EMPRESAS

Após 'crise das jaquetas', Riachuelo aperta rastreio de matéria-prima

Para cumprir metas climáticas e superar incidente das jaquetas olímpicas, varejista examina sua cadeia de produção – começando na lavoura

Confecção da Riachuelo

Natal (RN) – O conselho de administração da Guararapes, controladora da varejista de moda Riachuelo, recebeu na semana passada o resultado de um novo cálculo das emissões de gases de efeito estufa da empresa.

O chamado escopo 3, que inclui os gases de efeito estufa da cadeia do algodão plantado à vida dos produtos depois da venda, será três vezes maior este ano que o de 2023.

A companhia não triplicou de tamanho. No ano passado, a receita líquida cresceu 9,5%, chegando a R$ 9,6 bilhões – mas a conta de carbono foi feita com mais precisão. A principal diferença está na contabilização de uma matéria-prima chave para quem está no negócio de roupas: o algodão.

“Até 2024, vínhamos medindo os parceiros de maneira mais generalizada. O volume total do algodão comprado era multiplicado por um fator de emissão do algodão convencional ou certificado”, Taciana Abreu, diretora de sustentabilidade da Riachuelo.  

O retrato mais claro da pegada de carbono faz parte de um esforço de transparência da empresa. No ano passado, a varejista se viu envolvida em um ruidoso episódio em que foi questionada por suposto greenwashing. Jaquetas confeccionadas para a delegação olímpica brasileira tinham somente uma pequena parte de material reciclado, não 100%, como dizia a comunicação oficial.

A recálculo das emissões de carbono também é necessária para que a companhia consiga atingir as metas de descarbonização aprovadas pelo SBTi (Science Based Targets Initiative), que incluem um corte de 55% no escopo 3 até 2030, na comparação com o ano base de 2019.

Abreu chegou em setembro passado, vinda do grupo Soma, dona de marcas como Hering, Animale e Farm. Ela afirma que o episódio das jaquetas dos atletas foi “um grande erro de comunicação, sem qualquer má fé”.

“A Riachuelo sempre tratou sustentabilidade de maneira séria”, diz Abreu. Agora, ela tem o desafio de provar essa afirmação.

Algodão agroecológico

Boa parte do trabalho acontece no Rio Grande do Norte, onde a empresa foi fundada por Nevaldo Rocha 78 anos atrás.

Na região do Seridó, no sertão potiguar, a Riachuelo quer dar uma segunda vida à produção de um de seus insumos mais importantes, o algodão. Desta vez, em bases mais sustentáveis.

O Rio Grande do Norte já foi um importante produtor algodoeiro do país, mas a cultura foi praticamente exterminada nos anos 1980 por causa da proliferação do besouro bicudo, praga característica das monoculturas.

Junto com o Sebrae local, a Embrapa e 15 prefeituras, a empresa está apoiando 143 agricultores familiares por meio do programa Agro-Sertão. Eles recebem treinamento e todos os insumos e equipamentos para cultivar a planta com biofertilizantes e biopesticidas.

Além de evitar insumos químicos ou agrotóxicos, a cultura é consorciada com alimentos como feijão, fava e milho, melhorando a regeneração do solo. 

Compra garantida

O Instituto Riachuelo se responsabiliza pela comercialização de 100% dessa produção agroecológica. Uma grande vantagem para os pequenos produtores é a venda do algodão em pluma (já sem a semente), em vez da rama. Dessa maneira, eles recebem um valor até cinco vezes mais alto.

Em 2024, foram colhidas 64 toneladas de algodão em rama, resultando em 25,4 toneladas de algodão em pluma. A renda gerada para as famílias foi de cerca de R$ 400 mil.

Os volumes são modestos, mas o potencial está ali, diz Renata Fonseca, gerente do Instituto Riachuelo. “O projeto planta algodão agroecológico em cerca de 100 hectares, e estes produtores somam 5 mil hectares de terra.”

“Já quero arrancar parte do arroz para ter mais algodão”, conta Helena Senna, 55 anos, que vive com o marido há cerca de 35 anos em um sítio em Caicó, a 280 quilômetros de Natal. 

A Riachuelo precisa desse tipo de insumo em sua cadeia produtiva para cumprir seus compromissos climáticos. Em comparação com o algodão convencional, o algodão produzido de forma mais natural e manual chega a ter 46% menos emissões de gases de efeito estufa.

