OPINIÃO

O ESG está morto, longa vida ao ESG

Só declarações e princípios ficaram no passado; a sustentabilidade agora também é pragmática e um elemento de competitividade – para quem estiver atento

O ESG está morto, longa vida ao ESG
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E então, o ESG acabou?

Sim e não. O ESG que muitos conhecemos, de disclosures, declarações e princípios,  acabou. Foi um caminho necessário, mas insuficiente. Precisamos de outro ESG, que não seja somente outro nome ou uma nova sigla.

“Morte ao ESG, vida longa à ESG” não é um título inventado por mim. É de um artigo de Lindsay Hooper, CEO do Instituto de Liderança em Sustentabilidade da Universidade de Cambridge, publicado no Financial Times em setembro do ano passado. O texto reflete sobre “onde foi que erramos” e advoga que é hora de uma revisão profunda na abordagem de sustentabilidade, o que ela chama de “sustentabilidade competitiva”.

Em vez de se colocar o “pensamento de sustentabilidade no negócio”, deve-se “colocar pensamento de negócio em sustentabilidade”, superando de uma vez por todas a tensão entre lucratividade e sustentabilidade. Uma promessa há muito feita pela sustentabilidade, mas pouco entregue até agora. Outros termos, como “sustentabilidade racional”, do professor Alex Edmans, da London Business School, vão na mesma direção.

Independentemente do nome, ambos concordam que, se até hoje o ESG foi um vetor externo, andando ao largo do negócio, é hora de ele pular para dentro das decisões, como um vetor interno de competitividade. Se para isso tivermos de encontrar um novo nome, que assim seja.

O mercado se repete

Mas e o mercado? Ele não quer mais ESG, quer? Não sei se é um atributo da idade, mas tem sido cada vez mais fácil ler e antecipar o comportamento dos mercados. Isso vale para o assunto ESG.

Primeiro, sabemos que os mercados se movimentam em ciclos. Ao olharmos tanto o ápice da onda ESG até 2023 quanto os ventos contrários que agora se abatem sobre o tema, fica claro que ambos são movimentos exacerbados. Nem a onda “tudo é ESG” ficou, nem a onda “nada é ESG” vai durar.

Segundo, sabemos que o mercado é competente para analisar riscos de curto prazo, mas bem falho quando se trata de avaliar riscos sistêmicos e de longo prazo.

Em 1996, Alan Greenspan cunhou o termo “exuberância irracional”. Conta-se que o mercado, fazendo piada,  espalhou adesivos pelo Vale do Silício com dizeres “Eu quero ser irracionalmente exuberante de novo”. Uma década depois dos alertas, a bolha exuberante estourava no colo dos investidores. Entendendo que o mercado não se regularia sozinho, surgiram regras duríssimas como Volcker, Dodd-Frank, Basileia 3 etc. Só que tarde demais.

Com os riscos ambientais, também sistêmicos e de longo prazo, não está sendo diferente. Há muita timidez nas políticas de governo, alertas aqui e ali, mercado dando as costas e o risco aumentando.

Já se vão 18 anos do Relatório Stern, que vinculou os impactos econômicos da mudança climática (relatório que foi atualizado em 2023), e 5 anos da carta bipartidária de economistas renomados americanos publicada no WSJ pedindo ação governamental contra a mudança climática. Desde então, o consenso parece ter se dissipado.

Escrevo este artigo na semana em que Donald  Trump toma posse, um desvio de rota relevante na jornada de sustentabilidade que me remete àqueles anos das negações jocosas dos adesivos do Silicon Valley. Parafraseando Greenspan, estamos assistindo a uma “irresponsabilidade exuberante” em relação à resiliência do planeta.  Não me surpreenderia se surgissem adesivos com dizeres como “Eu quero ser de novo exuberantemente irresponsável”.

Mas, em suma, estou bem pouco impressionada com os ventos contrários. Eles mudarão de novo. E vão se estabilizar num lugar mais sereno e pragmático.

A lógica econômica se impõe

Notem que chamei a posse de Trump como desvio de rota. Queiram os políticos ou não, os riscos climáticos não vão desaparecer e terão que ser enfrentados. A lógica econômica prevalece sempre, os erros cobram seus preços mais à frente e induzem a ação.

Só que a lógica econômica vale para ambos os lados.

Se o grupo dos “anti-ESG” ignora os riscos de longo prazo, a turma “pró-ESG” por vezes esquece a lógica econômica de curto prazo. É ingenuidade imaginar que o capital e os acionistas aceitarão viver numa economia só de “princípios”, descolada da realidade.

A parte final desse artigo é sobre isso: como a lógica do mercado pode trabalhar a favor da sustentabilidade.

