Os bancos têm papel crucial para canalizar os recursos da sociedade para financiar uma economia com benefícios para as pessoas e o planeta. Enquanto cresce o movimento de instituições financeiras para incorporar filtros ESG a suas políticas de crédito, reguladores como o Banco Central brasileiro têm corrido para definir as novas regras desse jogo, especialmente no campo climático. O banco BV, antigo Votorantim, acaba de criar um novo modelo para tornar esse direcionamento mais assertivo.
Desde o segundo semestre do ano passado, o BV, controlado por Banco do Brasil e Grupo Votorantim, está rodando um rating ESG interno para calibrar seus R$ 25 bilhões em operações de crédito para empresas.
“Procuramos fugir de avaliar o mínimo, como se a empresa tem licença ambiental e se tem desmatamento ilegal”, diz Marcelo Sarkis, superintendente de riscos do BV. “E também fugir do clichê de olhar apenas questões setoriais, porque você pode ter empresas de setores que não são controversos, mas que não fazem um descarte adequado de resíduos ou não sabem nem o que é um inventário de emissões de carbono.”
Composta de 50 indicadores nos três pilares do ESG – ambiental, social e de governança – e que também contemplam aspectos especificamente climáticos, a nota tem papel decisivo na hora de emprestar ou não para uma empresa.
O novo score ESG responde por 15% do rating de crédito do cliente e isso quer dizer que ajuda a definir se o financiamento será ou não aprovado, qual o limite de crédito e a taxa de juro a ser paga.
“Independentemente da avaliação de crédito, o rating ESG pode, sozinho, bloquear uma operação. Se dermos uma nota baixa em algum dos pilares, podemos vetar a operação. Se o rating estiver em faixa crítica, podemos mudar a alçada de aprovação de crédito, chegando, no limite, até o conselho de administração”, diz Sarkis.
Além disso, um acompanhamento do risco ESG consolidado da carteira é reportado ao conselho mensalmente, podendo acender o sinal vermelho e ser gatilho para bloqueio de novas aprovações.
O que tem dentro da nota
Quando Sarkis diz que a nova ferramenta vai além do mínimo, ele se refere a outras experiências de mercado, mas também ao modelo que vigorava no próprio banco desde 2016.
Se antes, no pilar social, o banco se atinha a questões como a lista pública de trabalho escravo e a existência de processos administrativos ou judiciais em função de infrações trabalhistas, hoje o BV quer saber se a empresa está próxima de comunidades tradicionais, como se relaciona com as comunidades em que está inserida, qual a incidência de acidentes de trabalho e fatalidades entre os colaboradores e se existem programas de combate ao assédio moral e sexual, por exemplo.
Na esfera ambiental, o banco investiga como a empresa descarta seus resíduos, se gera poluição sonora, atmosférica, da água ou do solo; se tem um programa de logística reversa de embalagens e se atua para reduzir o consumo de água e energia, entre outros.
E foi criado todo um capítulo relacionado ao clima, que antes não existia. São avaliados indicadores como: quais os riscos climáticos físicos e de transição a que o negócio está exposto, se a empresa reporta seus riscos e oportunidades climáticas de acordo com o padrão do Taskforce on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), se faz o inventário de gases de efeito-estufa e se tem metas de redução dessas emissões.
O acompanhamento da governança das empresas também foi aprimorado. “Hoje existe muita confusão no mercado. A preocupação costuma ser se a empresa tem comitê de auditoria ou se existe um reporte de riscos ao conselho de administração. Mas esses fóruns avaliam questões ambientais e sociais? Se eles só avaliam balanço, a governança é apenas financeira e não de ESG”, diz Sarkis.
Limitações
Mesmo com esses avanços, o executivo reconhece que existe hoje uma importante limitação para a avaliação dos riscos ESG das empresas: a ausência de dados disponíveis e comparáveis.
Como nos rankings ESG hoje existentes, a análise acaba se valendo principalmente de informações declaradas pelas próprias companhias. O banco submete um questionário que contempla todos os 50 pontos pesquisados para compor a nota. As respostas alimentam um modelo estatístico desenvolvido pela área de risco do próprio banco para chegar ao rating.
“Existe um limitador estrutural de falta de dados. É uma fragilidade que encontra paralelo na fraude no crédito para pessoas físicas, quando o cliente declara alguma informação falsa. Mas, se houver um monitoramento constante, uma hora o problema aparece. Quanto mais bancos aprofundarem a análise, mais o cerco se fecha”, diz o executivo.
As salvaguardas usadas são o monitoramento de controvérsias reportadas na imprensa e o acompanhamento de processos judiciais.
O próprio sistema ainda tem limitações de granularidade e não chega a se aprofundar em alguns aspectos. Por exemplo, no quesito logística reversa o banco quer saber se a empresa cumpre com as metas da lei nacional de resíduos sólidos (se estiver nos setores afetados por ela) ou se tem um programa de logística reversa voluntário. Mas os pontos levados para a nota final são os mesmos para uma companhia que colete o mínimo ou 100% das embalagens que coloca na rua.
Impacto na prática
Embora operando há pouco tempo, o novo sistema já teve alguns desdobramentos práticos. Uma empresa do setor de energia teve o crédito negado por causa do percentual ainda elevado de fontes poluentes em sua matriz, e uma grande indústria envolvida em uma controvérsia socioambiental foi submetida a um escrutínio mais minucioso de suas políticas de reparação antes de ter a linha liberada.
O score não foi aplicado sobre todo o estoque de crédito do banco, mas entra em ação a cada nova operação ou na renovação de um financiamento já existente. Mas, como todas as transações passam por uma revisão de rating de crédito ao menos uma vez por ano, a estimativa é que toda a carteira já esteja rodando no novo sistema até a metade de 2022.