OPINIÃO: ESG e o mercado acionário brasileiro — é hora de mudar de atitude

O mercado brasileiro está quase duas vezes mais exposto a riscos setoriais de ESG do que o Índice de Mercados Emergentes MSCI, escrevem Félix Boudreault e Roberto Attuch Jr.

OPINIÃO: ESG e o mercado acionário brasileiro — é hora de mudar de atitude
A A

ESG é provavelmente o acrônimo mais usado no mundo dos investimentos atualmente. Embora as considerações sociais e de governança sejam de grande importância, o mercado acionário brasileiro está cada vez mais exposto a riscos ambientais, tanto do ponto de vista macroeconômico como também no nível das empresas.

As preocupações não são apenas teóricas. Investidores nacionais e estrangeiros vêm chamando a atenção  para o grande aumento na tendência de desmatamento, combinada com relatos do desmantelamento das políticas ambientais e de direitos humanos, que estão criando incerteza generalizada sobre as condições para se investir no Brasil.

Para a União Europeia, o segundo maior parceiro comercial do Brasil e um enorme importador de soja e carne bovina — que impulsionam o desmatamento —, essas questões podem complicar a ratificação do acordo de livre comércio UE-Mercosul.

Os parlamentos austríaco, valão e holandês já rejeitaram o acordo do Mercosul em sua forma atual, e os mais altos representantes políticos da França e da Irlanda o criticaram expressamente.

Além disso, devido à estrutura intrínseca da economia brasileira, espera-se que estes riscos aumentem à medida que as mudanças climáticas assumam seu peso com eventos climáticos mais extremos, como secas e enchentes.

De acordo com o Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment da London School of Economics (LSE), o Brasil e a Argentina são os países do G20 mais expostos ao endurecimento das políticas climáticas e anti desmatamento nos próximos dez anos devido a sua dependência de commodities agrícolas, como soja e criação de gado, que dependem do capital natural para sua produção.

Mas mesmo os riscos macro estão começando a se refletir no nível da empresa devido à composição dos índices locais. Nos últimos anos, a América Latina já perdeu muito terreno para a Ásia nos índices de Mercados Emergentes Globais, devido à dependência dos setores de  recursos naturais e à falta de grandes empresas de tecnologia.

De fato, nossa análise mostra que o mercado acionário brasileiro está quase duas vezes mais exposto a riscos setoriais de ESG do que o Índice de Mercados Emergentes MSCI. Aos números: 62% da capitalização de mercado do IBX100 está em setores com maiores riscos de ESG, tais como mineração, O&G, agronegócios, indústrias manufatureiras, contra vs. 35% do Índice de Mercados Emergentes MSCI.

No futuro, acreditamos que as empresas correm dois tipos de riscos. Os modelos de negócios de algumas empresas serão desafiados pelos gostos e principalmente valores das novas gerações (produtores de carne, fast fashion, autopeças, entre outros).

Além disso, algumas empresas podem enfrentar enormes passivos fora do balanço devido ao aperto das regras ambientais e à internalização de externalidades não-financeiras, como poluição e impactos sociais. 

Por exemplo, mercado de créditos de carbono continua sendo o mecanismo preferido para internalizar os custos sociais representados pela emissão de gases de efeito estufa. De acordo com o Banco Mundial, existem mais de 60 esquemas de precificação  de carbono no mundo inteiro, cobrindo cerca de um quarto da população mundial.

Os países europeus estão até mesmo discutindo a imposição de tarifas sobre as importações provenientes de países que não tributam a emissão de gases de efeito estufa, como o Brasil. Para uma economia intensiva em carbono como a brasileira, as consequências financeiras podem ser importantes.

Investidores sofisticados estão calculando cada vez mais um preço-sombra de carbono ao analisar o valor de uma empresa, portanto é definitivamente do interesse de cada empresa revelar aos seus investidores e consumidores como ela planeja administrar esse risco. Por exemplo, uma empresa poderia participar do mercado voluntário de compensação de carbono enquanto elabora seu plano de longo prazo de mitigação de GEE. 

A Petrobras, por exemplo, emite 60 milhões de toneladas de CO2 equivalente anualmente (considerando apenas o escopo 1, ou seja, suas emissões diretas). Neste momento, a Petrobras poderia compensar e neutralizar suas emissões por provavelmente US$ 180 milhões, e US$ 540 milhões nos próximos 3 anos.

Se a Petrobras estivesse em um mercado regulado, isto poderia custar à empresa até 10x mais, ou US$ 1,8 bilhão por ano. Isso representa um Valor Presente Líquido (VPL) de US$ 20 bilhões ou 40% do valor de mercado da empresa, segundo estimativas da Moss, uma fintech que atua no mercado de créditos de carbono.

Os riscos do ESG para certos setores como mineração ou petróleo e gás são simples de entender, mas o setor de serviços, e em particular o setor financeiro, têm estado cada vez mais no centro das atenções. Mark Carney, o governador em fim de mandato do Banco da Inglaterra, tem sido bastante enfático sobre o papel do setor bancário para enfrentar as mudanças climáticas.

Ele aponta que os bancos podem ser forçados a levantar capital para fazer face a perdas por desastres naturais ou inundação de propriedades costeiras. As várias campanhas de desinvestimento lideradas por investidores também estão pressionando instituições financeiras para que cortem o financiamento a indústrias que prejudicam o meio ambiente, o que pode ter consequências importantes em uma economia baseada em recursos naturais como o Brasil.

Apesar do quadro sombrio que pintamos até agora neste texto, nem tudo está perdido e nunca é tarde demais para as empresas brasileiras agirem e mostrarem alguma liderança sobre o assunto.

O que está claro é que as empresas não devem esperar que o governo as ajude em sua busca para se tornarem mais sustentáveis. Pelo contrário, elas precisam tomar o assunto em suas próprias mãos e provar aos seus consumidores e investidores que estão levando a sério os riscos de ESG.

Uma maneira de ser proativo é começar imediatamente a participar de esquemas de compensação de carbono e também fornecer um caminho com metas claras em direção a neutralidade de carbono.

O mercado pode ser paciente com as empresas que demonstram boa vontade e são sérias em enfrentar os desafios do amanhã. As empresas que agirem desta forma negociarão a um prêmio em relação a seus pares, diminuindo assim seu custo de capital.

* Félix Boudreault é analista da ESG na Omninvest, sub-advisor da Fram Capital em um fundo de ações brasileiro de ESG, e co-fundador da Sustainable Market Strategies, empresa de pesquisa independente em ESG.

* Roberto Attuch Jr. possui 25 anos de experiência  no mercado de renda variável da América Latina (Credit Suisse e Barclays). Atualmente CEO e fundador da Omninvest, é mestre em gestão de riscos pela NYU e possui diploma em governança corporativa pelo Insead.

(A versão em inglês do artigo pode ser lida aqui.)