Quando se fala em uma usina siderúrgica, quase que automaticamente vem à mente a imagem de chaminés jogando uma fumaça espessa no ar. Inserida numa atividade ambientalmente controversa por natureza, a Gerdau tem atacado em várias frentes para se distanciar desse tipo de associação e se posicionar como uma empresa cada vez mais sustentável.
Em meados do ano que vem espera tirar o selo de Empresa B, aquelas que visam o desenvolvimento social e ambiental além do lucro do acionista. Pode se tornar a terceira companhia brasileira com ações em bolsa a ser certificada, ao lado da Natura e Movida. O Magazine Luiza também está no processo.
Na virada de 2019 para 2020, a política de sustentabilidade subiu na hierarquia e virou oficialmente uma atribuição do conselho de administração.
O calcanhar de Aquiles mais óbvio da Gerdau está na emissão de gases de efeito estufa. Embora utilize um processo menos dependente de carvão que outras siderúrgicas, o grupo ainda tem uma uma matriz energética dominada por fontes de energia suja.
Mas o trabalho tem ido muito além, com uma preocupação crescente com a questão de inclusão e diversidade.
Quem acompanha o CEO Gustavo Werneck no Linkedin nota o quanto ele tem sido vocal sobre o tema. Em julho, no auge do movimento antirracista desencadeado pela morte de George Floyd nos Estados Unidos, aderiu a uma moda entre algumas lideranças e cedeu sua conta por uma semana a Liliane Rocha, mulher, negra e CEO da consultoria em diversidade Gestão Kairós.
A mudança parece estar indo além das redes sociais: do começo do ano para cá, a Gerdau passou de zero para três o número de mulheres diretoras que reportam diretamente ao CEO, levando o percentual feminino na mais alta liderança para 20%. E deve fixar metas para continuar ampliando essa participação. No conselho de administração, dos nove integrantes, há apenas uma mulher.
Em entrevista ao Reset, Werneck disse que a Gerdau se prepara para anunciar em 2021 metas de redução de suas emissões de gases de efeito estufa de médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, o conselho deve bater o martelo até o fim do ano para que 20% dos bônus de longo prazo dos executivos da empresa sejam atrelados a metas ESG.
A seguir, os principais trechos da conversa, que também teve a participação do gerente de responsabilidade social, Paulo Boneff:
Parece haver uma série de movimentos da Gerdau no sentido de melhorar o desempenho de sustentabilidade/ESG. O que motiva isso?
A gente sempre entendeu a sustentabilidade como peça-chave da sobrevivência do negócio. Não era algo com o peso todo que existe hoje, mas sempre foi uma coisa intuitiva. Nosso modelo de negócios utiliza a sucata como matéria-prima. Pegamos motos velhas, geladeiras usadas e derretemos no nosso forno para fazer novos produtos. A gente optou pelo modelo de usinas pequenas, as ‘mini mills’, que têm um conceito de economia circular [derretem sucata em fornos elétricos, e não utilizam carvão].
Quando percebemos esse movimento crescendo nos últimos anos e se estruturando, com governança, ESG, a sociedade cobrando, para nós foi um movimento natural. A questão agora é como conseguimos dar passos maiores, não só para a Gerdau, mas para ser um influenciador de outras empresas, da sociedade, dos nossos clientes.
Mas como caminhar nessa agenda num setor que por definição gera impactos negativos, como poluição e resíduos?
O setor de forma geral, e a Gerdau particularmente, veio se preparando e se atualizando. A gente conseguiu resolver grande parte dos problemas de sustentabilidade do setor. Conseguimos, por exemplo, tecnologias para reutilizar quase 99% da água. A indústria do aço tem um grande problema hoje que não está resolvido, que é a emissão de gases de efeito estufa.
Descarbonizar o setor siderúrgico é algo crítico no processo de transição energética.
Exatamente. E não é apenas uma questão de vontade. O grande desafio é como encontrar alternativas tecnológicas. Realmente não existem tecnologias dominadas hoje no mundo que permitam à indústria do aço dar esse salto, essa revolução [para produzir com baixa emissão de CO2]. Existem iniciativas de centenas de milhões de dólares na indústria do aço no mundo para buscar essas novas tecnologias. Uma das frentes muito estudada é para utilizar hidrogênio para substituir o carvão mineral como fonte de energia.
A Gerdau tem uma grande vantagem porque 70% da nossa base produtiva é feita à base de sucata metálica, com geração de poluentes muito menor do que uma indústria integrada. A emissão é menor. Nós saímos em vantagem por causa dessa base, mas precisamos achar tecnologia para resolver os outros 30%.
Ainda assim a dependência de fontes não renováveis da Gerdau é grande, da ordem de 68%. O que vocês têm feito para fazer a transição para energias limpas, dentro das tecnologias existentes?
