Uma das explicações para o sucesso das fintechs no Brasil e no mundo é a obsessão com a simplicidade em todos os pontos de contato com o cliente. No Jeitto, uma startup que oferece crédito para clientes de baixa renda, descomplicar é uma das razões de ser da companhia.
Para obter o primeiro empréstimo, o cliente do Jeitto precisa apenas baixar o app e informar seu número de telefone e do CPF. Toda a análise é feita com base em dados extraídos do próprio smartphone (como padrões de uso do aparelho e aplicativos instalados).
“Não pedimos nem selfie”, diz Fernando Silva, um dos fundadores da companhia. “Em alguns casos a câmera é de má qualidade, e isso seria mais uma barreira de entrada.”
Com esse modelo baseado no que Silva chama de “dados alternativos”, o Jeitto já concedeu R$ 900 milhões em crédito em seus quatro anos de operação. (A carteira é de R$ 350 milhões, e os recursos são captados por um FIDC que tem como cotista somente um banco de médio porte.)
Os valores tomados nesse produto de entrada são tipicamente baixos, de R$ 60 a R$ 150 mensais. O dinheiro, dentro da companhia chamado de “fôlego”, ajuda clientes com renda mensal média de R$ 3.000 a fechar as contas do mês.
O limite desse “cheque especial” aumenta conforme o relacionamento vai se consolidando, até chegar a R$ 500.
A empresa cobra apenas uma tarifa fixa, de 15% sobre o valor tomado, na média. Não há cobrança de juros nem multas por atraso, diz Silva. A inadimplência também não é reportada a birôs de crédito.
Um dos princípios do negócio é ajudar os clientes a ter disciplina nos pagamentos, nas palavras do CEO.
“Enquanto o restante do mercado encara esse segmento de forma transacional, estou mais interessado no long time value (valor de longo prazo)”, afirma Silva.
Agora, com o fechamento de uma primeira rodada de investimentos, a ideia é ampliar os investimentos em tecnologia e na captação de clientes para executar a visão de transformar o Jeitto em uma empresa de serviços financeiros completos.
A startup recebeu um aporte de R$ 15 milhões da Rise Ventures, o primeiro da gestora de impacto destinado a uma fintech.
“Consideramos o crédito um dos pilares fundamentais da inclusão social. Sem crédito talvez você não consiga nem saúde nem educação, os outros dois pilares”, diz Pedro Vilela, CEO da Rise.
Entendendo a baixa renda
O Jeitto foi lançado há quatro anos, mas outros quatro já tinham sido dedicados anteriormente para entender o público-alvo e para desenvolver os modelos de análise de crédito.
Uma das constatações da startup foi a de que há dinheiro disponível para o perfil de renda de seu cliente típico – mas muitas vezes em condições longe das ideais.
“Muita gente acaba contratando um empréstimo de R$ 1.500, R$ 2.000 quando só precisa de R$ 150 ou R$ 200”, diz Silva. O restante do dinheiro acaba sendo usado para “indulgências” e, não raro, se transforma em inadimplência, agravando a vulnerabilidade financeira.
O valor médio do crédito utilizado no Jeitto é de R$ 155 mensais. O objetivo da empresa é estabelecer uma relação de confiança mútua com esses clientes “invisíveis” para o mercado e gradualmente oferecer outros serviços.
Um deles são empréstimos de até R$ 1.000 para despesas maiores, como a reforma de uma casa, por exemplo. Os clientes pré-qualificados recebem o aviso no próprio app.
Mas tudo começa com o “microcrédito” e com uma experiência que Silva teve quando trabalhou num projeto na Nigéria, há dez anos.
A concessão do crédito
No começo da década passada, Silva foi contratado por uma instituição financeira europeia para implementar um serviço de crédito pessoal na Nigéria.
Ele diz que encontrou um país com certas características muito parecidas com as brasileiras. Uma que lhe chamou atenção foi a dificuldade de obtenção de crédito por parte da classe média nigeriana.
“Eles têm um perfil de consumo muito parecido com o da baixa renda brasileira. E basicamente não existia crédito individual no país.”
Os smartphones ainda não tinham a penetração dos dias de hoje, e Silva foi em busca de informações junto às operadoras de telefonia do país. O Jeitto segue a mesma lógica, mas agora consegue extrair dados valiosos diretamente dos dispositivos (mediante autorização).
Silva afirma que 80% das suas decisões são tomadas somente com as informações colhidas no momento do cadastro. Nos 20% dos casos em que há dúvida, ele também utiliza dados de birô como Serasa.
“Aprovamos de duas vezes e meia a três vezes mais que a média do mercado”, afirma o CEO. A taxa de inadimplência fica entre 12% e 13%, dentro do esperado dada a situação da economia brasileira, diz Silva. Segundo ele, se houver menos maus pagadores o custo do dinheiro para os outros clientes vai baixar.
O mais importante, entretanto, é como a companhia lida com o assunto. “Nosso cliente em algum momento vai inadimplir, porque ele é vulnerável”, afirma Silva. “Se eu destruir a relação cada vez que isso acontecer, vou perder muita gente ao longo do caminho.”
Em vez de uma visão “tudo ou nada” em relação ao segmento de baixa renda, Silva afirma que a chave é entender os altos e baixos da vida financeira de seus clientes.
Cerca de metade deles tem renda mensal superior a três salários mínimos – mas são profissionais autônomos, cujas entradas flutuam de mês a mês. Na opinião de Silva, as ofertas da fintech sempre terão esse fator em conta.
Medindo o impacto
O Jeitto foi selecionado entre mais de 50 fintechs avaliadas pela Rise Ventures. “Dessas, chegamos a conversar com uns dez fundadores, mas o Jeitto foi a mais focada no cliente que encontramos”, afirma Pedro Vilela.
Com a ajuda do fundo, a startup quer agora entender com mais clareza o impacto positivo do crédito na vida de seus clientes.
Uma das linhas de investigação será mapear para que o dinheiro é utilizado, por exemplo.
O empréstimo para fechar o mês ainda deve ter papel importante, dada a crise econômica, mas Silva enxerga seguros e ou serviços de conta corrente no futuro.
Esses outros mercados são mais concorridos que os pequenos empréstimos que impulsionaram o Jeitto até aqui, mas Silva diz não estar preocupado.
Em primeiro lugar, afirma ele, o mercado é grande o bastante. Em segundo, a competição vai se dar na profundidade do relacionamento, afirma o fundador.
Quando cobram, financeiras e outras fintechs só querem recuperar a dívida, diz Silva. “Nós queremos recuperar o cliente.”