O produto também tem apelo de marketing. Boa parte da última safra foi utilizada para o lançamento, este mês, da primeira coleção de camisetas 100% algodão agroecológico. Elas têm fios ambientalmente sustentáveis e a produção e o tingimento são de base natural, sem uso de químicos.

Certificação

“Existe um trabalho enorme a ser feito na criação e produção de novas matérias-primas”, diz Abreu. Isso inclui maneiras de certificar os novos atributos de uma agricultura diferente.

“A certificação presente na maior parte do algodão produzido no Brasil ainda permite o uso de sementes transgênicas, o alto uso de agrotóxicos e não assegura a proteção da sociobiodiversidade”, diz Fernanda Simon, do instituto Fashion Revolution Brasil, entidade que trabalha com transparência e sustentabilidade no setor.

A lavoura é só o começo do problema ambiental e climático da indústria da moda, uma das mais poluentes do planeta. Uma das ambições da Riachuelo é reduzir em 20% o volume de água captada em sua fábrica até 2030, em comparação com 2019.

Falta um longo caminho até lá. A planta ainda não conta com um sistema de reúso, por exemplo, e só a partir do mês que vem será feita medição exata da volumetria usada por cada etapa do processo industrial.

A competição com marcas e produtos importados, especialmente da China, introduz outro fator de complexidade. E não é viável abrir mão de matérias-primas ou até mesmo de peças prontas do país.

A estratégia da empresa é ao menos quantificar o problema em termos de emissões. A Riachuelo começou um trabalho de rastreabilidade geográfica dos insumos que vêm do exterior. “O algodão da China tem um fator de emissão muito maior do que o brasileiro. Isso hoje não está sendo capturado nos inventários”, diz Abreu.

“Não adianta dizer que compra poliéster europeu, por exemplo, supondo que ele é mais sustentável, mas depois descobrir que o fio desse poliéster veio de um produtor chinês não responsável.”

Profissionalização

Na outra ponta da cadeia estão as confecções. A Riachuelo é a maior empregadora do Rio Grande do Norte.

É lá que fica seu parque têxtil. Considerado o maior da América Latina, ele emprega mais de 8 mil pessoas, um quarto do total de 32 mil funcionários.

A fábrica produz em média 105 mil peças de vestuário por dia. Em 2024, foram 41 milhões no total. Oficinas de costura externas complementam a produção nacional da empresa.

Uma das iniciativas envolve costureiras que muitas vezes trabalham em arranjos informais e sem respeitar as melhores práticas da indústria da moda.

Um programa financiado pelo Instituto Riachuelo, criado há quatro anos, profissionaliza o trabalho dessas mulheres.

Em parceria com a federação das indústrias locais (Fiern), o governo do Estado e o Sebrae, o Pró-Sertão profissionaliza oficinas de costura do semiárido. Cerca de 90% dos beneficiários tiveram carteira de trabalho assinada pela primeira vez. 

“É um trabalho de formiguinha junto a instituições privadas e, principalmente, às prefeituras”, explica Fonseca, do Instituto Riachuelo.

Timbaúba dos Batistas, município de 2.400 habitantes conhecido como a capital do bordado potiguar – um terço da população local vive deste ofício –, tem desde este ano uma oficina para as bordadeiras.

“A grande maioria trabalhava em casa”, diz Fonseca. “Foi um longo percurso até convencê-las a entender a importância de ter um lugar seguro onde bordar, sem máquinas ligadas em tomadas mal instaladas, ao lado do fogão, com os filhos brincando ao redor.” 

Além da melhoria nas condições de trabalho dessas mulheres, a parceria com a Riachuelo aumentou consideravelmente a produção local, hoje feita quase totalmente sob demanda para a empresa.

“No início foi difícil, mas hoje amo vir para a oficina”, diz Francisca Josidete, 62 anos, bordadeira há quatro décadas e moradora do município.

As bordadeiras trabalharam recentemente na coleção Tieta, assinada pelo estilista Airon Martin, da Misci, mostradas em um desfile em São Paulo, na semana passada.

*A repórter viajou a convite da Riachuelo

* Atualizada às 14h15 com a informação de que a oficina de bordado de Timbaúba dos Batistas foi inaugurada este ano, não em 2024