Num movimento amplamente aguardado, a Cosan lançou uma proposta para resolver as principais cismas do mercado em relação à companhia: a estrutura societária complexa e o poder de ‘super voto’ do controlador Rubens Ometto.
A iniciativa veio acompanhada do anúncio de dez compromissos de desenvolvimento sustentável, tentando posicionar a companhia com uma nova roupa ESG — cuja credibilidade depende, em parte, da solução do calcanhar de Aquiles societário.
A intenção é simplificar toda a cadeia societária e conferir o mesmo direito de voto a todos os acionistas, num movimento que deve levar ao IPO da Raízen, de açúcar, etanol e distribuição de combustíveis, a Compass, de gás natural, e a Moove de lubrificantes.
“O desenho da operação parece bem ‘fair’, mas precisa ficar de olho nas propostas de relação de troca entre as ações”, pondera um gestor há tempos posicionado na Cosan Limited (CZZ), a holding listada em Nova York.
Hoje, a estrutura acionária funciona da seguinte maneira: a CZZ, listada em Nova York, tem 66% das ações da Cosan S.A. (CSAN), listada na B3 – que, por sua vez, controla Raízen, Moove e Compass. A CZZ tem também 73% da Cosan Logística, uma ‘casca’ cujo único ativo é uma participação de 30% na Rumo, de ferrovias, que também negocia na bolsa brasileira.
A proposta é colapsar essa estrutura, fundindo tanto a CZZ quanto a Cosan Logística com CSAN, que será a única holding listada. As avaliações que darão base para as relações de troca serão feitas por comitês independentes eleitos pelo conselho para cada uma das empresas, que precisam ser aprovadas em assembleia. A expectativa é que o processo todo leve cerca de nove meses.
Num primeiro momento, a reestruturação tem potencial para eliminar o desconto de holding da CZZ, que negociava a um valor cerca 20% abaixo da soma dos ativos. Depois do anúncio, a ação disparou, cortando o desconto pela metade.
Outra camada de valorização pode vir numa segunda etapa, quando houver o IPO das empresas operacionais, o que tende a precificá-las melhor.
“A CZZ vai se apropriar de duas camadas de valorização”, diz um outro gestor justificando sua decisão de se posicionar nos ativos listados em Nova York. “Mas, mais do que isso, nessas horas a máxima é sempre ficar no mesmo veículo do controlador”.
Por um lado, o mercado celebra Ometto como grande alocador de capital. Nos últimos 10 anos, a Cosan saiu de uma empresa de açúcar e álcool para uma gigante com R$ 73 bi de faturamento, atuando em distribuição de combustíveis, gás e lubrificantes, além de deter a maior rede ferroviária do país.
Mas, por outro, tem um pé atrás com o empresário como sócio. Em 2007, dois anos após listar a Cosan no Novo Mercado – no qual impera o mandamento de ‘uma ação, um voto’ –, ele listou a CZZ em Nova York com uma estrutura que lhe dá um poder de voto 10 vezes maior que o dos demais acionistas.
Na reestruturação de agora, esse privilégio será eliminado. Nas contas do mercado, Ometto deve ficar com uma fatia entre 35% e 40% da Cosan.
O ‘E’ e o ‘S’
A guinada de governança na Cosan veio acompanhada de um novo posicionamento em relação ao E e ao S da sigla ESG (de ambiental, social e de governança).
Um dia antes do anúncio da reestruturação societária, o grupo divulgou uma lista de dez compromissos de desenvolvimento sustentável, baseados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU.
Enquanto algumas empresas optam por estabelecer metas agressivas na seara socioambiental para de alguma forma serem obrigados a cumpri-las, a Cosan optou por ser mais conservadora. A maior parte dos compromissos é mais genérica e apenas duas são efetivamente quantificáveis.
A Rumo se comprometeu a reduzir em 15% as emissões por tonelada por quilômetro rodado de suas locomotivas até 2025. E a Raízen quer reduzir a pegada de carbono do seu etanol em até 10% até 2030.
