O brasileiro na vanguarda da era do cimento verde

Marcelo de Oliveira é um dos líderes da Brimstone, startup americana que desenvolve um método para reduzir as emissões de CO2 das cimenteiras

Marcelo de Oliveira, vice-presidente de ciência de materiais da startup Brimstone
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O paraense Marcelo de Oliveira entrou para uma lista das 100 lideranças climáticas mais importantes no mundo dos negócios publicada pela revista Time no fim do ano passado. Mas, em terras brasileiras, pouca gente já ouviu falar dele.

Oliveira, de 43 anos, é o funcionário de número 1 e vice-presidente responsável pela área de ciência de materiais da startup americana Brimstone, fundada por dois ex-alunos da Caltech e que desenvolve um método inovador para reduzir as emissões de CO2 da fabricação de cimento.

“Definitivamente não é tão sexy quanto carro elétrico ou baterias”, diz ele.

A posição dele é essencial na empresa. O método desenvolvido pela Brimstone para descarbonizar a produção de cimento passa justamente pelo uso de uma nova matéria-prima.

“O simples fato de usar calcário gera 60% das emissões de uma cimenteira”, diz Oliveira. Trata-se de uma realidade química. Quando o material é aquecido junto com ingredientes a quase 1500°C, um dos subprodutos da reação química é o CO2, que é lançado na atmosfera.

Na forma de concreto, cimento é um dos sinônimos de desenvolvimento, como o aço. E, também como a liga metálica, trata-se de um material que gera muito carbono em sua fabricação.

A transformação do setor é crucial para que o mundo limite o aumento da temperatura global e evite as piores consequências da mudança do clima: as cimenteiras respondem por algo como 8% das emissões globais de gases de efeito estufa.

Oliveira e a Brimstone estão na vanguarda tecnológica do cimento verde. O motivo são as rochas calciossilicáticas, cujo exemplo mais conhecido é o basalto, diz Oliveira. Substituir o calcário por esses pedregulhos elimina a maior parte das emissões do processo convencional.

Esse novo insumo tem outras vantagens. A mistura do cimento também leva rejeitos da siderurgia e da queima de carvão mineral – ambos com pegadas significativas de carbono.

“Nosso processo gera óxido de magnésio, que naturalmente captura CO2. É por causa dessa combinação que chamamos nosso produto de ultra-low carbon, ou até carbono negativo, dependendo da fonte de energia.”

Segurança

A Brimstone conseguiu em meados do ano passado a primeira certificação da ASTM (American Society for Testing and Materials) para um cimento de baixo carbono.

Foi um marco importante, diz Oliveira. “Quem vai querer construir uma ponte ou um arranha-céus de 50 andares com cimento novo? Eu não faria nem minha garagem.”

A garantia de segurança é uma parte da história. Outra é conseguir produzir nos volumes que o mundo demanda. Em 2022, foram 4,1 bilhões de toneladas de cimento.

No caso da Brimstone, produzir numa escala que ajude a mexer o ponteiro significa encontrar a matéria-prima essencialmente em todo lugar.

Essa foi a primeira grande atribuição de Oliveira, geólogo de formação com uma carreira acadêmica que inclui dois pós-doutorados, um na França e outro no MIT (Massachusetts Institute of Technology).

Com base em um modelo desenvolvido por ele, uma equipe de geólogos foi a campo em busca da comprovação – no Brasil. “É um país enorme e muito diverso geologicamente. Seria muito mais fácil fazer aí do que nos Estados Unidos”, diz ele ao Reset de sua casa, em Boston.

Em um ano (2021, no auge da pandemia), os quatro geólogos encontraram sete depósitos de basalto. Na mineração tradicional, essa busca pode levar mais de uma década.

Escala

Com a tecnologia comprovada em laboratório e a disponibilidade de materiais estabelecida, o passo seguinte será caminhar para a produção em escala comercial.

As cimenteiras tradicionalmente são operações verticalizadas, que atuam desde a exploração da rocha à transformação final (alguns dos insumos usados em menor volume são comprados).

A companhia tem uma unidade de demonstração em sua sede, em Oakland, ao lado de San Francisco – Oliveira atravessa o país algumas vezes por mês quando trabalha presencialmente.

A primeira planta piloto, que está em fase de design, vai ficar em Reno, no Estado vizinho de Nevada. A Brimstone já procura um local para instalar a primeira unidade industrial.

Apesar da abundância de energia renovável e dos depósitos de basalto confirmados no Brasil, a planta deve ficar nos Estados Unidos. A companhia também não revela a capacidade pretendida para a primeira fábrica.

A ambição da startup é ser uma das líderes mundiais dessa nova indústria cimenteira, mas o caminho ainda é longo.

O fundo Breakthrough Energy Ventures, de Bill Gates, é sócio desde a rodada seed. No ano passado, a Brimstone conseguiu outros US$ 55 milhões em uma rodada de série A.

Oliveira afirma que nenhuma outra startup que se dedica ao cimento obteve financiamento dessa ordem de grandeza. Mas, diante das gigantes do setor, o bolo fica bem menor.

Globalmente, o mercado movimenta algo como US$ 340 bilhões por ano. A chinesa CNBM, maior do mundo, deve produzir mais de 500 milhões de toneladas este ano.

E cimento é um negócio que exige ampla cobertura geográfica. “Custa barato e não viaja longe”, diz Oliveira.

Ambição global

Esse é um desafio para as pretensões da Brimstone, mas também representa uma potencial vantagem. Sistemas de captura e armazenamento de carbono custam caríssimo, e o produto pode não comportar o inevitável aumento de preço.

Existem outras alternativas para reduzir a pegada climática do setor. A Votorantim Cimentos, sétima maior produtora do mundo, usa caroços de açaí como parte do mix de combustíveis para aquecer suas fornalhas.

Mas a meta da brasileira, que recebeu o prestigioso selo de aprovação SBTi, é cortar 24,8% das emissões diretas.

Oliveira afirma que, com a tecnologia da Brimstone, a redução é muito maior (a porcentagem depende da fonte energética). Com o ganho de escala, custo será “competitivo” com o produto convencional, de acordo com a companhia, e também há a expectativa de que haja um “prêmio verde” associado ao baixo carbono.

Usinas de cimento atuais precisariam de pouca adaptação para utilizar o método da startup, e o licenciamento da tecnologia não está descartado. São 11 patentes depositadas, duas outras devem ser apresentadas nos próximos meses.

Mas Oliveira afirma que o plano é outro, pelo menos por enquanto. “A gente está tentando se tornar, em algum ponto, a maior cimenteira do mundo.”