Assédio moral é o tipo de violência mais citado no ambiente profissional, segundo a mais recente edição da pesquisa “Trabalho Sem Assédio”, conduzida pela Think Eva, consultoria para equidade de gênero, em parceria com a rede social LinkedIn.
Segundo o levantamento, quase metade dos profissionais já vivenciou assédio moral no trabalho: 46% das mulheres e 42% dos homens. Mas esse número pode ser maior, pois outros 7% deles e 8% delas não têm certeza se foram vítimas de assédio.
“Para configurar assédio moral precisa haver três fatores: pessoalidade, com a agressão dirigida a uma pessoa ou a um grupo; intencionalidade; e habitualidade, ser uma prática recorrente”, explica Maira Liguori, diretora e co-fundadora da Think Eva.
As empresas, porém, desconhecem o tamanho do problema: 70% dos casos não chegam ao seu conhecimento. A pesquisa mostra que apenas 17,6% das vítimas recorrem ao RH para reportar os casos e 12,4% aos sistemas de denúncia anônima da empresa.
“É um problema que hoje está no corredor. Ele não está institucionalizado, ele não está sendo cuidado”, diz Liguori. A maioria das vítimas conta apenas para pessoas próximas (38%) ou não faz nada (21%). A impunidade e o medo de ser demitido(a) ou exposto (a) são os maiores empecilhos para a realização da denúncia do assédio moral.
“Estamos diante de um cenário que exige ação imediata e estratégica das lideranças. A subnotificação do assédio e a baixa adesão aos canais de denúncia indicam um problema que vai além da gestão de pessoas, sendo reflexo de estruturas organizacionais que ainda falham”, diz Ana Plihal, executiva de soluções de talento do LinkedIn no Brasil.
“Essa inação tem um custo altíssimo, impactando diretamente a retenção de talentos, derrubando a produtividade e manchando a reputação das empresas.”
A pesquisa entrevistou 3.128 pessoas em todo o Brasil entre abril e maio deste ano. Ela abrangeu profissionais de diferentes gêneros, regiões, faixas etárias, recortes raciais e níveis hierárquicos. O estudo teve margem de erro de 1,7 ponto percentual e nível de confiança de 95%.
Assédio sexual
A primeira edição da pesquisa, realizada em 2020, trazia dados relativos a assédio sexual a mulheres. Esta segunda edição inclui o assédio moral nas perguntas e também a perspectiva dos homens – por conta da ampliação do objeto de pesquisa e da amostra os dados das duas pesquisas não são comparáveis.
O que se pode observar, porém, é que o assédio sexual segue presente e também pouco denunciado dentro das empresas. Mais de um terço das mulheres entrevistadas disseram já sofrer assédio sexual no ambiente de trabalho (35,6%).
A frequência é assustadora: 75% que já vivenciaram ou testemunharam situações de assédio em seus trabalhos (57% da amostra) identificaram esse tipo de agressão pelo menos uma vez ao mês. E, de novo, 64% dos casos não chegam ao conhecimento das empresas, pois não são denunciados nos canais formais.
A diretora da Think Eva destaca que o assédio sexual ainda é banalizado, mas precisa ser tratado como o que ele é: violência e crime. “A gente tem legislação, está previsto na CLT e também no Código Penal”, diz.
A pesquisa indica que esse tipo de violência atinge todas as mulheres, mas costuma ser acentuada pela desigualdade a partir de marcadores como raça, classe social, região e renda. A classe social, por exemplo, influencia a frequência com que se fala sobre assédio: quanto mais alta a classe social, mais se fala sobre o tema.
O mesmo apareceu entre as vítimas de assédio moral. “A discriminação e o assédio moral andam de mãos dadas”, afirma Liguori.
Casos
De 2020 a 2023, a Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, julgou 419 mil ações envolvendo assédio moral e assédio sexual, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Alguns casos ganharam repercussão e levaram à demissão de altos executivos em grandes empresas.
Um dos mais emblemáticos foi o do então presidente da Caixa Federal, Pedro Guimarães, e de um dos vice-presidentes do banco, Antônio Carlos de Sousa, alvos de denúncias de assédio moral e sexual em 2022 – o primeiro pediu demissão e se tornou réu em processo da Justiça Federal de Brasília no ano seguinte.
Mais recentemente, o Pacto Global, iniciativa da ONU para engajar empresas no desenvolvimento sustentável, demitiu seu então CEO, Carlo Linkevieius Pereira, e o diretor de estratégia, Otávio Toledo, por denúncias de assédio moral de um grupo de funcionários da organização – ambos negaram as acusações.
A mesma razão levou a Vale a demitir sua vice-presidente de recursos humanos, Catia Porto, e dois diretores da área neste mês – os três negam que essa tenha sido a razão dos desligamentos. As denúncias foram feitas à ouvidoria da empresa e, após a apuração interna, o caso foi levado ao conselho de administração da mineradora, a quem a ouvidoria se reporta.
Seja moral ou sexual, o assédio no trabalho impacta a saúde emocional e a trajetória profissional das vítimas, segundo o estudo da Think Eva e do LinkedIn. No caso do assédio sexual, 16% das mulheres que foram vitimas deixaram seus empregos como consequência direta.
Entre quem passou por assédio moral, os sintomas mais citados na pesquisa são desânimo (43%), ansiedade e depressão (34%) e queda na autoconfiança (33%). O impacto na carreira também é evidente: 1 em cada 6 profissionais pediu demissão após a violência e 1 em cada 3 repensou seus planos de carreira.
Ações
As ações para lidar com denúncias de assédio vão da estrutura organizacional até o orçamento, passando pela formação das lideranças.
A pesquisa indica que, primeiro, é preciso estruturar processos formais de denúncia, o que inclui código de conduta e de ética claros e divulgados. “Um monte de empresa ainda não tem”, diz a diretora da Think Eva, lembrando que 70% dos brasileiros são empregados em empresas de pequeno porte e familiares.
Isso passa por canais de denúncia bem estruturados, com fluxos e processos definidos de denúncia, apuração e deliberação. Confidencialidade e a possibilidade de anonimato são fatores que precisam ser garantidos para que os canais funcionem e tenham a confiança dos funcionários.
“E linha no orçamento. Sem dinheiro não tem como formular e manter essas estruturas”, diz Liguori.
A formação das lideranças é outro ponto citado pela pesquisa. Quando não são elas as denunciadas, elas podem servir de linha de frente e serem a ponte para a institucionalização das denúncias.
Mas o que fazer quando uma denúncia é apurada e julgada procedente? A demissão não é o único caminho, segundo especialistas. Não existe receita de bolo, mas a gravidade do caso precisa ser levada em conta.
Em alguns casos, é possível aplicar ações de letramento e monitoramento. “Nos Estados Unidos chamam de last chance agreement. É dado um tempo para o profissional se adequar e a empresa monitora e mede o clima da equipe. A ideia é: você precisa melhorar em um ano, senão você tá fora da organização”, diz Tamara Ginciene, sócia-fundadora da Hinz, consultoria de governança e integridade.
“Mas tem coisas que são inegociáveis. É preciso ter uma balança”, diz Moises Marques, consultor de políticas de RH.