Num momento em que o tema de investimento de impacto ainda era desconhecido de boa parte do mainstream e a maior parte das estratégias se concentrava em venture capital, Eric Rice decidiu sonhar grande: queria desenvolver uma forma para garimpar negócios voltados a resolver problemas sociais e ambientais listados em bolsa. Ou melhor, nas bolsas. Do mundo todo.
O ano era 2015 e após muito trabalho, Rice, então na Wellington Management Company — uma grande gestora de Boston, com US$ 1 tri sob administração –, chegou finalmente a uma carteira de 60 papéis listados que não se parecia com nada que existia. Era uma carteira diversificada, numa época em que os poucos fundos de impacto de empresas listadas eram focados principalmente em energia renovável.
Um ano atrás, a BlackRock bateu à sua porta e ofereceu a oportunidade de escalar a estratégia. Rice e mais duas pessoas da sua equipe fizeram as malas e partiram para a maior gestora de fundos do mundo.
“Era a chance de levar o impacto a uma escala muito maior. Para mim, pessoalmente, o objetivo é mover bilhões, ou quem sabe trilhões, para investimentos sustentáveis”, diz Rice. Hoje, a estratégia tem cerca de US$ 200 milhões sob gestão.
A partir do mês que vem, ela estará disponível para investidores brasileiros na prateleira da XP Investimentos com o nome BlackRock Global Impact Advisory, com tíquete mínimo de R$ 5 mil.
Trata-se do primeiro produto de investimento de impacto da plataforma, que desde meados do ano passou a oferecer algumas opções de fundos que incorporam critérios ESG.
(Tecla SAP: os critérios ESG visam o ‘do no harm’, ou seja, pode ser incorporada a qualquer empresa ou setor para ter boas práticas em relação a todos os stakeholders e ao meio ambiente e não só os acionistas. Já o investimento de impacto procura negócios que ativamente querem resolver problemas sociais ou ambientais.)
“Estávamos procurando algo especial para começar a distribuir produtos de impacto. Estamos preparando um pipeline robusto e inovador de investimentos de impacto, não apenas de produtos internacionais, mas também no mercado local”, diz Marta Pinheiro, diretora ESG da XP.
O fundo da XP será espelho do fundo BlackRock Global Impact Fund, lançado em março deste ano, quando os mercados globais estavam no fundo do poço por conta da pandemia. Do lançamento até agora, a carteira rendeu cerca de 50%, ante 30% do MSCI All Country World Index, o índice de ações globais que serve de referência para o fundo.
Carteira atípica
PhD em Economia por Harvard, Rice tem uma trajetória atípica para o mercado financeiro, mas que ajuda e explicar seu interesse pelo mundo do impacto. Ele foi um diplomata americano em Ruanda e depois trabalhou no Banco Mundial como economista em países como México e Zimbábue.
“Era um tempo em que, quando se pensava no que fazer para ajudar o mundo, o caminho era trabalhar numa instituição sem fins lucrativos ou para o governo. Não existia investimento de impacto”, diz ele.
Quando montou a estratégia de impacto baseada em empresas listadas, o objetivo era democratizar o acesso ao universo de investimentos de impacto, até então restrito a quem tivesse alguns milhões para imobilizar por dez anos num venture capital. Além disso, Rice queria oferecer uma fonte de capital mais paciente para os negócios de impacto que cresciam e já não eram atendidos pelo mercado de capitais privado.
Se, por um lado, a oferta de capital para empresas desse porte costuma ser abundante, por outro, esse capital nem sempre é alinhado aos objetivos de longo prazo que estratégias mais focadas em impacto podem demandar. Nesse sentido, a equipe do fundo, formada por sete pessoas, tem uma postura bastante ativa e engajada com as companhias, diz Rice.
Esse mesma estratégia paciente visa maximizar o retorno na comparação com outros fundos globais de ações.
A carteira do Global Impact Fund tem uma composição como nenhuma outra. A maior posição da carteira, com 3,75%, é a Safaricom, a maior empresa de telecomunicações do Quênia e conhecida por ter criado o M-Pesa, um aplicativo de pagamento e transferência de dinheiro que promoveu uma enorme inclusão financeira no continente africano, com 40 milhões de usuários.
Há negócios jovens com soluções inovadoras ao lado de nomes mais conhecidos, como a canadense Brookfield Renewable, de energias limpas, a francesa Veolia, de gestão de águas e resíduos, e a americana Laureate, de educação.
Cerca de 20% da carteira é de negócios em países emergentes. Empresas com operações no Brasil, mas não necessariamente listadas na B3, são três: PagSeguro, de pagamento, Yduqs (antiga Estácio), de educação, e MercadoLibre, de comércio eletrônico. As informações da carteira são da Morningstar. Rice não pode comentar sobre ativos específicos.
Em geral, são empresas de US$ 6 bilhões de valor de mercado, em média, menores que as do benchmark, que giram em torno de US$ 10 bilhões.
Na peneira
Um estudo de caso de Harvard sobre o Wellington Global Impact, de 2017, detalha como a estratégia foi montada desde o princípio.
Tudo começou com uma grande e trabalhosa peneira global em ações listadas em bolsas do mundo todo em busca daquelas empresas que estivessem dentro dos temas de impacto escolhidos pela equipe: moradia acessível, saneamento, agricultura sustentável, nutrição, saúde, educação e treinamento, inclusão financeira, energias alternativas, eficiência energética e uso sustentável de recursos naturais.
Até hoje, a segunda etapa do processo é verificar se o negócio de impacto é material dentro do conjunto de atividades. A ideia é que ao menos 50% dos produtos e serviços da empresa sejam alinhados à tese do fundo.
“Se for uma empresa de educação para a elite que dedica um pequeno pedaço para a educação da população não atendida, não passa no nosso filtro”, diz
Outro ponto é a questão da adicionalidade. Os gestores querem saber se o produto ou serviço daquela empresa poderiam ser oferecidos por outros competidores ou se são uma solução única, que transforma o cenário do mercado.
Em 2015, as três avaliações levaram a um universo de 350 empresas. Hoje o leque é maior, de cerca de 700 companhias.
Só depois dessas três fases do funil que os analistas partem para a parte mais business-as-usual do mercado, de buscar ativos com alto potencial de valorização.
“Há teses que o mercado não está entendendo e essas são as nossas oportunidades de investimento”, aponta, Rice, que é chefe da área de investimento de impacto em ações com gestão ativa na BlackRock.
Versão brasileira
Na XP, o fundo será para investidores qualificados, aqueles com mais de R$ 1 milhão em investimentos, com tíquete de entrada de R$ 5 mil. Haverá dois veículos: um em dólar, para o investidor que quiser ficar com exposição cambial na carteira, e outro em reais, com um instrumento de hedge acoplado.
Fabiano Cintra, responsável por fundos internacionais na XP, explica que hoje esse hedge não vai ter custo para o investidor, porque o diferencial entre as taxas de juro brasileira e americana é suficiente para cobrir o custo, mas o fundo pode ser onerado se o spread entre os juros encolher no futuro.
A taxa de administração dos dois fundos será de 1,65%, sem taxa de performance.
Rice diz que anualmente os investidores receberão um relatório não só do retorno financeiro, mas do impacto gerado por cada uma das empresas do portfólio.
A ideia na XP não é só atender a demanda existente por esse tipo de produto, que foi identificada numa pesquisa realizada em agosto com clientes, mas também educar os investidores institucionais e de varejo e criar uma demanda nova.
“Aos poucos estamos vendo que os institucionais estão incorporando ESG e impacto e, no futuro, a demanda tende a ser muito maior do que hoje”, diz Cintra.