GOVERNANÇA

Pacto Global Brasil anuncia nova liderança após casos de assédio

Ex-Instituto Avon, Daniela Grelin será co-diretora-executiva ao lado de Guilherme Xavier

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Pacto Global Brasil anuncia nova liderança após casos de assédio

O Pacto Global da ONU no Brasil anunciou Daniela Grelin como a nova diretora-executiva da organização. Ela dividirá a liderança com Guilherme Xavier, que desde novembro ocupava o cargo de forma interina. 

Grelin foi diretora-executiva por oito anos do Instituto Avon, incorporado no ano passado pelo Instituto Natura após a fusão da operação das duas empresas no Brasil. Ambos os institutos são reconhecidos pela sua atuação na defesa dos direitos das mulheres. 

O anúncio foi feito na semana passada no Fórum Ambição 2030, evento promovido pelo Pacto Global, iniciativa das Nações Unidas para engajar empresas no desenvolvimento sustentável, com metas sociais e ambientais. 

“A contratação da Daniela Grelin é uma boa notícia, uma liderança ética e íntegra para implementar os princípios do Pacto Global”, avalia Tayná Leite, ex-gerente-executiva de direitos humanos e trabalho da organização. 

Leite foi uma das 12 pessoas que denunciaram por assédio moral Carlo Pereira e Otávio Toledo, respectivamente CEO e diretor de estratégia. Ambos negam as acusações e foram demitidos em novembro do ano passado após apuração interna da denúncia coletiva.

A organização muda, assim, sua configuração e passa a ter uma co-liderança no lugar do cargo de CEO. 

Guilherme Xavier assumiu o comando de forma interina no fim do ano passado para conduzir a transição até que a posição fosse preenchida, mas agora foi anunciado como co-diretor-executivo. 

Ex-sócio das consultorias Accenture e Oliver Wyman, Xavier conduziu o dia a dia da entidade enquanto corriam uma investigação interna do caso e outra do Ministério Público do Trabalho em São Paulo, onde a denúncia foi protocolada. O processo culminou com a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). 

Paralelamente, o Pacto abriu um processo de contratação para a vaga de diretoria executiva com uma vaga afirmativa – prática de recrutamento para promover a inclusão de grupos historicamente excluídos ou sub-representados. A entidade sofria críticas por promover a agenda de diversidade entre suas mais de 2 mil empresas signatárias no país, o que não se refletia na sua própria liderança. 

Diagnóstico 

O Ministério Público do Trabalho avaliou que houve falhas estruturais no mecanismo de apuração de denúncias. Em despacho de janeiro, o procurador relata que o canal de denúncias teria recebido, ao longo de meses, seis relatos de práticas de assédio moral do então diretor Otávio Toledo com sua equipe. Todas foram consideradas “improcedentes”.

“Nesse sentido, somente após ampla repercussão do caso e a contratação de escritório de advocacia externo é que se visualizou a existência de um padrão de conduta repetitivo claramente indicativo de assédio moral”, diz o procurador no documento. 

Ele também cita as conclusões da apuração independente realizada pelo escritório Machado Meyer, contratado pelo Pacto. O trabalho envolveu  oitivas das denunciantes – que tiveram suas identidades mantidas sob sigilo.

“O relatório de apuração independente (…) identificou que algumas das condutas atribuídas aos acusados destoariam dos valores e normas do Instituto. Entre as conclusões, destacaram-se comportamentos inadequados e omissões, especialmente por parte de Carlo Pereira, que, segundo a investigação, teria falhado em adotar medidas para coibir práticas inadequadas de Otávio Toledo”, diz o despacho. 

Mudanças 

Diante das denúncias, o Pacto Global contratou os escritórios Machado Meyer e Veirano Advogados para realizar uma revisão de suas políticas, procedimentos e ações de monitoramento de casos dessa natureza. 

“O Pacto Global – Rede Brasil esclarece que, antes mesmo de assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) em 15 de maio, já vinha tomando medidas com o objetivo de aprimorar sua governança interna”, afirma a organização em nota enviada ao Reset.

Uma das principais ações foi a implementação da área de compliance e a contratação de uma profissional sênior para gerenciá-la: Juliana Penelli, que tem mais de 20 anos de atuação na área. 

“Outras medidas já estão em andamento, como o cronograma para as ações anuais de capacitação e sensibilização sobre os temas de violência, assédio, comportamentos inadequados, diversidade, equidade e inclusão em todos os níveis hierárquicos e o aprimoramento do Canal de Denúncias”, diz o Pacto. 

Todas essas ações estão previstas no acordo assinado com o Ministério do Trabalho. Em caso de descumprimento, podem ser aplicadas multas de R$ 10 mil. 

“Com o devido respeito à atuação do Ministério Público do Trabalho, que mostrou-se disposto a enfrentar os desafios particulares do caso, entendemos que os termos do TAC firmado revelam-se excessivamente brandos diante da gravidade dos fatos apurados”, avalia as denunciantes, por meio de uma nota enviada pela advogada que representa o grupo. 

Na avaliação das denunciantes, o instrumento poderia ter previsto obrigações mais rigorosas, sanções mais severas e medidas efetivas de reparação “a fim de garantir a responsabilização adequada e a prevenção de novas violações”. 

Em ações como essa não cabe indenização às vítimas do caso, mas o MPT pode estabelecer multas a serem pagas pela empresa ou organização denunciada ao Fundo de Apoio ao Trabalhador (FAT), como uma forma de reparação coletiva. 

Segundo Leite, uma das denunciantes, a multa baixa não é suficiente para coibir possíveis eventos futuros e passa uma mensagem de impunidade. “Enquanto as vítimas seguem lidando sozinhas com as consequências desse assédio, os dois executivos seguem vivendo impunemente em altos cargos”, diz. Há relatos de adoecimento físico e mental, burnout, desemprego e retaliações. 

Carlo Pereira é atualmente CEO do Lide NY, entidade que promove eventos para empresários. Ele também é comentarista do canal de televisão CNBC, colunista do jornal Valor Econômico e co-fundador da GIN Capital, segundo seu perfil no Linkedin.  

*Atualizado às 10h08 para incluir a informação no quinto parágrafo de que os executivos negam as acusações.