O que deu errado na VirtusPay, investida da Vox

Startup que usa cartões de pessoas físicas para oferecer crédito para baixa renda não honra pagamentos desde junho

O que deu errado na VirtusPay, investida da Vox
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A grande ressaca do mundo das startups e dos fundos de venture capital bateu no universo dos investimentos de impacto.

Desde o fim de junho, a fintech VirtusPay tem deixado um rastro de calote no mercado. A empresa parou de pagar donos de cartões de crédito que cediam seus limites não utilizados à empresa. Há uma enxurrada de reclamações nas redes sociais da empresa e no site Reclame Aqui. 

A Vox Capital, que investia na companhia desde 2019, vendeu sua participação à própria startup pelo valor simbólico de R$ 1 poucas semanas antes de a fintech começar a falhar em seus pagamentos. A Kviv, da família Klein, dona das Casas Bahia, saiu em condições semelhantes.

A história foi noticiada ontem pelo jornal O Estado de São Paulo. 

Um grupo do Telegram de pessoas lesadas pela VirtusPay criado nos últimos dias já reúne 800 integrantes e uma planilha que circula ali, com dados de somente 160 dessas pessoas, aponta um calote total de quase R$ 8 milhões. Há quem informe ter perdido apenas R$ 250, mas há pessoas que dizem ter sido lesadas em R$ 100 mil, R$ 200 mil e até R$ 600 mil.

Fundada em 2018, a startup opera concedendo parcelamento de compras online via boleto a quem não tem cartão de crédito ou dispõe de limite muito baixo. Seus clientes sempre foram pessoas de baixa renda, sem acesso a crédito, o que atraiu a Vox Capital, que tem a inclusão financeira como uma das suas teses de investimento. 

Na outra ponta, sua principal fonte para captar recursos, até aqui, era justamente esse ‘empréstimo’ de limites de cartão de crédito.

Funcionava assim: uma pessoa que tinha limite de crédito ocioso procurava a VirtusPay, que então realizava uma operação como se fosse uma venda a essa pessoa no cartão. De posse dos recebíveis de cartão, a Virtus procurava bancos para descontá-los e obter crédito bancário a um custo relativamente baixo para fazer frente aos empréstimos que concede. 

Antes do vencimento das faturas, a VirtusPay depositava os valores na conta dos donos dos cartões de crédito e a vida seguia. O principal atrativo para quem cedia o limite era o recebimento de milhas. Isso fez com que a VirtusPay fosse indicada por diversos ‘influencers de milhas’ como um bom meio de acelerar o acúmulo de pontos para transformar em viagens de avião.

Outro benefício colhido pelos donos dos cartões era a ampliação dos limites de crédito por conta do relacionamento bancário ‘turbinado’. Alguns chegaram a receber plásticos na versão ‘black’ sem anuidade por conta disso.

As coisas desandaram, aparentemente, quando a VirtusPay começou a registrar taxas mais elevadas de inadimplência em seus boletos, ao mesmo tempo em que secou o dinheiro fácil disponível para novas rodadas de captação de startups de alto crescimento.

De acordo com o advogado Pedro Henrique Romanelli Sampaio, que representa uma das pessoas que deixou de ser paga, a empresa tem dito aos clientes que pretende regularizar os pagamentos até o dia 15, sexta-feira. “As pessoas estão na esperança de receber e, por enquanto, ninguém resolveu processar a empresa.” Segundo ele, por conta dos altos valores envolvidos, muitas pessoas entraram no crédito rotativo do cartão e agora estão arcando com juros altíssimos.

Procurado, o CEO da Virtus, Gustavo Câmara, disse que poderia falar com a reportagem apenas no fim da semana. Em nota, a empresa diz que “alguns pagamentos já começaram a ser efetuados e a expectativa é finalizar todo o processo até o final desta semana.” 

Segundo uma fonte, a empresa corre contra o relógio para fechar uma captação de recursos nesse prazo.

Liquidando a fatura

A Vox entrou no capital da VirtusPay em outubro de 2019, liderando um aporte total de R$ 6 milhões, que contou também com a participação da Kviv Ventures, da família Klein, das Casas Bahia. Em maio do ano passado a Vox participou de um follow-on da fintech com outro cheque de R$ 2 milhões.

Mas agora em junho a gestora resolveu dar por perdido o investimento milionário na íntegra e vendeu sua participação à própria startup pelo valor simbólico de R$ 1. A Kviv também saiu em condições semelhantes.

A startup estava no portfólio do fundo Vox Impact Investing II, um campeão de rentabilidade da gestora, que fez dinheiro em negócios que se mostraram certeiros, como Celcoin e Sanar. Em 2020, o fundo teve um retorno de 72%, o que o posicionou entre os 10% fundos de venture capital de maior retorno no mundo.

Em nota em seu site, a gestora atribui sua saída a problemas de governança. “A partir de meados de 2021, a VirtusPay deixou de fornecer documentos e informações suficientes para que tivéssemos uma visão clara do cumprimento de todas as regras de governança exigidas por nós.” 

Segundo uma pessoa próxima à gestora, um conselho de gestão no qual a Vox tinha assento teria sido extinto no começo do ano pela fintech, o que teria acendido uma luz de alerta. A gestora não quis comentar. 

Ainda na nota, a Vox diz que “apesar de não participarmos mais do projeto VirtusPay, entendemos a gravidade da situação e estamos ativamente pressionando a empresa para que honre o compromisso junto a todas as pessoas prejudicadas.”