Confiantes, os investidores falam que aportam governança junto com o investimento. Desconfiados, os empreendedores reforçam o discurso sobre a importância da tal governança, mais com esperança do que com convicção. Talvez você já tenha passado por esta situação.
Afinal, o que é essa tal governança? Faz sentido para startups?
Depois de implantar governanças em mais de uma centena de startups investidas e de empreender diretamente em 15 startups temos nossa resposta. Leve em consideração que trabalhamos com empreendedores bem diferentes entre si, conselheiros independentes, desde CEOs de multinacionais a fundadores de unicórnios com várias formações. E podemos afirmar com a mais absoluta certeza: depende.
Decepcionado? Nós também. Mas é a realidade. Empreender startups não tem receita de bolo. Mas já há conhecimento acumulado relevante sobre o tema, e o objetivo deste texto é explorar de forma prática as melhores práticas (e os desafios) para fazer a governança funcionar.
Pra começar, o que é esta tal governança?
Simplificando ao máximo: governança trata da organização do poder decisório da empresa. Tipos de assuntos diferentes dependem de fóruns e pessoas diferentes para deliberação. Objetivo? Não misturar assuntos e interesses. Cada um no seu quadrado. A grosso modo, questões operacionais ficam a cargo da diretoria; aspectos estratégicos ficam sob responsabilidade do conselho de administração; e assuntos societários por conta da assembleia de acionistas. Em poucas palavras, governança significa “como as coisas importantes são decididas”.
Essa separação de poderes tem um efeito enorme na empresa. Primeiro, exige que os interesses e visões pessoais sejam separados dos interesses e visões da empresa. A pessoa jurídica ganha corpo e alma próprios, mais independente, com voz própria. A pergunta deixa de ser “o que eu quero?” ou “o que fulano acha?” e passa a ser “o que é melhor para a empresa?”. O empreendedor começa a observar que há o papel executivo (diretoria), o papel direcionador (conselho) e o papel societário (assembleia). E isso muda muita coisa.
As competências – conhecimentos, habilidades e atitudes – necessárias em cada fórum são distintas, as velocidades são outras, cada uma com seu impacto relevante para o desenvolvimento da empresa. Os sócios arrumam o barco, os conselheiros ajustam o leme, os executivos são o motor.
E essa separação funciona numa startup? Pois é… depende! No início, na fundação da empresa, é tudo misturado, um caos. E esse caos é necessário para fomentar o processo criativo, para a necessária flexibilidade e velocidade, para a geração da inovação.
Depois, na hora de escalar, de crescer, a separação das funções e a atração de competências para cada função ganha relevância. A necessária profissionalização. Então porque “depende”? Depende, porque, se não houver um bom alinhamento e funcionamento destas instâncias, o barco não vai sair do lugar ou, ainda pior, pode afundar rapidinho. Falaremos desse risco logo adiante.
Antes, vamos falar de um segundo ponto importante: a governança exige o estabelecimento de ritmos e ritos. As reuniões periódicas de cada instância servem como um “bumbo” que faz a marcação do ritmo e vira referência para toda a empresa. No ambiente inicial do caos criativo da inovação, tudo acontece ao mesmo tempo agora. Depois, para escalar, é preciso estrutura, organização, gestão, pessoas. E este corpo vivo e dinâmico precisa de ritmo.
A instância da diretoria é à qual os empreendedores estão mais acostumados. De um jeito ou de outro, aos trancos e barrancos, conseguem fazer funcionar. No entanto, vale relembrar, para refletir: sua diretoria atual tem as competências necessárias para seu estágio de desenvolvimento? Em qualquer empresa, de qualquer tipo e tamanho, as competências de gestão, financeiro, comercial, P&D, novos negócios, estratégia, RH, marketing etc são necessárias. A excelência em cada competência vai crescendo na medida em que a empresa cresce.
Normalmente, a assembleia é a segunda instância a ser criada. No começo, todos os sócios são executivos e vice-versa. Tudo embolado e isso é normal. Logo depois já começam a aparecer executivos que não são acionistas e acionistas que não são executivos. Os empreendedores, que são ambos (acionistas e executivos), começam a perceber que são papéis, funções e interesses diferentes. Não é fácil usar esses dois chapéus e, principalmente, saber trocá-los sempre que necessário. Um baita desafio. Mas fundamental.
Quanto mais rápido o empreendedor conseguir separar sua função executiva de sua função como acionista, melhor ele vai lidar com executivos, e melhor ele vai lidar com os acionistas. E o mais importante: mais clara será a separação entre o que a empresa precisa e o que o empreendedor quer. Essa separação entre pessoa jurídica e pessoa física é o que separa os bebês e os adultos. E olha que tem muita gente de 30 anos chupando dedo por aí.
Voltando para a governança da startup: a diretoria tem de se reunir semanalmente para as decisões operacionais e alinhamento; o conselho precisa se reunir mensalmente (ou no máximo bimestralmente) para se manter conectado e para direcionar a estratégia. A assembleia precisa se reunir sempre que houver questões societárias ou de mudanças relevantes de direção e, no mínimo anualmente, para analisar a saúde financeira da empresa. Sem esse ritmo, a empresa sofre. Trocam-se os pés pelas mãos, e o “urgente” vai sempre ganhar de goleada do “importante”. Já viu isso acontecer?
Essa separação de funções e o estabelecimento de ritmos, acima descritos, parece ter só benefícios. Então toda startup deveria adotar. Acontece que um desalinhamento entre as instâncias, ou o mal funcionamento delas, é pior do que não tê-las. Podemos afirmar com segurança, após 20 anos de estrada como empreendedores e investidores, que o estabelecimento de uma boa governança, em especial de um bom conselho, é mais importante que o investimento em si. E o sucesso de sua implantação “depende”. Depende de nós, empreendedores.
* Gustavo Junqueira é sócio-fundador e COO da KPTL, gestoras de venture capital com mais de 15 anos de atuação, responsável pela gestão de fundos como Criatec 3 e FIMA (Fundo de Inovação em Meio Ambiente), iniciativas lideradas pelo BNDES. Formado em administração pela Universidade Federal de Minas Gerais, atuou como auditor na Ernst & Young e consultor.
Renato Ramalho é CEO da KPTL, fruto da fusão entre as gestoras de fundos de venture capital A5, onde atuava desde 2003, e Inseed. Economista pela Faculdade de Economia e Administração da USP, é mestre em economia pela Fundação Getúlio Vargas.