“ESG de preços”

Se a primeira fase foi o que chamei de “ESG de disclosures e princípios”, a próxima fase, que Hooper chama de sustentabilidade competitiva, eu batizaria de “ESG de preços”. Para avançar, os mercados precisam de um choque de precificação dos riscos, das oportunidades e do capital – incluindo o natural.

Para precificar, o grande desafio é o gap entre longo e curto prazo, pois clima e biodiversidade são bens públicos intergeracionais que são entregues no longo prazo, mas precisam ser garantidos com ações no curto.

Há pelo menos duas formas de fechar esse gap:

  • Acelerar a precificação dos custos e os riscos. O agente mais competente para induzir a aceleração dessa precificação é o governo. Seja via exigências de alocação de capital bancário, subsídios, penalizações (imposto de carbono, por exemplo) seja via custos claros de regulação antigreenwashing.

    Como a Europa é um continente em que os ventos de ESG ainda sopram com força com cerca  de 60% (6 trilhões de euros) do total investidos já sendo relacionados a sustentabilidade (artigos 8 e 9 SFDR, segundo dados da Morningstar relativos ao terceiro trimestre do ano passado) , a regulamentação já mudou. Novas regulamentações podem até  ser adiadas (CS3D) mas há pouca chance de retrocesso relevante.As empresas que exportam para a Europa já têm o custo concreto de carbon tax, da legislação anti-desmatamento etc. (veja meu artigo “Os risco do protecionismo do bem”). Para essas companhias, ESG não é um risco futuro, é presente e, se não está precificado, já deveria estar, ainda mais com o acordo UE-Mercosul à vista.

    Outros governos, como os do Reino Unido, do Brasil e de alguns países asiáticos, já estão dando passos sólidos na mesma direção e deverão se posicionar para ocupar o vácuo deixado pelos EUA. Nesse tópico, o mercado também tem seu papel. Para citar um, a estruturação de instrumentos comerciais de dívidas e de equity, muito além dos blended finance (os sustainability-linked bonds, por exemplo, vêm premiando o menor risco de sustentabilidade com média de 25 basis points (e que chega até 150 bp em alguns casos).
  • 2. Intensificar a precificação das oportunidades e de ativos naturais. Este item, é o que muitos da primeira geração de profissionais ESG quase perderam de vista. ESG não é só sobre risco e custo (vide o ponto 1, acima). Nem só sobre responsabilidade (fase anterior de ESG).

    É sobre oportunidade, geração de receita e de valor. Conselhos de administração e chief strategy officers devem quebrar a cabeça para buscar a sua vantagem competitiva e inovações mais disruptivas. Se preciso, desafiar profundamente os modelos de negócio tradicionais.

    Auditores e contadores devem avançar nas técnicas de valuation e contabilização da enormidade do capital natural. CFOs devem buscar mercados onde o funding sustentável é abundante (Europa, por exemplo). Isso exige conhecimento de ESG, mas muito de negócio e do mercado internacional de capitais. Exige capacidade de enxergar os ventos geopolíticos e políticos. De planejar longo. De convencer e investir no curto. Sejam países, sejam empresas.

Conclusão

Outra qualidade da maturidade é a serenidade. Como disse acima, vejo esse momento como o mais promissor para empresas se reinventarem e buscarem alternativas viáveis e sustentáveis. Dobrarem a aposta, encontrarem sua vocação na nova economia sem o nervosismo anterior do mercado.

Quanto ao governo, minha mensagem é menos serena. O governo brasileiro precisa agir mais depressa do que nunca para ocupar seu lugar na rede de suprimentos da nova economia sustentável. Para isso, as inúmeras e necessárias intervenções de preço e políticas têm que vir a tempo de induzir as respostas corretas dos agentes privados.

E eu vi de perto o quanto a regulamentação europeia criou o mercado quase do zero, induziu mudanças de comportamento, de estratégias de investimento e conscientização em bem pouco tempo. Nada substitui uma política econômica bem feita. Os governos, incluindo o brasileiro,  têm que agir com o sentimento de urgência, como se já estivessem no pós-crise. Como se fosse um “Dodd-Frank antecipado de ESG”. Até porque, diferentemente de crises de ativos financeiros, que são reversíveis, os limites planetários não o são.

* Julieda Puig possui extensa experiência internacional no mercado financeiro, com ênfase em riscos, compliance e sustentabilidade. Foi head regional de conduta na Europa e head global de ESG e compliance no HSBC. Baseada em Londres, é conselheira consultiva da Lacan Ativos Florestais e sócia-sênior da BRBRIDGE. Foi secretária-adjunta de política econômica no governo FHC.

Imagem gerada por inteligência artificial