Caso você tenha se isolado numa ilha deserta, hoje foi o dia oficial de vender ações da Petrobras.
Tal qual a Vale no dia seguinte à tragédia em Brumadinho, os papéis caíram mais de 20% depois da carteirada do presidente da República, que decidiu trocar por um general o CEO da estatal, Roberto Castello Branco, que bateu o pé por reajustes de combustíveis de forma a acompanhar o mercado internacional.
Tal qual na Vale, a questão é até onde vai o mau humor com a companhia.
O mercado costuma ter memória curta, ou seletiva — especialmente quando as commodities estão em alta.
Apesar do corte generalizado dos preços-alvos e da grita do mercado, a ver pela reação dos analistas de sell side, o foco principal é na política de dividendos.
Contanto que a companhia mantenha uma certa disciplina de capital e a política de venda de ativos, a queda atual pode sair rapidamente de um problema pontual para uma ‘buy opportunity’. Especialmente num momento de petróleo em franca recuperação.
“Nosso cenário básico ainda é de que as mudanças não serão muito dramáticas, e estaremos prontos para mudar nossos números se as circunstâncias melhorarem ao longo dos próximos meses”, escreveram os analistas do BTG Pactual em relatório, depois de rebaixar a empresa de ‘compra’ para ‘neutra’ e reduzir o preço-alvo das PN para R$ 29. (Hoje, elas fecharam a R$ 22). Mensagem semelhante foi ecoada em relatórios de análise de outras casas.
O grande terror do mercado é que a carteirada de Bolsonaro seja apenas a ponta do iceberg de uma enxurrada de intervencionismo para tentar garantir a reeleição.
Mas as chances de o presidente “moderar” o discurso não são desprezíveis.
Sua estratégia de governo é operar via balões de ensaio: ameaça com grandes exclamações para depois voltar atrás em reticências — e assim vai emplacando retrocessos, movendo a linha que desenha os limites um pouco mais a seu favor, passo lento a passo lento.
O país (e nesse caso, o investidor) se engana achando que saiu no lucro já que “poderia ter sido muito pior”.
Se o governo não chegar a interferir efetivamente — ou não interferir “demais” — na política de preços, não significa que efetivamente não poderia tê-lo feito e que não vai tentar novamente, conforme bater o desespero.
A Lei das Estatais e as mudanças no estatuto e na gestão da companhia para tentar blindá-la da intervenção são avanços importantíssimos. Mas estão mostrando que têm seus limites práticos. Nesse sentido, a reunião de amanhã do conselho, que deve debater a indicação do general Joaquim Luna, será um teste de fogo.
Mas os próprios conselheiros já têm sinalizado que devem focar mais em tentar proteger a política de preços do que combater a mudança no principal posto da companhia.
No frigir dos ovos, a Petrobras é uma estatal. E, neste caso, se o ocupante do Palácio do Planalto nega até doença e vacina, por que não negaria o mercado?
No fim das contas, a pergunta é: apesar dos esforços, existe governança possível em estatal? Ainda mais quando a atividade dessa estatal é crucial para a formação de preços na economia? Há governança que resista à tentação de resolver riscos inflacionários — com desdobramentos eleitorais — com uma canetada?
Boa parte da esperança e da atenção do mercado está na manutenção do pacote de venda de oito de 13 refinarias. Sem acesso ao refino, o governo perde uma boa parte de sua capacidade de interferir no preço que chega às bombas, é verdade.
Mas, se tudo der muito certo, ainda restarão cinco — equivalentes a 50% da capacidade de refino do país — e as que forem a mercado passaram a valer substancialmente menos depois da verborragia de Bolsonaro.
Mais que a questão pontual, o fato é que, no Brasil, como se sabe, não existe política de Estado. Existe política de governo.
O UBS trouxe uma estatística aterradora: desde a fundação, em 1953, a Petrobras teve nada menos que 38 CEOs. Se efetivamente empossado, o general Joaquim Luna será o 39º. O prazo médio de mandato tem sido de um ano e oito meses.
“Ter mudanças no comando de maneira tão frequente em estratégia, cultura e direção pode minar a credibilidade com investidores de longo prazo, especialmente para uma companhia com 52 mil empregados diretos, um plano de investimento multibilionário e que é um player-chave na indústria local”, escreveu o analista do banco, Luiz Carvalho, em relatório.
Nem lá nem cá
Prova de que quase ninguém analisa a Petrobras no longo prazo está na sua (falta de) estratégia para uma economia de baixo carbono e a importância que os investidores têm dado a isso.
“A gente tem que acelerar e tirar o petróleo embaixo da terra antes que ele não valha mais nada e todo mundo saia perdendo”, resumiu o gerente-executivo de estratégia Rafael Chaves Santos em entrevista concedida ao Reset em setembro.
Numa empresa castigada por ingerência, populismo e corrupção, a verdade é que a preocupação com a transição energética sempre pareceu uma questão acessória e ficou em segundo plano. Mas está longe de ser.
Os grandes investidores têm olhado as ‘majors’ de petróleo sob dois prismas. Ou elas mostram como pretendem transicionar para um novo mundo em que a commodity se tornará obsoleta, por meio de uma estratégia clara para energias renováveis, ou elas precisam se tornar mais eficientes, gerar caixa e pagar (muitos) dividendos enquanto é tempo.
Sem uma estratégia clara para renováveis e agora com o caixa potencialmente ameaçado, a Petrobras não fica nem lá e nem cá — ‘uninvestable’, como pontuou o analista Roberto Attuch Jr, fundador e CEO da OHMRESEARCH.
Nesse sentido, com os países desenvolvidos cada vez mais focados em descarbonização e a perspectiva de carros plugados a tomadas em vez de bombas cada vez mais mainstream, até mesmo o dividendo que parecia certo corre o risco de se tornar a última gota bem antes do esperado.
Assim como a falta de governança, a ausência de um plano de transição energética é bola cantada. Num futuro não tão distante, não adiantará chorar sobre o petróleo derramado.