OPINIÃO: O 'S' sob ataque

Profissionais esgotados, modelo de trabalho mal projetado e tensão com o capital ameaçam vetor social da agenda ESG

Mulher de cabeça baixa, em frente a computador.
A A
A A

Meio deselegante dizer logo de saída, mas temos hoje uma força de trabalho à beira do burnout ou já clinicamente esgotada. Há uma esperteza na praça que consiste em culpar a pandemia e o home office forçado pela situação. Não é o que os dados dizem. 

A empresa de pesquisas de mercado Ipsos publicou em agosto de 2021 uma enquete feita para o Fórum Econômico Mundial com 12.500 trabalhadores de 29 países. Foi, provavelmente, o primeiro levantamento do gênero a rechear o óbvio com números. Mostrou: 

  1. que a maioria queria manter a flexibilidade no trabalho vivenciada durante a pandemia; 
  2. que as pessoas lidam melhor com o trabalho em casa, com um horário de trabalho flexível, do que alguns temiam antes da crise de saúde pública; 
  3. que apenas um terço se queixava de esgotamento então.

A pandemia desafiou uma série de previsões negativas sobre os efeitos do trabalho remoto. Especialistas alertaram que as pessoas sentiriam falta de seus colegas de trabalho, seriam menos produtivas e ficariam esgotadas. 

Contudo, profissionais ouvidos em pesquisas de opinião enquanto ainda estavam em casa disseram que eram mais produtivos com um horário de trabalho flexível. E que os empregadores deveriam permitir esse tal trabalho mais flexível.

Empresas não gostam da ideia e alegam preocupação com a ressaca do teletrabalho. Que preocupa mesmo, ainda que por motivos diferentes dos alegados. 

Um dos efeitos colaterais da migração para o trabalho remoto foi o aumento do número de reuniões para compensar a falta de integração social. Neste caso, o desgaste, não raro, deriva do mau gerenciamento da experiência digital para colaboração. 

No final, a maratona de videochamadas que as lideranças acreditavam ser necessária esgotava a energia emocional e cognitiva de todos os envolvidos.

A força de trabalho está cansada. Até 61% dos profissionais dos EUA sentem que estão esgotados a qualquer momento no trabalho – e quem se sente tenso ou estressado durante a jornada tem três vezes mais chances de procurar emprego em outro lugar. 

Quem não estiver prestando atenção ao bem-estar dos funcionários, corre o risco iminente de perder produtividade pelo esgotamento do desempenho individual e pelas altas taxas de demissão.

O nível de esgotamento de hoje é o resultado de um problema pré-existente que se tornou exponencialmente pior. Não é preciso estar exausto para estar esgotado. A repetição de dias parecidos, que não parecem levar a lugar algum, está por trás de uma condição batizada de definhamento. 

Se querem evitar este tipo de esgotamento, as empresas precisam adotar o mote “trabalhar melhor, não mais duro”. Precisam de uma campanha de marketing interno notificando e incentivando os funcionários a utilizarem flexibilidades e vantagens específicas que forem criadas. 

“Executivos que pensam que o desgaste de funcionários está diminuindo – ou está limitado a setores específicos – estão equivocados”, escreveram recentemente quatro autores de um artigo para a Mckinsey Quarterly, não exatamente uma publicação comunista.

Neste nível microeconômico, os prejuízos para a agenda de “Pessoas” das organizações de um modelo de trabalho mal projetado durante e imediatamente após a pandemia ainda são motivo de considerável controvérsia. Já os riscos de esgarçamento dos tecidos macroeconômico e social são quase consensuais. 

O recrudescimento das tensões entre capital e trabalho, num contexto que finalmente tem a cara do século 21, se dá em consonância com uma cadeia de eventos “desglobalizantes” que vai do Brexit à Guerra da Ucrânia. 

Tanto do portão para dentro como do portão para fora, o “S” da agenda ESG está sob ataque. É hora de se tratar a sério de mitigar os riscos de uma debacle social, desafio que começa na empresa.

O trabalho remoto não é vilão. A volta forçada ao presencial é míope. O modelo híbrido, tal como adotado hoje, é medíocre e deve ser melhorado. A rota atual de engajamento cadente e esgotamento crescente é suicida. 

Em O Dia Depois de Amanhã, defendo uma abordagem baseada no que chamo de Design de Experiências de Trabalho. Como se sabe, design de experiências é um conceito muito usado em serviços e no varejo. 

Num restaurante, por exemplo, é pensar na experiência que você vai ter desde o momento em que deixa o carro no manobrista até o cafezinho no final, incluindo o serviço, a música, as bebidas e, claro, a comida. 

O que proponho no livro é que se use essa abordagem no trabalho, no contexto do desafio de se desenvolver um novo modelo híbrido que faça mais sentido para as pessoas.

No que chamo de Híbrido 1.0, que é o que temos hoje, as empresas se limitam a determinar se os funcionários terão de ir ao escritório duas ou três vezes por semana, podendo trabalhar de modo remoto nos outros dias. 

Como essa definição é arbitrária, todas as pesquisas têm mostrado profissionais incomodados por ir ao escritório desnecessariamente, sem encontrar as pessoas que precisariam ou gostariam de encontrar, muitas vezes passando os dias em videoconferências que poderiam fazer de casa. 

Proponho, então, que cada liderança, de cada equipe, cuide do design das experiências de trabalho das pessoas do seu time. De modo que cada um sempre saiba por que está indo ao escritório. Idealmente, não se deve obrigar as pessoas a fazerem presencialmente o que podem fazer remotamente tão bem ou melhor.

Simples, ainda que trabalhoso. Não é bala de prata, mas pode fazer a diferença.

* Alexandre Teixeira é jornalista e escritor, autor de cinco livros sobre trabalho, entre eles “O Dia Depois de Amanhã”, um lançamento Arquipélago Negócios