Para levar mais longe seu sistema de letramento de crianças e adolescentes com uso de inteligência artificial, a startup de educação Letrus acaba de fechar uma rodada de captação de R$ 36 milhões.
A operação foi liderada por duas gestoras de venture capital, a brasileira Crescera Capital e a americana Owl Ventures, referência em tecnologia na educação.
O aporte também reuniu a Altitude Ventures, da Península, o family office de Abilio Diniz; as fundações Lemann e VélezReyez+, ambas focadas em educação; o BID Labs, braço de inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e investidores-anjo.
Os valores individuais dos cheques não foram divulgados, mas variam de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões entre os investidores principais.
Um terço dos R$ 36 milhões deve ser investido em marketing para produção de conhecimento e para buscar uma aproximação maior com as escolas, diz o CEO da startup, Thiago Rached.
“Trabalhamos com uma causa, o letramento, que tem pouco conteúdo relevante produzido”, afirma ele. “Além disso, é importante levar conhecimento para o público que queremos alcançar, como secretarias de educação, redes privadas e escolas, por meio de eventos para falar de letramento, de tecnologia.”
Também haverá desenvolvimento de novos produtos e novas funcionalidades.
Letramento é diferente de alfabetização. Ser alfabetizado é saber reconhecer e reproduzir as palavras. Mas a compreensão de texto e a comunicação efetiva só vêm com o letramento. E, no Brasil, pesquisas indicam que quase 90% das pessoas não são plenamente letradas.
O sistema da Letrus, que já foi premiado pela Unesco, usa a IA para avaliar, corrigir e sugerir melhorias nos textos dos alunos.
Hoje, o sistema atende 680 escolas e 80% do faturamento vem da rede privada e 20%, da rede pública – mais especificamente do governo do Espírito Santo, com quem a startup começou a rodar um contrato no ano passado.
Para a expansão em 2024, há negociações com grupos educacionais privados e pelo menos três governos estaduais. A ideia, segundo Rached, não é focar em um setor em detrimento do outro.
Mudança de rota
Desde a fundação, o total de capital levantado pela Letrus chega a R$ 60 milhões e entre os investidores de rodadas anteriores estavam gestoras como Potencia, Positive e Canary.
A nova captação acontece num mercado de venture capital ainda reticente. Embora concluída com sucesso, a captação não aconteceu sem dificuldades.
Numa primeira tentativa frustrada de levantar recursos no começo de 2022, a empresa tinha adotado um discurso mais agressivo, de crescimento rápido e possibilidade de ampliar as fronteiras para fora do Brasil – projeto que não foi abandonado, mas que não é a prioridade imediata da empresa.
O plano fez água e a empresa reviu o posicionamento. “Não estávamos precisando de caixa. Fizemos um plano mais realista.”
A empresa pretende atingir seu break-even no ano que vem, de acordo com Rached e, para ele, a mescla de contratos públicos e privados foi relevante para o sucesso da rodada atual de captação.
“Se tivéssemos trabalhado apenas com rede privada com o discurso de que apenas lá na frente começaríamos a tomar risco e negociar com governos, nunca teríamos atraído o perfil de investidores de impacto que conseguimos”, diz.
Com mais musculatura, a startup também conseguiu mudar sua relação com instituições como a Fundação Lemann, que passou de doadora a investidora.
“O cheque deles agora é muito maior e, com isso, a relação também se torna muito mais prioritária. Faz sentido para eles ter uma relação conosco que não é pontual de curto prazo, mas uma relação de longo prazo.”
IA para resolver um problema crônico
A partir da experiência de um dos cofundadores, Luís Junqueira, nas salas de aula, a Letrus nasceu em 2015 para tentar resolver de forma tecnológica um problema crônico do Brasil: a dificuldade na interpretação de texto.
Em um tempo que o ChatGPT sequer existia, a startup já aplicava inteligência artificial, o que era visto à época com bastante desconfiança no ambiente escolar, recorda Rached.
Com a utilização da IA, o sistema reduz a carga de trabalho dos professores e libera tempo deles para auxiliar os estudantes em suas dificuldades de forma mais individualizada.
“O olhar do educador tem de ser para analisar [o desempenho dos estudantes], e não estar voltado para quantas redações corrigir num fim de semana”, afirma Rached.
O sistema da startup foi validado pedagogicamente pelo J-Pal, laboratório de combate à pobreza do MIT, coordenado por dois professores que ganharam o Nobel de Economia em 2019: Abhijit Banerjee e Esther Duflo.
Com a ferramenta de análise de escrita já testada e aprovada, a Letrus passou a abarcar mais recentemente também a qualificação do processo de leitura dos estudantes, como forma de complementar todo o processo. A ideia é fortalecer essa ferramenta no ano que vem.
“Da mesma forma que avaliamos o texto, também conseguimos dar uma experiência de leitura e identificar padrões desse processo, seja pelo perfil de navegação e interação com o texto, seja pelas respostas com base em perguntas sobre o texto lido”, explica Rached.