“Temos como objetivo evoluir em metas quantitativas para outras coisas”, diz a diretora de relações com investidores Paula Kovarksy. “Mas queremos ser bem diligentes nesse sentido: por na meta quantitativa coisas que a gente sabe medir e que conseguimos mostrar como vamos chegar lá”.
Alguns dos compromissos são bem abertos — e talvez um tanto óbvios — como “zelar pela segurança dos times” e “difundir valores éticos”. Mas outros, apesar de não quantificáveis, apontam para iniciativas mais pragmáticas.
O grupo se comprometeu formalmente a buscar formas de financiamento atreladas a critérios de sustentabilidade, como green bonds, social bonds ou empréstimos relacionados a ESG.
Com a emissão de green bonds da Rumo recém-concluída, Kovarsky afirma que, mais que acessar novos bolsos, o processo de preparação para as emissões verdes é importante da porta para dentro, porque dá mais segurança para a agenda ESG.
“Para mim o green bond é, no limite, passar pelo processo de construir esse framework. É um processo de aprendizado e, quando aprovado, nos dá tranquilidade de que estamos indo no caminho certo. De que o processo é aceito e foi feito da maneira mais diligente possível”, diz.
A Cosan já iniciou estudos para criar o framework para emissões verdes em outras empresas do grupo.
Do lado social, o grupo se comprometeu a “promover a diversidade de gênero nos processos sucessivos e mapas de sucessão”.
O caminho aqui deve ser longo. Hoje não há nenhuma mulher nos conselhos de administração nem da holding e nem das investidas, e a presença de mulheres na diretoria é bastante tímida.
No seu relatório de sustentabilidade, a companhia diz que, no ano passado, instituiu diretrizes para envolver nas etapas finais de contratação e promoção a mesma proporção entre candidatos homens e mulheres.
Uma longa jornada
Kovarsky conta que a jornada da Cosan em relação a ESG começou há cerca de três anos, quando ela se mudou para os Estados Unidos.
“Aqui ficou muito claro que havia uma demanda crescente por esse tipo de posicionamento por parte dos investidores”, diz. “Mas da primeira vez que trouxe esse assunto para o conselho eles me perguntaram: ‘nossa, mas o que é isso? É ativismo?'”
Aos poucos, conta, houve uma compreensão de que grande parte dos preceitos ESG já estavam, de alguma forma, dentro da companhia.
A meta de redução de 15% de gases-estufa pela Rumo, por exemplo, já estava dentro do que a companhia previa — mas com outra embalagem. “Essa métrica já existia, no formato de eficiência operacional da locomotiva e redução no consumo de combustível. O que a gente fez foi refiná-la, mas conceitualmente ela já existia”, aponta.
Desde 2015, a Rumo acumula uma redução de 25% nas emissões, em razão das mudanças feitas para aumentar a eficiência do material rodante.
Na prática, os compromissos anunciados são o resultado de uma agenda mais estruturada em ESG. Mas, com eles, o grupo também pretende comunicar melhor ao mercado como seu portfólio está alinhado indiretamente com a agenda de descarbonização da economia. É o que Kovarsky chama de ‘efeito multiplicador’.
Na Rumo, a meta de redução de emissões se traduz em menos 750 mil toneladas de carbono equivalente em cinco anos. Mas a ampliação da capacidade projetada da companhia no mesmo período permitirá uma redução quatro vezes maior, na forma de retirada de caminhões de circulação.
Da mesma forma, a Raízen quer reduzir em 10% a sua pegada de carbono: o que significaria uma redução de emissões de 500 mil toneladas de carbono.. Mas as emissões de CO2 evitadas quando esse etanol substitui a gasolina nos mesmos dez anos é 72 vezes maior.
E o negócio de distribuição de combustíveis, que inclui gasolina e diesel?
“Não adianta eu dizer que não vou distribuir a gasolina da noite para o dia, que eu vou parar a frota brasileira. Mas quando você olha o portfólio, a ambição da Raízen é ser uma empresa integrada de energia limpa. Talvez essa seja a melhor forma de responder a essa pergunta”, diz Kovarsky.