Somos uma empresa muito eletrointensiva. A gente tem buscado alternativas de geração e fornecimento que sejam renováveis e mais limpas. Recentemente firmamos contrato para construção de um parque enorme de energia solar para fornecer energia para nossa maior usina nos Estados Unidos, que fica no Texas. Uma fazenda solar com mais de 200 hectares de terreno. Em vez de comprar energia da rede, estamos construindo em parceria com uma empresa americana de energia solar. Estamos migrando fortemente para uma geração e fornecimento relacionada a solar e eólica.
Pela primeira vez vocês começaram a mensurar e divulgar o inventário de emissões de gases de efeito estufa relativo a 2019. Quando pretendem adotar metas de redução?
Adotamos o padrão GRI de relato integrado para começarmos a dar transparência aos nossos indicadores ESG de forma geral. Agora estamos fazendo uma auditoria externa de todos os nossos números de emissão para, a partir de 2021, colocar metas realmente factíveis para a gente atingir as reduções que imagina.
Não quisemos fazer como algumas empresas que colocam uma meta que não é factível, que é só um sonho. Vimos empresas do nosso segmento dizendo que vão reduzir, por exemplo, em 20% as emissões. Não tem muito sentido colocar uma meta sem ter um plano claro de como vai se chegar a ela. Você pode dizer que está subindo a régua, que vai buscar alternativas, mas para a gente isso não funciona. Vamos divulgar a meta e ter um plano.
Tem muitas empresas fixando metas para 2050 e não dizem o que vão fazer em 5 anos, 10 anos. Vocês pretendem fixar metas intermediárias, de médio prazo?
Certamente teremos metas intermediárias também.
A Gerdau anunciou que as questões de sustentabilidade passariam a ser incorporadas às decisões estratégicas. O que isso quer dizer na prática?
O conselho de administração alterou o nome e o escopo do comitê estratégico, que reporta ao conselho e onde se define alocação de capital e plano de investimentos, para comitê de estratégia e sustentabilidade. Para garantir que esses planos sejam detalhados, exequíveis e que em cada decisão estratégica os temas de sustentabilidade tenham o peso adequado.
Historicamente, esse comitê debatia apenas o aspecto financeiro, para atender melhor nossos clientes e ter o retorno financeiro adequado que permita retornar os valores que nossos investidores investem. Aquela ampliação da nossa usina no Texas poderia ser feita via compra de energia elétrica não renovável. Mas o comitê deu ‘ok’ para o crescimento da usina desde que fosse à base de energia renovável.
O papel do conselho é fundamental para fazer esses temas andarem. Sem uma governança forte, já aprendemos que não anda.
Vocês estão desenvolvendo um ‘scorecard’ ESG com metas futuras. Como vai funcionar isso e o que podemos esperar?
Esse scorecard está retratado no relato integrado, com os indicadores que resolvemos priorizar e dar transparência ao mercado. O que estamos fazendo agora é colocando parte desses indicadores nos incentivos de longo prazo da companhia. Os executivos passarão a ter indicadores ESG entre as metas do bônus de longo prazo já a partir de 2021. Estamos acabando de definir os indicadores e vamos submeter ao conselho de administração. Parte do bônus estará atrelada a metas de sustentabilidade.
Qual o peso que essas metas terão?
Estamos acabando de discutir, mas deve ser um peso próximo a 20% do incentivo de longo prazo.
E quais serão as metas?
Posso adiantar uma porque está aprovada. Mulheres em posição de liderança é um indicador que certamente estará lá. Achamos que não tem mais desculpa para uma empresa industrial siderúrgica não ter uma participação forte de mulheres na liderança e no dia-a-dia.
Essas metas serão públicas?
Provavelmente serão. Estamos debatendo e só não te cravo porque vamos submeter ao conselho. Não tem necessidade de que não seja.
Vocês têm bastante mulheres entre estagiárias e aprendizes, mas quando vai subindo na hierarquia da empresa o percentual diminui. São 18% na liderança e na operação é quase nada. Nas fábricas parece ser um desafio. E a diversidade racial também segue o mesmo padrão: na base é um pouco melhor, com 30% de negros, e, na liderança, 15%. Vão tentar melhorar isso tudo?
Tentar, não. Vamos conseguir. Quando emitimos o relato integrado, no começo do ano, não tinha mulher diretora da empresa. Hoje temos três de um total de uns 15 que reportam diretamente para mim. Conseguimos em poucos meses colocar 20% do meu reporte direto. E para nós esse é um caminho sem volta. Não tem impeditivo para não avançarmos.
Nosso principal problema é o viés inconsciente. São líderes que acham que a mulher não pode exercer integralmente as atividades que o homem exerce no chão de fábrica.
E como combatem o viés inconsciente?
