo preliminar sobre mecanismos – e faz pressão pela adoção de mercados regulados de CO2 fora do bloco

Trabalhador diante de caldeira em usina siderúrgica
Trabalhador diante de caldeira em usina siderúrgica
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A Europa chegou a um acordo preliminar sobre como vai funcionar o imposto sobre carbono que vai incidir sobre alguns produtos importados – uma mudança sísmica para o comércio internacional e que deve ser alvo de discussões sobre protecionismo, especialmente para países menos desenvolvidos. 

Já considerado há décadas, o chamado CBAM (sigla em inglês para mecanismo de ajuste de fronteira para o carbono) foi anunciado no ano passado, como parte de um pacote de medidas para cortar as emissões de gases de efeito estufa da União Europeia em 55% até 2030. 

Mas ainda faltavam detalhes de como o mecanismo ia funcionar. 

De acordo com comunicado divulgado hoje pelo Parlamento Europeu, o hidrogênio também foi incluído entre os produtos alvos da taxação num primeiro momento, além de aço, ferro, cimento, fertilizantes e eletricidade.

Emissões de carbono indiretas também vão ser consideradas “em certas condições” e alguns produtos derivados, como parafusos, porcas e similares feitos de aço, serão cobertos pela medida. 

Ela passa a valer de forma faseada a partir de outubro de 2023, numa primeira fase em que será necessário apenas o reporte das emissões dos produtos vindos de fora do país por parte dos importadores. 

Ainda não está claro como será feita a contabilização da pegada de carbono dos produtos.

Mas, na prática, a ideia é que importador deverá declarar as emissões indiretas e diretamente vinculadas ao processo de produção e, caso estas superem o limite europeu, precisarão comprar um “certificado de emissão” com os preços do CO2 na UE. 

Em um segundo momento, podem ser incluídos outras mercadorias, incluindo polímeros. Uma revisão completa no mecanismo está prevista para 2027.

Incentivo à precificação de carbono

O que está claro pela lei é que a Europa quer incentivar outros países do mundo a adotar mecanismos de precificação de carbono e evitar que a produção dentro do bloco migre para locais com regras climáticas menos estritas.  

Por meio do mais longevo mercado de carbono regulado do mundo, que opera desde 2005, a União Europeia já taxa os produtores domésticos dos setores mais intensivos em carbono. 

Eles estão sujeitos ao sistema de comércio de emissões: podem emitir carbono até um certo limite e, acima disso, têm que comprar permissões no mercado de outros integrantes que emitiram menos. O preço de carbono dentro do mercado europeu está em cerca de € 80 por tonelada de carbono equivalente que vai para a atmosfera. (Entenda como funcionam os mercados de carbono.)

O chamado ‘imposto de fronteira’ é uma forma de tentar igualar as condições de competitividade para os produtos importados. 

“É uma mensagem forte para o resto do mundo e eu não posso imaginar outras regiões que não vão seguir um mecanismo similar”, disse Mohammed Chahim, negociador líder do parlamento para a medida em entrevista coletiva. 

“No fim do dia, se nós nos tornarmos neutros em clima e outras regiões não nos seguirem no compromisso para o meio do século, o Acordo de Paris está cada vez mais e mais distante de ser plausível.”

A medida ainda precisa passar pelo endosso dos ministros de governos nacionais e de todo o parlamento para entrar em vigor. 

Mas antes, a reforma 

Além disso, a entrada em vigor do CBAM depende de uma outra reforma, no próprio mercado de carbono europeu. 

Hoje, alguns setores regulados ganham parte das permissões de emissão de forma gratuita, como forma de compensar a perda da competitividade para produtos importados. Uma reforma já em estudo quer corrigir essa assimetria para só então acomodar o imposto de fronteira. 

Legisladores devem se reunir na sexta-feira e no sábado para tratar do tema. A reunião também deve decidir como tratar os exportadores cobertos pelo sistema de comércio de emissões europeu, cuja competitividade pode estar em risco quando deles vendem para países sem precificação de carbono.

“Precisamos ter um mecanismo, ainda mais no contexto do IRA”, disse Canfin, fazendo alusão ao Inflaction Reduction Act, o pacote de US$ 370 bilhões em incentivos para a economia verde nos Estados Unidos

O pacotão de Biden virou alvo de tensão comercial, com os europeus temendo perder fábricas e empregos diante dos subsídios para produção em território americano.

De forma paralela, as duas economias vem discutindo a formação de um consórcio internacional para comprar aço e alumínio produzidos com baixa intensidade de carbono e taxar de forma conjunta compras de países com padrões ambientais menos rígidos. 

Impactos setoriais

Um estudo realizado pela consultoria Deloitte no ano passado, na época da divulgação do plano Fit for 55, aponta que os principais afetados por um imposto de fronteira da União Europeia deverão ser países como China, Ucrânia, Turquia e Rússia. 

Esses dois últimos são grandes opositores das taxas e devem fazer um lobby ferrenho para defender os interesses financeiros de suas exportações. 

Para o Brasil, a princípio, o principal impacto deve ser sentido na indústria do aço. 

As exportações do setor siderúrgico cobertas pela medida representaram, no caso brasileiro, US$ 524,8 milhões para a UE em 2019, ou 10,4% das exportações totais do país dessas mercadorias (ainda que nem todos os itens de exportação sejam cobertos pela medida.)