Por que a fusão de Eneva e Vibra é aposta no gás como combustível de transição

Ideia é conectar o gás da Eneva aos clientes corporativos da Vibra que hoje usam óleo combustível. Papel do gás na transição é polêmico

Por que a fusão de Eneva e Vibra é uma aposta no gás como combustível de transição
A A
A A

A proposta de fusão com a Vibra, lançada hoje pela Eneva, para criar uma das maiores empresas de energia do país, tem duas motivações centrais.

Uma delas – talvez a principal – é de natureza financeira. Enquanto a Vibra é uma companhia geradora de caixa e pagadora de dividendos a partir do seu negócio de distribuição de combustíveis, a Eneva é uma empresa em franco crescimento, que consome recursos para investir nas novas térmicas a gás. 

“Os melhores projetos de térmicas a gás da Eneva têm retorno projetado de 25% a 30% ao ano. Os analistas estimam retorno para a ação da empresa de 15% ao ano. Ou seja, para o acionista de Vibra, é muito melhor alocar caixa nos projetos da Eneva do que receber dividendos”, raciocina um acionista da Eneva. “Além disso, o negócio de distribuição de combustíveis e postos de gasolina da Vibra é finito, tem data de validade.”

A outra motivação é que a Eneva tem descoberto reservas de gás natural a torto e a direito, enquanto a Vibra tem uma carteira consolidada de clientes corporativos que consomem muito óleo combustível. “A transição para energia limpa no Brasil passa pelo gás natural, que é muito barato no país, e muito menos poluente que outras fontes fósseis”, diz o mesmo acionista.

Por esse raciocínio, seria enorme o potencial da empresa resultante de desenhar a transição energética de clientes corporativos, especialmente no Nordeste do país, usando o gás como ponte entre o óleo combustível e fontes renováveis que ainda não estão disponíveis em escala ou têm um custo mais alto, como o hidrogênio verde, biodiesel e outros.

Enquanto para a Eneva é mais difícil fazer essa venda corporativa diretamente, a Vibra conta com relação de longa data com os clientes para garantir a confiabilidade da oferta. Encontrar uma forma de distribuir sua crescente produção de gás também ajuda a desanuviar o cenário da Eneva, que vem sendo pressionada por analistas por conta da demanda limitada pelas térmicas a gás num cenário de reservatórios cheios nas hidrelétricas (algo que até mudou um pouco com a recente onda de calor que levou a picos de consumo de energia e à entrada das térmicas no sistema).

A tese do gás natural como combustível de transição, no entanto, está longe de estar pacificada. Especialmente ambientalistas argumentam que não faria sentido o Brasil investir pesadamente na extração e distribuição do gás, que também é um combustível fóssil, quando o mundo corre contra o relógio da descarbonização. 

“Essa é uma visão radical e até certo ponto elitista, que não considera o fato de que precisamos de fontes de energia baratas no país, sob risco de comprometer a inclusão de pessoas que escaparam da linha da pobreza”, argumenta uma pessoa próxima ao negócio.

Governança

A ideia da fusão nasceu na gestora de recursos Dynamo, que tem cerca de 10% do capital de cada uma das empresas. A gestora já havia sido uma das arquitetas da proposta de posicionar a Vibra como um negócio de transição energética.

Foi a casa carioca que levou a ideia aos maiores acionistas da Eneva, a Cambuhy Investimentos, da família Moreira Salles, e o banco BTG Pactual. 

Mas, depois de ventilar a tese e fazer a aproximação inicial, a condução das conversas ficou por conta de Cambuhy e BTG. A Dynamo tomou conhecimento dos termos da oferta pelo comunicado de fato relevante divulgado pela Eneva na madrugada de hoje.

Dentro da Eneva, o negócio conseguiu alinhar os interesses de BTG e Cambuhy, que têm divergido sobre os rumos estratégicos da companhia. A proposta foi aprovada por unanimidade no conselho.

Agora a bola está principalmente nas mãos do conselho de administração da Vibra, que terá que avaliar os méritos da proposta.

A oferta não foi uma surpresa. Nos últimos meses, tanto BTG quanto Cambuhy abordaram conselheiros da Vibra, que tem capital pulverizado, para discutir o interesse na proposta. Assim, existem boas chances de o negócio se consumar.

No entanto, não sem antes haver uma negociação em torno de preço. Pela proposta, a Eneva seria incorporada pela Vibra, por meio de uma troca de ações que avalia as duas empresas igualmente. Ou seja, a Eneva propõe uma “fusão entre iguais”, em que os acionistas de cada uma das duas empresas ficariam com 50% da companhia resultante.

Acontece que, hoje, na bolsa, a Eneva vale cerca de R$ 20 bi, enquanto a Vibra está em R$ 25 bi.  

“A relação de troca das ações é agressiva. Os acionistas da Vibra devem reagir e deve haver uma negociação para modificar os termos”, diz um acionista da Vibra.

Na companhia resultante, o BTG será um grande acionista, com algo entre 14% e 20% do capital (caso os acionistas também aprovem a proposta de que a nova empresa incorpore térmicas a gás do banco). A Dynamo seria a segunda maior, com 10%. Sergio Rial, hoje presidente do conselho da Vibra, seria escalado para chairman da empresa resultante.