Com treinamento, conversa e, muitas vezes, quando o líder não entende isso e o preconceito fala mais alto que a educação que temos dado, o líder sai da empresa.
Para nós é inaceitável. Aprovamos políticas de direitos humanos no nosso conselho de administração e temos sido intolerantes com aquele líder que não entende que isso é uma questão de fazer o certo. Por isso esse é um indicador que estará nas metas de longo prazo. Para deixar absolutamente claro para a organização.
Essas metas valerão a partir de qual nível hierárquico da companhia?
Vão valer para todos os executivos que têm remuneração de longo prazo, de gerente geral para cima. Esse tema da diversidade e inclusão é muito importante para mim dentro da Gerdau, mas fora também. A partir do ano que vem vamos começar um trabalho forte com os 15 mil fornecedores. Chegará um momento em que, se a empresa não tiver uma política de diversidade e inclusão adequada, não vai ser mais nossa fornecedora. É o momento de escalar o tema no Brasil.
Você falou em fornecedores e, quando se busca informações sobre a cadeia de valor da Gerdau, não se encontra nada reportado na área ambiental. Vocês também pretendem criar um monitoramento e metas ambientais para a cadeia?
Isso tem muito a ver com a nossa jornada para nos certificar como empresa B. Um grande ganho é identificarmos esses pontos no processo.
Em que fase do processo de certificação B a Gerdau está?
Paulo Boneff: Nós faseamos o processo em três porque a empresa é muito grande. Vamos certificar a Gerdau Brasil em 2021. Numa segunda fase, que começa no segundo semestre do ano que vem, entram Estados Unidos e Canadá. Numa fase 3 entram países da América Latina, para fechar o grupo como um todo. A meta é certificar Brasil no meio do ano que vem. Em 2019 fizemos o diagnóstico e em 2020 estamos fazendo de forma intensa os ajustes de processo e melhoria. Os exemplos de avanço em governança, por exemplo, são reflexo desse processo. Assim como ter uma política pública de direitos humanos e uma matriz de materialidade.
Como companhia aberta, vocês sentem cobrança dos investidores em ESG?
Gustavo Werneck: Fiz minha décima segunda call de resultados [na semana passada] desde que assumi como CEO e foi a primeira vez que apareceu uma pergunta sobre ESG. Mas o tema tem crescido muito nas reuniões individuais. No passado, os encontros começavam com perguntas sobre o resultado. Temos nomes como BlackRock e The Capital entre os acionistas e essa turma hoje começa perguntando de ESG. Porque entender como você está conduzindo isso é a chave para conectar o seu desempenho presente com o futuro.
E as perguntas também começaram a se tornar mais pessoais. Os investidores querem saber como eu penso e enxergo algumas questões para, a partir do meu ‘mindset’, imaginarem como vou influenciar a organização para ela evoluir.
O mercado de carbono e a precificação de CO2 são muito relevantes para o futuro do negócio da Gerdau. Qual o cenário com o qual vocês trabalham?
É uma discussão que está muito no começo no Brasil e temos acompanhado de perto. Vai ter muita influência [sobre a Gerdau] no futuro, mas hoje não conseguimos ter visibilidade do que vai acontecer. A gente acompanha os movimentos na Europa, com cada vez mais as empresas sendo taxadas, o que pode ser visto como um problema, mas também como uma enorme oportunidade. Mas o debate precisa ser ampliado aqui e não está próximo de uma definição [sobre modelo].
No ano passado a Gerdau estruturou uma área de pesquisa e desenvolvimento para buscar tecnologias alternativas para aproveitamento de resíduos, pensando em economia circular. Já existe algo de concreto?
Paulo Boneff: Em Minas Gerais, temos o compromisso de fazer empilhamento a seco dos rejeitos da mineração, sem barragens, o que reduz o risco de rompimento, mas ainda assim gera um material empilhado. Estamos buscando formas de não ter mais esse material. Trabalhamos por 2 anos com a UFMG para transformar esse material em num agregado que parece uma areia cinza e que pode ser usado como substituto de cimento e de outros insumos. Construímos uma casa no padrão Minha Casa, Minha Vida toda com material da nossa barragem. O piso, o tijolo, a tinta. E isso diminui o custo de construção. Como segue o padrão do MCMV, pode ser replicado.
Temos outro exemplo de P&D com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em que a partir do rejeito de siderurgia desenvolvemos adubo para agricultura. Já tem uma empresa parceira para fabricar.
E no exemplo de Minas já existe algo para escalar comercialmente a pesquisa?
Paulo Boneff: Tem uma construtora grande de Minha Casa, Minha Vida que tem muito interesse. Estamos trabalhando com eles para entender a viabilidade e montar um business plan. Não é bala de prata, mas é uma das soluções em que trabalhamos. E estamos trabalhando em outra aplicação que pode ter mais volume, que é a de pavimentação de estradas.