Onda verde chega aos ‘IPOs de cheque em branco’, a sensação de Wall Street

Ao menos três Spacs estão buscando US$ 1 bilhão para investir em histórias de ‘turnaround ESG’ e em mudança climática

Onda verde chega aos ‘IPOs de cheque em branco’, a sensação de Wall Street
A A
A A

Depois de toda sorte de produtos financeiros com pegada verde ou social, de financiamentos a fundos, agora a onda sustentável bateu também na grande sensação do mercado financeiro americano desta temporada, as chamadas Spacs.

As Spacs são empresas criadas com o propósito específico de fazer aquisições de outros negócios. Elas fazem uma abertura de capital em bolsa, captam o dinheiro dos investidores com o único compromisso de ir às compras futuramente. É o chamado IPO de cheque em branco.

Até agora, quase US$ 40 bilhões já foram levantados via Spacs em 99 operações neste ano em Wall Street, inclusive de brasileiros.

A novidade é que, nas últimas semanas, começaram a proliferar os Spacs verdes. São pelo menos três até o momento, que juntos pretendem levantar cerca de US$ 1 bilhão para objetivos variados, mas todos ligados à sustentabilidade.

Na segunda-feira, a Bridges, uma grande gestora de investimentos de impacto do Reino Unido, e o private equity  AEA Investors colocaram na rua um Spac sustentável que busca levantar US $ 400 milhões. A intenção é comprar negócios que se alinhem aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

E a Bridges e a AEA não querem só os ativos de primeira classe. Querem também empresas com histórico ruim de sustentabilidade para promover uma espécie de ‘turnaround ESG’.

É a mesma lógica de um Spac de US$ 350 milhões lançado neste mês pelo TPG, de private equity: buscar negócios com qualidades ESG que possam ser aprimoradas.

Também no início do mês, outro Spac de US$ 200 milhões entrou em road show com a meta de investir em negócios que ajudem a combater as mudanças climáticas.

Esse tem por trás David Crane, ex-presidente-executivo da produtora de energia NRG Energy. A ideia é, em parceria com fundos da Pimco, buscar empresas no segmento de energia renovável e oportunidades de eficiência energética, além de tecnologias de captura, utilização e armazenamento de carbono.

Os investidores verdes e de impacto devem observar essa nova onda com especial atenção, justamente porque quem comprar ações dessas Spacs estará entregando dinheiro a empresas que sequer existem fora do papel e sem saber ao certo qual será o destino do dinheiro.

Ao mesmo tempo, o próprio instrumento está sob escrutínio, com muitos críticos enxergando nesse conceito de cheque em branco um evidente sinal de uma bolha de ativos financeiros.

Os quase US$ 40 bilhões levantados neste ano via IPOs de Spacs representam o triplo do volume captado no ano de 2019 inteiro. Foram 99 operações, ante 59 no ano passado. O tiquete médio por Spac também subiu, de US$ 230 milhões para US$ 395 milhões.

O caso Nikola 

Foi uma Spac que trouxe para a Nasdaq em maio deste ano, a Nikola, de caminhões elétricos movidos a hidrogênio, que rapidamente se tornou um papel tão badalado quanto controverso. 

Tida como a Tesla dos caminhões, a empresa chegou a valer US$ 25 bilhões, mais que a Ford nos primeiros meses após a negociação, mesmo sem ter um real de receita — mas um ceticismo em relação aos planos levou o valor a cair pela metade mais recentemente. 

Neste mês, a General Motors comprou uma fatia de 11% na companhia, por US$ 2 bilhões, dando algum peso institucional ao modelo de negócios da Nikola. 

Mas, dois dias depois, um relatório produzido pela Hindenburg Research, especializada em pesquisa financeira forense, publicou um dossiê que sinaliza que a empresa pode ser uma fraude. 

O argumento é que a ‘bateria revolucionária’ para caminhões nunca passou de um plano, o que seria reforçado pelo fato de que a Nikola deve usar uma bateria produzida pela própria GM num modelo a ser produzido pela própria montadora. 

Outra denúncia é que a Nikola manipulou um veículo que mostra um caminhão em atividade, que, na verdade, teria sido guinchada até o topo de uma colina para ser filmado na descida, movendo-se apenas pelo efeito da gravidade. 

A SEC abriu uma investigação para averiguar as denúncias. 

A empresa reconhece que o caminhão não tinha bateria, mas diz que nunca alegou que ele se movia por força própria. A Nikola afirma estar desenvolvendo uma bateria de célula de hidrogênio, mas que o seu ‘core business’ serão as estações de abastecimento de hidrogênio necessárias para movimentar a frota de caminhões elétricos.