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A aguardada proposta do governo para a criação de um mercado regulado de carbono no Brasil foi anunciada esta semana. Depois de anos de expectativas frustradas, a sensação entre os observadores é que agora, finalmente, vai.
- As primeiras transações devem demorar um bom tempo para acontecer: a lei precisa ser aprovada e regulamentada e o órgãos responsáveis e mecanismos de mercado, formalmente criados.
- Todo o sistema vai se basear em toneladas de gases de efeito estufa, convertidos para um número equivalente de CO2.
- Algumas empresas estarão sujeitas a limites compulsórios; outras terão apenas de apresentar relatórios.
Mas a maioria dos negócios, agora ou mais tarde, terá de medir seu impacto climático. E isso se faz com software.
O diesel que abastece a frota de caminhões, o gás natural usado para aquecer a caldeira da fábrica ou o metano liberado numa estação de efluentes – todos esses dados terão de ser organizados e contados de forma precisa e íntegra.
Enquanto o Vale do Silício lida com enxugamentos e empresas fechando as portas, essa nova categoria de “contabilidade de carbono” está em rápida expansão.
O mercado desse tipo de software movimentou cerca de US$ 12,7 bilhões no ano passado e pode chegar a US$ 64,4 bi no final desta década, segundo estimativa da empresa de pesquisa Fortune Business Insight.
Dependendo do ponto de vista, esse número pode ser pequeno. Caso a pegada de carbono se transforme em um dos atributos fundamentais dos investimentos, como muitos esperam, haverá alguns de trilhões de dólares que precisarão ter suas emissões contabilizadas.
A motivação de quem já usa a tecnologia é variada. Em alguns casos, especialmente em indústrias pesadas e de altas emissões na Europa, trata-se de obrigação regulatória, como a que vem por aí no Brasil.
A explicação também pode ser a busca de eficiência. O dióxido de carbono lançado na atmosfera pode ser sinal de energia desperdiçada. “O que não se mede não se controla”, como diz o chavão do mundo dos negócios.
Brasil em destaque
Brasileiros aqui e no exterior ocupam lugar de destaque nessa intersecção entre clima e tecnologia digital.
A consultoria climática WayCarbon, adquirida no ano passado pelo Santander, lançou em 2015 a primeira versão de seu software Climas.
Hoje, a ferramenta faz parte da rotina de quase 6.000 pessoas espalhadas por 40 países. A maior parte dos clientes são empresas brasileiras, e muitas delas têm operações no exterior.
Um dos usos primordiais do software é reunir em um lugar só dados que antes ficavam espalhados em planilhas e documentos de Power Point, afirma Carla Leal, diretora da área digital da consultoria.
A lógica é parecida com a de um SAP ou Oracle, que reúne as informações mais essenciais do negócio para os tomadores de decisão. Mas, em vez de números de faturamento, medem-se emissões.
Na semana passada, a empresa apresentou um novo módulo do programa, que serve para acompanhar as metas de descarbonização.
“Sabemos que só olhar para o passado não é suficiente”, diz Leal. “O objetivo é integrar as emissões de carbono ao planejamento estratégico, aos objetivos de crescimento.”
A Sinai Technologies tem um olhar parecido. A brasileira Maria Fujihara, que fundou e comanda a startup do Vale do Silício, disse à minha colega Ilana Cardial que seu objetivo é levar as empresas à ação.
Essa é uma das diferenças das companhias independentes em relação a nomes como Microsoft, Salesforce e IBM. Essas gigantes oferecem dentro de suas plataformas módulos próprios que fazem somente a medição de carbono, diz a CEO.
A Sinai já recebeu US$ 40 milhões de investidores de risco e tem clientes de reconhecimento global, como Siemens e ArcelorMittal, e também empresas líderes brasileiras com Natura e Boticário.
A concorrência é grande.
- A Watershed, que como a Sinai tem sede em San Francisco, já recebeu US$ 139 milhões em capital de risco e tem entre seus investidores Kleiner Perkins e Sequoia Capital, dois dos fundos de venture capital mais celebrados da Califórnia.
- A também americana Persefoni, do Arizona, anunciou uma rodada série C de US$ 50 milhões no começo deste mês, levando o total levantado a mais de US$ 150 milhões.
- A francesa Greenly (US$ 25,5 mi) e a Sustain.Life (de Nova York) são duas outras startups desse segmento.
Mas comprar software não resolve problema nenhum – pelo contrário, a implementação de sistemas complexos muitas vezes gera meses ou anos de dor de cabeça até que tudo esteja funcionando direito.
A própria contagem das emissões ainda vai evoluir. Hoje, muitos dos cálculos são extrapolações de informações financeiras: gastos com combustíveis são multiplicados por um fator de conversão para que se obtenha o CO2 lançado por uma frota de caminhões, por exemplo.
A expectativa é que esse tipo de dado seja cada vez mais colhido por sensores e depois analisado para que haja reduções de emissões mesmo antes do abandono dos combustíveis fósseis.
A medição das emissões que ocorrem além das portas da empresa – o chamado escopo 3 – é outro ponto que ainda tem muito a evoluir, tanto do ponto de vista das definições quanto da contabilização.
O regulador vem aí
Exigências regulatórias devem ajudar a dar clareza e também um empurrão necessário para o desenvolvimento da tecnologia.
A SEC, que regula o mercado de capitais americano, deve publicar nos próximos meses a regra que vai exigir das empresas de capital aberto divulgações detalhadas de seus impactos climáticos.
O padrão proposto pelo International Sustainability Standards Board (que já recebeu endossos de peso) e as metas de descarbonização alinhadas com a ciência também demandam um retrato fiel do CO2 associado a cada negócio.
Por fim, o impacto da tecnologia digital é dinâmico e imprevisível. Para ficar em apenas um exemplo: o comércio eletrônico é parte do nosso dia-a-dia e deu origem a empresas como a Amazon, mas o Walmart vai bem, obrigado.
Num paper recente sobre a contabilidade digital de carbono, o World Business Council for Sustainable Development vislumbra um sistema que se assemelha ao que existe hoje para as finanças.
“Dados de emissões reais e críveis serão passados de uma empresa para a outra ao longo da cadeia de valor, associados a produtos e serviços específicos, na forma de uma ‘nota fiscal’ de carbono”, diz o paper.
Não se sabe quando chegaremos lá, mas com certeza tudo vai passar por software.