Se o novo coronavírus torna a agenda de sustentabilidade nos negócios mais atual do que nunca, também a coloca sob risco de esquecimento enquanto as lideranças se voltam para a contenção de danos. Mas não precisa ser assim.
O Reset conversou com o professor Heiko Spitzeck, da Fundação Dom Cabral, para entender como conciliar a sustentabilidade e os desafios de curto prazo impostos pela covid-19 e as principais tendências que emergem na seara socioambiental.
Há dez anos no país, ele é PhD em ética nos negócios, coordena o Núcleo de Sustentabilidade da FDC e construiu sua carreira ajudando executivos e empresas a integrar temas socioambientais à gestão dos negócios.
Já desenvolveu programas específicos para BASF, BNDES, Sicredi, Coca Cola, Tecnisa, Queiroz Galvão, BB Mapfre, Camargo Correa e Siemens, além de ter atuado junto a conselhos de administração em estratégias de sustentabilidade.
Seu primeiro conselho: até na hora de tomar as piores decisões na crise, há formas e formas de fazê-lo. E o caminho escolhido influenciará diretamente a reputação das empresas.
A entrevista está disponível no nosso canal no YouTube. A seguir, destacamos seis pontos principais da conversa:
A sustentabilidade tem lugar no comitê de crise?
“No comitê de crise, a sustentabilidade tem lugar na mesa? Ou é só o jurídico e financeiro? Na hora de tomar essas decisões mais duras, você tem esse equilíbrio na mesa ou não? No médio prazo, isso vai fazer toda a diferença na reputação das empresas”, provoca. “Entendo que há empresas que têm que tomar decisões drásticas, mas a pergunta é como você implementa isso, como comunica e como cria uma perspectiva sobretudo para os mais vulneráveis na sociedade”.
Como trazer a sustentabilidade para a agenda
Num país em que a maior parte das empresas ainda está engatinhando nos temas de sustentabilidade, como avançar nessa integração em meio à confusão provocada pela covid?
Heiko defende duas abordagens para empresa que estão operando em modo ‘sobrevivência’. A primeira, de curto prazo: “Sempre acho importante nesses momentos fazer uma lista de pré-requisitos. Em boa parte dessas empresas essa situação impõe o quê? Que não dá para usar caixa e que não é o momento para engajar a alta liderança nisso. Aí você, como executivo, pode rever seu portfólio de ações para ver o que se encaixa nesses pré-requisitos: o que eu posso fazer sem meu chefe, que vai agregar valor, sem usar caixa. E tocar isso”.
O mais importante, no entanto, é estabelecer, de forma objetiva, quando e como trazer o tema de volta ao planejamento dos negócios. “Vamos definir qual o momento oportuno para retomar a conversa depois que o coronavírus passar, quais os indicadores que mostram que agora é tempo de voltar e como recolocar isso na agenda, incluindo aspectos do que essa crise nos ensina em termos de sustentabilidade que pode agregar valor no futuro”.
Um ponto, diz, já está claro: “Vamos praticar mais home office. Reduz o trânsito, reduz emissões, reduz o estresse das pessoas fazendo esse deslocamento, pode reduzir o aluguel do espaço que você precisa para rodar a empresa. É bom para todo mundo”.
Pró-atividade versus reatividade
“Recomendo muito agora esse momento para refletir em que aspectos precisamos de mais proatividade e para quais cenários a gente precisa de preparar. Essas crises são recorrentes”, diz.
Ele cita um exemplo: em 2014, no meio da crise hídrica de São Paulo, a química Rhodia teve que interromper a produção porque o Rio Atibaia não tinha água suficiente para fazer o resfriamento das máquinas. Na contramão, a concorrente BASF, que tinha investido em eficiência hídrica 10 anos antes, passou incólume.
“O jeitinho imediatista de ‘vou resolver lá na frente, quando o problema aparecer’, cada vez vai funcionar menos e as empresas vão ter que fazer planejamento de cenários”, afirma. “As empresas que já tinham se preparado em algum grau para o trabalho remoto, por exemplo, saíram muito na frente nessa crise”.
Metas, metas, metas
“Passou da hora de falarmos sobre a remuneração de executivos. Cada vez mais você vê empresas assumindo compromissos públicos frente a metas de resíduos sólidos, reciclagem, redução de emissões etc… Mas, se ninguém é responsabilizado e tem essas metas vinculadas ao bônus, não vai acontecer muita coisa, porque acaba dependendo da motivação intrínseca. E existe motivação intrínseca, mas no conflito entre essa motivação e a meta para bater, vai ganhar a meta” .
Os efeitos do coronavírus também são uma oportunidade para as empresas finalmente assimilarem os impactos da mudança climática. “A crise do coronavírus chegou rápido, mas também estamos confrontando a crise das mudanças climáticas e do desmatamento. Para empresários e executivos que têm um pensamento sistêmico, essa é uma oportunidade de falar que essas coisas são conectadas e que precisamos trabalhar isso de maneira sistêmica. Se não conectamos isso com o bônus, ninguém vai conseguir administrar esses temas”.
O impacto da liderança feminina
“Li um artigo em alguma publicação internacional falando quais são os países que se saem melhor na crise do coronavírus, e — surpresa! — são normalmente países que têm mulheres liderando. Nova Zelândia é o melhor exemplo para isso”, diz. “[A liderança feminina] tem um olhar mais de cuidado com o outro e esse olhar precisa chegar nos conselhos de administração urgentemente”
Falta um ‘lobby do bem’ e uma filantropia mais estruturada
Numa análise preliminar, Heiko avalia que as grandes empresas têm reagido positivamente em relação aos impactos do coronavírus, com doações de kits de testes, máscaras e grandes mobilizações para a rede de saúde.
“O que eu senti falta de encontrar são exemplos onde empresas fazem um lobby colaborativo em prol de o governo adotar ações que protegem os mais vulneráveis, em particular as comunidades carentes no Brasil”, pontua.
“O tamanho do problema na comunidade e o impacto que isso vai ter com a duração da quarentena e de vidas afetadas justifica uma organização mais colaborativa entre empresas e o setor público. Estou torcendo para que aqui tenha coisas mais estruturadas do que doações pontuais”.
A crise abre ainda outra oportunidade: para que as empresas entendam como criar redes de colaboração e filantropia eficientes.
“Estou impressionado como coisas que a gente achava que em 10 anos iam funcionar de repente funcionam. Acho que uma parte da filantropia e do brain power das pessoas que trabalham com esse setor deveria ser direcionado a entender como aproveitar esses bons exemplos de agora para criar estruturas mais duradouras e confiáveis de colaboração”.