Uma está no setor de bens de consumo e se lançou numa escalada global nos últimos anos. Outra é produtora e exportadora de commodity e uma das líderes mundiais em seu mercado.
Completamente apartadas em seus negócios, Natura e Suzano têm algo muito particular que as une: são duas das principais referências da bolsa brasileira quando o assunto é sustentabilidade.
Algo quente num mundo em que o ESG invadiu o mainstream.
Nas últimas semanas, ambas testaram seu apelo verde na prática ao protagonizar duas ofertas de ações bilionárias num mercado para lá de azedo. O resultado não decepcionou.
Ontem, já tarde da noite, a Natura conseguiu colocar a totalidade das novas ações que pretendia vender, equivalentes a 9% do seu capital, apesar da volatilidade do mercado, de ter feito uma outra oferta apenas poucos meses antes e do preço do papel estar próximo do seu pico histórico.
A operação foi mais de três vezes ‘oversubscribed’ e a empresa levantou R$ 5,6 bilhões. O papel saiu a R$ 46,25, pouco abaixo do fechamento de ontem, a R$ 47, e quase 10% abaixo do preço em 30 de setembro, véspera do anúncio da oferta.
Uma semana antes, a demanda obtida pelos papéis da Suzano, vendidos pela BNDESPar, também foi de três vezes o ofertado. O braço de participações do banco de fomento arrecadou R$ 6,9 bilhões por 11% do capital da fabricante de papel e celulose.
Nos dois casos, as empresas usaram a estratégia de ressaltar seus atributos ESG para capturar o investidor antenado com o movimento.
São piscinas de recursos em expansão.
Além dos fundos dedicados, mais nichados, cresce o número de fundos globais de ações que incluem em seus regulamentos a obrigatoriedade de alocar parte do patrimônio em ativos sustentáveis. E outros tantos que já aplicam filtros negativos para banir companhias envolvidas em controvérsias ambientais, sociais ou de governança.
“Uma vez que o BNDES escolheu os bancos, fomos até eles e pedimos que queríamos investidores de longo prazo e com viés ESG”, diz o CFO da Suzano, Marcelo Bacci, citando ainda como meta a intenção de elevar a liquidez das ADRs da companhia. O JP Morgan foi o coordenador líder, e o sindicato incluiu também Itaú BBA, Bank of America, XP Investimentos e Bradesco BBI.
Bacci conta que, em 60% dos 100 encontros individuais da companhia com investidores, boa parte do tempo foi dedicada a discutir aspectos ESG do negócio. “E em 15 a 20 dessas reuniões, o ESG foi o tema principal.”
Ele diz que isso seria algo impensável anos atrás. Em 2012, quando a empresa havia feito uma oferta de ações pela última vez, ESG nem sequer fez parte da pauta das conversas.
“Tem fundos especialistas, mas a maioria hoje são fundos tradicionais que agregam o ESG como mais um fator de análise dos ativos.”
No caso da Natura, em que a oferta era primária, a prioridade foi assegurar os recursos para reduzir a alavancagem e investir. “Com um mercado volátil e poucos meses depois de uma oferta privada, atrair investidores ESG era um desejo, mas não foi o principal driver”, diz um banqueiro envolvido na oferta.
O Morgan Stanley foi o coordenador líder e o sindicato incluiu ainda Bank of America, Bradesco BBI, Citigroup e Itaú BBA.
Água quentinha
A vantagem buscada por Natura e Suzano é clara: os investidores com viés ESG têm um olhar voltado para o longo prazo e são menos preocupados com a performance trimestral das companhias. Por isso, trazem mais resiliência à base acionária das empresas.
Ou seja, na nova piscina de recursos, a água é quentinha.
“Existe a possibilidade de alavancar os múltiplos de negociação da empresa com mais investidores ESG na base acionária. É um investidor mais fiel”, diz Marcio Correia, gestor de renda variável da JGP.
A asset carioca, que tem feito uma forte integração ESG em suas análises de investimento, tem Natura como a maior posição em todos os seus fundos de ações.
Correia não comenta, mas, em maio, quando a Natura fez uma oferta privada de R$ 2 bilhões, a JGP ancorou a operação.
Agora, durante o roadshow da oferta, a companhia tentou demonstrar aos investidores que seus atributos ESG superam o de suas pares como Estée Lauder, Oriflame e L’Oreal, que negociam a múltiplos mais altos.
Correia diz que a companhia já manifestava a intenção de atrair mais investidores ESG anteriormente, mas que esses resistiam por conta de três fatores principalmente: a elevada alavancagem da empresa, a falta de liquidez dos ADRs e uma certa descrença em relação ao modelo de venda direta.
A oferta encerrada ontem ajudou a mitigar tais questões ao elevar a liquidez dos papéis em Nova York e permitir o pré-pagamento de uma dívida bastante cara de US$ 1,1 bilhão da Avon e também o investimento em tecnologia para acelerar a estratégia de ‘social selling’ (a venda via redes sociais), que deslanchou na pandemia.
(Crédito da foto: Jubéo Hernandez/Unsplash)