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Natura quer ter toda a sua dívida atrelada a metas socioambientais

Em encontro com investidores e analistas, companhia também apresentou como pretende crescer com foco em rentabilidade nas operações na América Latina

Natura quer ter toda a sua dívida atrelada a metas socioambientais

A Natura tem planos para que toda a sua dívida seja atrelada a metas de sustentabilidade. “A partir de agora não faremos nenhuma emissão [de dívida] que não esteja conectada a algum indicador socioambiental”, disse Silvia Vilas Boas, CFO da empresa.

Hoje, a dívida da Natura gira em torno de R$ 6,8 bilhões. Segundo a executiva, 60% já tem componentes socioambientais. A meta é chegar a 100%. 

“Ter os nossos instrumentos financeiros atrelados a indicadores socioambientais é algo natural dado o modelo de negócios da Natura, que vai além do impacto financeiro e tem foco na geração de valor econômico”, disse a CFO a jornalistas, após o Investor Day da companhia, que reuniu cerca de 100 analistas e investidores em sua fábrica em Cajamar, em São Paulo, nesta segunda-feira (30).

Essa meta, porém, não é de curto prazo, uma vez que a empresa não tem necessidade de captação imediata. O plano é voltar ao mercado quando precisar fazer um pagamento mais relevante da dívida atual, o que acontece a partir de 2028. 

“Estamos com um perfil de alavancagem muito saudável. Então, no curto prazo, não há necessidade de fazer novas emissões”, disse Vilas Boas. 

A relação entre a dívida líquida e o resultado operacional (medido pela Ebitda) hoje é de 1,5 vez, patamar no qual a companhia quer se manter – quanto menor essa relação, melhor. Ele é significativamente mais baixo que os 3,47 vezes de 2022, antes de vender ativos de marcas internacionais de produtos de beleza (Aesop e The Body Shop) para reduzir a dívida e fazer caixa. 

Dívida verde

O primeiro benefício dessa estratégia é o de custo. A companhia de cosméticos emitiu R$ 1,3 bilhão em títulos do tipo sustainability-linked bonds (SLBs, na sigla em inglês) no ano passado. Segundo a CFO, a companhia conseguiu um custo mais competitivo de mercado: taxa de juros equivalente a CDI mais 1,2%, um spread 25% abaixo da média da companhia para operações similares. 

Os recursos levantados não têm um destino carimbado, mas a companhia precisa cumprir metas atreladas à biodiversidade da Amazônia. À época, a empresa usava 44 ingredientes da floresta, como ucuuba, andiroba, patauá e castanhas, e se comprometeu a aumentar o número para 47 e 49 até o fim de 2026 e 2027, respectivamente. 

Caso não atinja as metas, a Natura arca com uma penalização nos custos de crédito: um adicional de 0,15% ao ano na primeira verificação e 0,30% ao ano na segunda. 

Esse custo menor, porém, ainda é uma exceção. “Hoje, o mercado ainda não precifica os instrumentos socioambientais com um custo diferente. Essa é a realidade e o mercado precisa mudar isso”, afirma Vilas Boas. 

Segundo ela, não é possível estimular a transição dos modelos de negócios com o mesmo custo de capital. “A taxa de juros no Brasil, alta como está, inviabiliza que outras empresas embarquem nessa jornada. Os mercados financeiro e de capitais precisam começar a precificar diferente para poder estimular a transição.”

Outro benefício de emitir dívida ligada a objetivos socioambientais é a atração de investidores de referência. A emissão dos títulos no ano passado contou com o investimento da International Finance Corporation (IFC), que integra o Grupo Banco Mundial, e do BID Invest, braço do Banco Interamericano de Desenvolvimento voltado para o setor privado, com aportes de R$ 300 milhões e R$ 200 milhões, respectivamente. 

Antes disso, em 2021, a companhia captou US$ 1 bilhão no mercado internacional com uma emissão de dívida atrelada a outras duas metas sustentáveis: reduzir a intensidade de emissões de gases de efeito-estufa em 13% até 2026 e que o uso de plástico reciclado pós-consumo nas suas embalagens alcance pelo menos 25% na mesma data. 

Foco na rentabilidade

Com toda a alta liderança da companhia reunida, o foco do encontro foi mostrar os planos da Natura para “destravar valor”. 

Os resultados sofreram com a perda de receita e margem nos últimos anos com a estratégia de expansão internacional baseada em aquisições, o que se refletiu na queda brusca das ações.

Desde 2022, a missão tem sido o caminho inverso: encolher a holding guarda-chuva de participações, vender ativos, reduzir a dívida e fazer caixa. Em resumo: revisitar e, em grande medida, desmontar muito do que foi construído desde 2013, quando a Natura fez sua primeira compra de marca internacional.

Com a reestruturação, a companhia voltou a focar nas operações da América Latina. “A gente se perdeu um pouco, mas estamos de volta”, disse João Paulo Ferreira, CEO da Natura. Segundo ele, a companhia deixou de olhar para as estrelas e está com a atenção de volta para as suas raízes. E vivendo, nas suas palavras, os últimos capítulos de um período turbulento, mas de aprendizados. O principal deles? Ser mais criterioso na alocação de capital.

Segundo Ferreira, existe espaço de crescimento das operações sem que sejam necessários novos investimentos. Para o segundo semestre, o foco é terminar a integração das operações da Avon e da Natura no México e Argentina, responsáveis por 70% das receitas da companhia na América Latina, excluindo o Brasil. Os outros 30% estão no Chile, Colômbia e Peru, onde as duas marcas já estão operando juntas. 

Com tudo integrado, o plano é crescer organicamente com a venda direta por meio do exército de consultoras, cuja produtividade vem crescendo com a Emanapay, plataforma financeira para oferta de meios de pagamento e crédito da própria Natura. A fintech tem 1,2 milhão de contas abertas e atingiu o break even (quando a receita cobre os custos) em 2,5 anos.

Os planos de crescimento contam ainda com o aumento de canais de vendas (e-commerce, lojas próprias e franqueadas e marketplaces), expansão da participação de mercado em geografias como o México e em categorias sub exploradas (como a de produtos para cabelos). 

“Enfim, há muitas oportunidades de crescimento com ativos já existentes. Mas o que vai dizer como seremos classificados é a nossa habilidade de executar e de capturar valor nesses ativos”, resumiu o CEO.