SEC processa Vale por manipulação e fraude em laudos de Brumadinho

A companhia "intencionalmente escondeu os riscos de colapso de uma de suas barragens mais antigas e perigosas" dos investidores, afirma acusação

SEC processa Vale por manipulação e fraude em laudos de Brumadinho
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A Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais americano, entrou com um processo contra a Vale na Justiça dos Estados Unidos afirmando que a mineradora mentiu para os investidores sobre suas práticas de segurança de barragens.

De 2016 até a tragédia de Brumadinho, em janeiro de 2019, a companhia manipulou auditorias técnicas de suas barragens,  forneceu relatórios fraudulentos sobre a estabilidade das estruturas e enganou governos, comunidades e investidores, diz a SEC em sua denúncia.

A companhia “intencionalmente escondeu os riscos de colapso de uma de suas barragens mais antigas e perigosas”, afirma a acusação da SEC, em referência a Brumadinho.

O desastre de três anos atrás deixou 270 mortos e causou uma das maiores acidentes ambientais da história brasileira.

A ação da SEC foi apresentada na Justiça Federal americana. O regulador pede a imposição de multas e a devolução do que a agência chama de ganhos indevidos.

Além de um revés para a Vale particularmente, a decisão manda um sinal claro para as companhias abertas como um todo sobre a responsabilização a que estão sujeitas sobre as informações prestadas em seus relatórios de sustentabilidade, em geral tratados como peças menos relevantes de comunicação com o mercado.

A acusação é resultado do trabalho da força-tarefa climática e ESG criada pela SEC em março de 2021 dentro da divisão de ‘enforcement’ para identificar problemas nas divulgações ESG das empresas.

A agência baseia suas acusações em informações contidas nos relatórios de sustentabilidade publicados pela Vale, uma das ferramentas cada vez mais importantes para a tomada de decisão dos investidores, afirma a SEC.

“Muitos investidores confiam em divulgações de ESG, como as contidas nos relatórios de sustentabilidade anuais da Vale e outros registros públicos para tomar decisões de investimento informadas”, disse Gurbir S. Grewal, diretor da divisão de execução da SEC. “Ao manipular essas divulgações, a Vale agravou os danos sociais e ambientais causados ​​pelo trágico rompimento da barragem de Brumadinho e prejudicou a capacidade dos investidores de avaliar os riscos representados pelos títulos da Vale.”

Segundo a SEC, a Vale sabia que os laudos “se baseavam em informações pouco confiáveis e [que representavam] um desprezo flagrante dos padrões mínimos de segurança supostamente seguidos pela empresa.”

O processo é semelhante ao movido contra a Volkswagen, há três anos. A montadora alemã foi acusada de esconder informações sobre um sistema em seus carros que burlava os limites de emissões de CO2 estabelecidos pelo governo americano.

A Volkswagen teve de pagar mais de US$ 25 bilhões em multas, penalidades e acordos judiciais.

Em comunicado, a Vale negou as alegações da SEC, “incluindo a alegação de que suas divulgações violaram a lei dos Estados Unidos”. A empresa disse que se “defenderá vigorosamente”. Na conferência de anúncio dos resultados trimestrais da empresa, na manhã de hoje, apenas um analista questionou os executivos da mineradora sobre o processo aberto. “Não concordamos e vamos contestar”, afirmou Gustavo Pimenta, diretor de finanças e relações com investidores da Vale.

Foco no investidor

As 76 páginas da acusação formulada pela SEC bebem do trabalho feito anteriormente pelo Ministério Público de Minas Gerais na denúncia de homicídio qualificado feita à Justiça mineira (o processo foi extinto por decisão do STJ, que decidiu que o tema compete à Justiça Federal). 

Mas a SEC vai além e faz um trabalho de relacionar os achados das investigações com a postura da companhia perante os investidores.

A autarquia lista uma série de comunicações com o mercado, de 2016 até depois do acidente, em janeiro 2019, em que a companhia garantia a segurança das barragens, enquanto as informações internas diziam o contrário.

Em uma apresentação a investidores  em outubro de 2016, por exemplo, a mineradora prestava contas sobre as auditorias conduzidas para assegurar que não havia risco de um desastre como o de Mariana se repetir. A empresa, então, afirmou que o processo de auditoria havia sido “rigoroso” e “conservador” na modelagem sobre o risco de liquefação, com ‘presença de auditores internacionais’ para ‘incorporar a visão de boas práticas no mundo” e concluía que “todas as barragens da Vale no Negócio Minério de Ferro estão seguras”.

“Essas declarações eram falsas e enganosas”, diz a SEC, apontando que o perito em liquefação contratado havia informado que “os dados laboratoriais não eram confiáveis, produziam resultados artificialmente altos e imprecisos, e não deveriam ser usados”, além de uma série de outras irregularidades.

A SEC demonstra ainda que a companhia se beneficiou financeiramente de declarações enganosas sobre a segurança das barragens quando fez uma emissão de dívida de US$ 1 bi em fevereiro de 2017, e quando emitiu ações em agosto do mesmo ano.  “Ao longo do período de tempo relevante, a Vale se beneficiou ao adiar os custos de remediação, até a data do desmoronamento em janeiro de 2019”, afirma a SEC.

Vale notar que a SEC só pede medidas contra a companhia e não contra os executivos, que são tratados de forma anônima na denúncia. Mas a peça atribui responsabilidades específicas a quatro executivos da empresa e, pelos cargos apontados, fica claro que o mais graduado deles é o ex-diretor-executivo de ferrosos e carvão da mineradora, Gerd Peter Poppinga. Fabio Schvartsman, ex-CEO da mineradora, não é citado.

(Atualizada às 13h35)