Na primeira assembleia de acionistas como uma companhia independente do GPA, a rede atacadista Assaí, tida como a galinha dos ovos de ouro do grupo, enfrentou uma oposição ainda rara entre os acionistas brasileiros.
A gestora de fundos JGP, minoritária da rede, votou pela rejeição da proposta de remuneração do conselho e pediu que sua manifestação, por escrito, fosse tornada pública — contrariando a vontade da empresa.
O documento, anexado à ata da AGO realizada em 28 de abril, mostra que a gestora avaliou como muito acima do padrão do mercado a remuneração proposta para o conselho no exercício de 2021, de R$ 43 milhões.
A proposta foi aprovada com folga. Mas o episódio chama a atenção por marcar uma mudança em relação ao comportamento típico do investidor brasileiro.
“O engajamento de investidores com as empresas é incomum no Brasil. Mais incomum ainda é o engajamento com cobranças públicas”, diz Fabio Coelho, presidente da Amec, que reúne os investidores.
Além de registrar que, tomando como base o valor de mercado e o Ebitda projetado para o ano, a remuneração está acima da média, a JGP se queixou particularmente da falta de transparência sobre quem receberá esses pagamentos.
E se disse ainda mais preocupada sobre os critérios de distribuição diante da informação de que o chairman, Jean-Charles Naouri, o controlador do grupo francês Casino (que controla Assaí e GPA), não é remunerado pela função.
O colegiado é formado por nove membros e, com Naouri fora da conta, o pacote representa uma remuneração média de mais de R$ 5 milhões por conselheiro, o que já seria alto.
No mercado, entretanto, suspeita-se que a maior parte dos R$ 43 milhões tenha como destinatário um único membro: Ronaldo Iabrudi, ex-CEO do GPA e homem de confiança de Naouri.
Iabrudi migrou da posição de CEO para o conselho do GPA em 2018. No ano de sua chegada, o conselho do GPA teve uma remuneração global de R$ 12 milhões, cifra que saltou para R$ 40 milhões em 2019 e continuou escalando.
Em 2020, o conselho do GPA recebeu R$ 71 milhões, sendo que um único membro abocanhou R$ 66 milhões. O nome desse conselheiro não é informado, mas no mercado acredita-se que seja Iabrudi.
Agora, com a cisão do Assaí, o executivo passou a figurar também como conselheiro da atacadista, acumulando as duas posições e, por analogia, muita gente acredita que seja ele o motivo da alta remuneração proposta pela companhia para o seu colegiado (equivalente a 90% da remuneração proposta para a diretoria, que inclui o pacote do CEO Belmiro Gomes, nome que agrada muito os investidores).
O pacote de remuneração para a diretoria e o conselho foi aprovado por 82% dos votos presentes — ou cerca de 60% quando descontados os votos do controlador Casino.
Pela rejeição, votaram apenas 12,8% dos presentes (excluído Casino).
A JGP tem 13 fundos com posição em Assaí, inclusive o JGP ESG Master, e a área de gestão de patrimônio tem outros dois fundos com ações da atacadista, num total de 15 veículos.
A gestora não quis comentar sobre seu voto.
Em nota, o Assaí informou que “o valor referente à remuneração do Conselho de Administração (…) é uma projeção máxima, atrelada a indicadores de atingimento e de geração de valor à companhia e a todos os seus acionistas. Além disso, o valor nominal está diretamente relacionado à quantidade de membros que compõem o Conselho (09 no total).”