COLUNA - ALEXANDRE TEIXEIRA

O (falso) dilema entre IA e preservação de empregos

Times híbridos talvez sejam a resposta para nossos tempos, mas recrutar gente capaz de fazer dobradinhas com máquinas inteligentes é desafio

Times híbridos pessoa-máquina talvez sejam a resposta para o (falso) dilema entre IA e preservação de empregos
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Um ano atrás, as previsões de desafios para os RHs em 2023 soavam como exercícios em ficção científica – reflexo do hype desmedido que contaminara as conversas sobre tecnologia em 2022, em torno do metaverso. Gastou-se um tempo precioso discutindo gestão de talentos em ambientes virtuais. Agora, com o metaverso vagamente lembrado como uma cortina de fumaça lançada pela Meta para desviar as atenções de seus problemas legais por conta do uso indevido de dados e leniência com fake news e discurso de ódio, a pauta é a inteligência artificial generativa.

Com um ano recém-completado, o ChatGPT virou a página das discussões hi-tech – e as trouxe do futuro incerto para o presente complexo. Se o ceticismo era louvável no caso do metaverso, a ordem agora é: acredite no hype! 

Boa parte das inovações esperadas para 2024 e além vai girar em torno de adicionar uma camada de inteligência artificial a processos até hoje executados “manualmente” – como a escrita deste texto ou a produção de uma imagem para ilustrá-lo.

Isto vale para os processos voltados para fora: acelerar e baratear a criação, o desenvolvimento e a entrega de conteúdo, produtos e serviços para cliente. E para os processos internos, incluindo a gestão de recursos humanos. 

Já há no mercado uma infinidade de ferramentas de RH que prometem empregar IA para automatizar os processos internos e gerir os dados de funcionários.

Muito mais difícil é encontrar profissionais de RH com conhecimento técnico e de negócios para avaliar os aplicativos, escolher os mais adequados àquela empresa em especial, desenhar uma arquitetura de sistemas híbridos (automatizados, mas amigáveis à gestão humana) e mantê-los atualizados. Encontrar e/ou desenvolver gente capaz de fazer isso é um belo desafio para 2024.

Atividades de RH, incluindo a crescente utilização de People Analytics para embasar decisões referentes a recrutamento, promoções e alocação de profissionais, são simples o bastante para que se possa automatizá-las parcial ou inteiramente. Mas isso seria desejável? E, ainda que venha a ser no futuro, que parâmetros usaremos para calibrar nossos robôs gestores de pessoas?

As respostas dependerão do modelo mental de quem toma decisões na companhia. Serão mais fáceis para quem tem como norte a busca de eficiência e o corte de despesas a qualquer preço.

Se o investimento na tecnologia de automação se pagar num horizonte de tempo razoável com a redução do “head count”, troca-se gente por algoritmos literalmente sem pensar duas vezes.

Uma organização mais, digamos, centrada nas pessoas terá de considerar a complexidade de objetivos eventualmente conflitantes – mas passíveis de alinhamento. Exemplo: aumentar a produtividade (mais entregas com o mesmo grupo ou menos gente) ou preservar empregos?

Este pode ou não ser um dilema, a depender de como você enxerga a entrada das máquinas no mundo do trabalho. 

O grão-mestre Garry Kasparov entrou para a história duas vezes. Como enxadrista quase imbatível, várias vezes campeão do mundo. E como o humano derrotado pelo Deep Blue, numa primeira afirmação, em escala global, da IA como algo para se levar a sério.

O azerbaijano conta que chegou a acreditar que humanos se tornariam irrelevantes no xadrez, até descobrir os campeonatos freestyle, uma espécie de vale-tudo em que se enfrentam pessoas, computadores e times formados por gente e máquina. Desde que a modalidade foi criada, são essas equipes mistas que dominam o jogo. 

Traga essa experiência para o escritório e tenha uma iluminação: times híbridos pessoa-máquina talvez sejam a resposta ideal para o (falso?) dilema Automação vs. Preservação de Empregos. Se forem, atenção, dinheiro e poder deverão migrar imediatamente para a área de Aprendizagem, Treinamento e Desenvolvimento.

Recrutar e empoderar gente capaz de fazer dobradinhas com máquinas inteligentes é outro desafio para 2024 e além. 

E máquinas inteligentes, por sinal, estão no centro de outro debate crítico de nossos tempos, sobre diversidade e inclusão nas empresas. Ferramentas síncronas e assíncronas para recrutamento às cegas, criadas para que quem faz a seleção não saiba cor e gênero das pessoas candidatas, convivem com denúncias de viés racial e de gênero em outros aplicativos de RH. Isso nos traz de volta ao desafio de atrair e reter gente letrada o bastante em tecnologia para filtrar a oferta de ferramentas e escolher o que faz sentido para a organização.

Com um adendo. Para incluir diversidade e inclusão nesta equação, tais profissionais precisam também de letramento racial e de gênero para entender, por exemplo, que o recrutamento às cegas pode já não ser suficiente se a ideia não é ser apenas neutro, mas ativamente antirracista e sexista, e deliberadamente selecionar mais mulheres e pessoas negras para posições abertas.

Esta é só a ponta visível de uma abordagem que põe o RH na vanguarda do ESG e do impacto social nas organizações. 

Quando essas agendas são encampadas pelo marketing, o processo se dá de fora para dentro. Busca-se uma causa nobre para a empresa apoiar (não raro apartada de seu negócio), engendram-se ações de patrocínio e promove-se a comunicação, inclusive para o público interno. Se der certo, as boas ações puxam a companhia por uma rota mais sustentável.

Com o RH na liderança, o movimento se inverte. A transformação acontece de dentro para fora.

As empresas estão descobrindo que muitos de seus funcionários e candidatos a emprego também dão prioridade à sustentabilidade e ao impacto social. Essas pessoas estão procurando empregadores que não sejam apenas inovadores, mas que tenham a intenção de causar um impacto positivo no mundo. “Esta tendência coloca os departamentos de recursos humanos na vanguarda da comunicação das perspectivas dos funcionários sobre a sustentabilidade aos empregadores e vice-versa”, enfatiza um relatório da consultoria em liderança Egon Zehnder.

A jornada é dura, mas positivamente desafiadora. Ou você prefere gerir talentos no metaverso?