Poliuretano é um nome complicado para algo bastante comum no nosso dia a dia. Ao deitar para dormir, ele está presente na espuma do travesseiro e do colchão. Ao sentar no banco do carro ou na cadeira do escritório, lá está ele no estofamento. Ao pegar uma cerveja na geladeira, ele é o responsável pelo isolamento térmico.
Solado do calçado, esponja de lavar louças e pranchas de surf também levam esse componente. “O poliuretano é um dos polímeros mais versáteis que existem no mundo, tem mais de 2 mil aplicações possíveis”, conta Jesse Mella, CEO da Leaf, startup brasileira que desenvolveu uma alternativa de origem vegetal.
Um dos componentes químicos para a fabricação da espuma de poliuretano é o poliol, uma resina tradicionalmente feita a partir do petróleo. Além das emissões de gases de efeito estufa em sua produção, essas espumas demoram centenas de anos para se degradar e vão se acumulando nos aterros sanitários e no meio ambiente.
“Hoje, 98% das resinas disponíveis no mercado são feitas a partir de derivados do óleo de petróleo. Muito se fala de soluções sustentáveis para papel e plástico, mas o poliuretano acabou ficando de lado”, diz Mella.
A empresa acaba de lançar seu primeiro produto para o mercado de conforto, junto com a Colchões Castor: um travesseiro cuja espuma é fabricada com o poliol vegetal da Leaf. A startup passou um ano e meio desenvolvendo a solução para a espuma usada em produtos de conforto e bem estar. O investimento foi de R$ 2 milhões, segundo Mella.
Biopoliol
Visualmente, a produção da espuma de poliuretano lembra um pão no forno. O poliol é misturado com um reagente, o que faz o material crescer.
O poliol da Leaf é feito a partir de uma tecnologia patenteada e usa óleos vegetais. Segundo Mella, podem ser usados diversos tipos, como óleo de mamona, girassol, algodão, entre outros.
A startup, porém, utiliza óleos de grãos que não fazem parte da cadeia de alimentação brasileira. Isso faz parte das políticas de ESG da companhia, que é signatária do Pacto Global, iniciativa empresarial da ONU cujos ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) orientam não trabalhar com matérias primas da cadeia básica alimentar da população.
Segundo a Leaf, seu poliol tem pegada de carbono negativa, ou seja, retira CO2 do meio ambiente. A startup contratou a consultoria ACV Brasil, especializada em indicadores de sustentabilidade, para fazer um estudo da pegada de carbono na produção de seu poliol, desde o cultivo da matéria prima até a entrega do produto.
Certificado pela empresa francesa de inspeção, verificação e testes Société Générale de Surveillance (SGS), o estudo mostra que, a cada tonelada do poliol vegetal produzido pela startup, são retirados do meio ambiente 730 quilos de CO2 equivalente.
Já no caso do insumo tradicional, 1 tonelada de poliol emite 3,9 toneladas CO2 equivalente na atmosfera.
Segundo Mella, o custo do poliol vegetal é, em média, entre 5% e 10% maior do que o do produto fóssil. “Nosso poliol é mais caro, mas tem ganhos na produção que compensam no custo final para o cliente, sai na mesma faixa de preço do produto tradicional”, diz o CEO.
Break even à vista
A Leaf nasceu em 2020 a partir do encontro de um engenheiro e um químico com décadas de experiência industrial. O produto começou a ser desenvolvido a partir de um capital anjo de R$ 1,5 milhão, e a produção com um capital semente de US$ 30 milhões vindo de family offices.
A projeção de receita para este ano é de US$ 4 milhões e para 2025 de US$ 10 milhões, quando a startup espera atingir o break even. “Estamos no processo de escalar”, diz Mella.
A capacidade de produção atual é de 14,4 mil toneladas de poliol por ano, com previsão de expandir para 36 mil toneladas anuais em 2025.
O crescimento é acelerado, mas a versão verde do poliuretano ainda corresponde a um erro de arredondamento diante do mercado do produto de origem fóssil.
O faturamento do mercado mundial de poliuretano é estimado em US$ 83 bilhões em 2024, segundo a empresa de dados Mordor Intelligence. Mella observa que 60% do dinheiro circula na Europa e nos Estados Unidos. O mercado de maior crescimento é o da Ásia.
“Nos próximos dois anos, nossa expectativa é de que mais de 80% do nosso volume seja para exportação. Isso porque o Brasil é um mercado promissor, mas ele representa 5% do mercado global”, diz o executivo.
A startup abriu neste ano um escritório comercial na Espanha e outro nos Estados Unidos. A produção, no entanto, acontece toda no Brasil. O laboratório de pesquisa e desenvolvimento fica em Itajaí (SC), onde a empresa nasceu em 2020, e tem duas fábricas de produção em São Paulo, uma em Guarulhos e outra em Vinhedo.
Segundo relatório recente da Mordor, a crescente demanda por espumas leves e de alto desempenho da indústria automotiva e da construção civil são os principais fatores impulsionadores do crescimento desse mercado.
E avalia que poliuretano de base vegetal é uma nova oportunidade para o setor. Multinacionais do segmento já têm em suas prateleiras poliol de base vegetal (feitos principalmente de óleo de soja). São os casos das americanas Cargill e Emery e da italiana Coim.
A Leaf tem polióis desenvolvidos para aplicações nos setores de construção civil (isolamento térmico e acústico para paredes, telhados e pisos), automotiva (assentos, painéis e componentes internos e partes estruturais), embalagens (proteção de produtos frágeis durante o transporte), conforto (colchões, almofadas e mobiliário), cadeia de frio (refrigeração e conservação de alimentos e medicamentos).
Para 2025, estão na agenda de lançamento seus novos polióis para aplicação em outros setores, como elastômeros, adesivos e tintas.
“Existe uma ideia de que para usar um produto verde é preciso que a indústria mude sua linha de produção, seus processos. Não precisa, o produto Leaf é um produto verde, muito versátil, plug and play”, diz o CEO da startup.
*Reportagem atualizada às 10h06 para corrigir a projeção de receita informada pela empresa