Maior produtora de celulose a partir de eucalipto do mundo, a Suzano acaba de entrar no mercado têxtil, numa aposta de que ao menos parte da solução para o problema ambiental associado à indústria da moda pode estar crescendo em árvores.
No seu primeiro investimento industrial fora do Brasil, a companhia vai construir uma fábrica de fibra têxtil feita a partir de celulose na Finlândia, em parceria com a startup local Spinnova, marcando o amadurecimento de uma tecnologia disruptiva que começou a ser desenvolvida há mais de uma década.
A Suzano é sócia da Spinnova desde 2017 e tem 23% do capital.
A nova fibra não leva produtos químicos nocivos ao ambiente no processo de fabricação, consome 99% menos água que o algodão e não resulta em microplásticos. Além disso, na fase piloto, mostrou que pode ser circular: ou seja, após o uso, tem potencial para ser reaproveitada como matéria-prima de volta no processo.
“Esse é um dos nossos maiores objetivos para o futuro”, afirma o fundador da Spinnova, Janne Poranen.
Cada uma das empresas terá 50% da nova fábrica, que deve começar a operar em 2022, e será responsável por metade do investimento de US$ 22 milhões para colocá-la de pé.
A Suzano ainda não abre expectativas de volume de produção, mas diz que a vontade é ser um player “relevante no mercado”.
“Tem muito desafio pela frente, mas queremos ter grandes linhas de produção, eventualmente até plantas de fibra têxtil acopladas a nossas plantas de celulose no Brasil”, diz o diretor de novos negócios da Suzano, Vinícius Nonino.
A indústria têxtil tem grande impacto sobre o meio-ambiente. Responde por 8% a 10% das emissões de gases de efeito estufa e, por conta do uso intensivo de produtos químicos, é responsável por 20% da poluição de água, de acordo com dados do Banco Mundial.
Das cerca de 100 milhões de toneladas de fibras têxteis produzidas anualmente, quase 70% são tecidos sintéticos, feitos a partir de petróleo.
O algodão, por sua vez, que responde por 26%, é uma cultura que tem sede — muita sede. Estima-se que, para produzir uma camiseta de algodão, são necessários 2700 litros de água. É o equivalente ao que uma pessoa bebe em dois anos e meio.
Da mesma forma, a celulose já é utilizada na indústria têxtil para fabricar a viscose, que responde por 7% do mercado total. Mas, nesse caso, o processo ainda é químico: a matéria-prima é uma celulose especial chamada ‘dissolving pulp’, que, como o próprio nome sugere, exige o uso de solventes para virar tecido.
Árvore em pó
Um dos segredos da nova fibra da Spinnova está em três letrinhas: MFC, a sigla em inglês para celulose microfibrilada, que é reduzida a dimensões nanométricas por um processo totalmente mecânico.
A startup desenvolveu uma tecnologia que possibilita obtenção de fibra têxtil a partir da MFC — e a Suzano passou os últimos quatro anos desenvolvendo uma MFC com a qualidade e as especificações necessárias para entrar no processo produtivo da Spinnova, garantindo a matéria-prima.
“Na prática, a celulose usada para fazer o papel ou a fibra têxtil é a mesma. O processo que acontece depois é que é diferente. Para produzir a MFC específica tem um grande caminho tecnológico”, afirma Fernando Bertolucci, diretor de tecnologia e inovação da Suzano.
A Spinnova trabalha também em tecnologias para produzir fibra têxtil a partir de resíduos agrícolas, como palha de milho e estopa de algodão. Mas toda a produção a partir da celulose, onde por ora estão apostadas as maiores fichas, feita será em parceria com a Suzano. “O fato de termos a Suzano como parceira é importante porque ela pode prover matéria-prima em qualquer volume”, diz Poranen, da Spinnova.
A Suzano vem desenvolvendo diversas linhas de pesquisa para o uso de celulose microfibrilada, mas esse é o primeiro deles que se transformou em grandes investimentos. Há desenvolvimentos em papéis, tintas, resinas e até o mercado de cosméticos.
Da teia da aranha
A tecnologia desenvolvida pela Spinnova teve inspiração da própria natureza: e se fosse possível produzir tecidos da mesma forma que uma aranha constrói sua teia?
Foi esse o insight que o pesquisador de celulose, Juha Samela, um dos fundadores da startup, teve em 2009 ao se deparar com a palestra de um especialista em aracnídeos que comparava as similaridades entre a proteína da teia de aranha e da nanocelulose.
Onze anos depois, o resultado é um produto que se assemelha à lã de ovelha — e que é parecido ao toque com outros tecidos naturais, como o linho.
Com uma planta piloto operando desde 2018, a Spinnova já fez parcerias para desenvolvimento de produtos com empresas de moda como a dinamarquesa Bestseller, a finlandesa Marimekko e a norueguesa Bergans.
Em paralelo ao anúncio da primeira fábrica, a gigante H&M, presente em mais de 70 países, juntou-se à lista de parceiros, em meio aos esforços para aumentar a circularidade dos seus produtos.
“Tem uma demanda cada vez maior dos consumidores e das empresas por produtos mais sustentáveis”, diz Nonino, da Suzano, que aposta no potencial do tecido como mistura com outros produtos, como o próprio algodão, para diminuir a pegada ecológica.
Numa fase ainda inicial, os custos atuais de produção não servem de parâmetro, diz ele, mas a tendência é que sejam diluídos conforme a produção ganhe escala.
A Suzano já tem o menor custo de produção de celulose do mundo. “Se a gente é mais competitivo no crescimento de árvores, a gente vai ser mais competitivo em MFC também”, ressalta Bertolucci.