Natura &Co: Os desafios e as reflexões da referência em ESG

O CEO global, Roberto Marques, diz que empresa ainda não tem todas as respostas para as metas de 2030, mas que ambição cria inovação

Natura &Co: Os desafios e as reflexões da referência em ESG
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Uma das primeiras empresas a trazer a questão da sustentabilidade para o centro do negócio, a Natura &Co é considerada referência em ESG.

Não só no Brasil, onde é pioneira na agenda, mas também lá fora, onde figura como maior companhia listada em bolsa do mundo a contar com o selo de Empresa B, aquelas que se propõem a aliar o lucro a um impacto socioambiental positivo.

Mas, até para os líderes, encarar de frente a complexidade das questões sociais e ambientais está longe de ser uma tarefa fácil. 

Por isso, fugir da aura de perfeição e falar principalmente das dificuldades da vida real foi a proposta do Reset ao CEO do grupo Natura &Co, Roberto Marques. 

Um ano atrás, logo depois de incorporar a Avon como sua quarta marca de cosméticos, ao lado de Aesop, The Body Shop e, claro, Natura, o grupo anunciou um ambicioso conjunto de compromissos socioambientais de longo prazo, a serem atingidos até 2030.

Entre eles, se tornar net zero em emissão de CO2, usar 100% de embalagens reutilizáveis recicláveis ou compostáveis e garantir 30% de participação de grupos sub representados em sua liderança. Na semana passada, a companhia fez um balanço do primeiro ano da trilha para chegar lá.

“Muita gente me pergunta: ‘Vocês sabem exatamente o que vai precisar acontecer para chegar nos objetivos estabelecidos para 2030’. E a resposta muito simples é: ‘não”, diz eles. “Mas colocar esses objetivos ambiciosos fomenta e inovação”.

A seguir, os destaques da entrevista: 

A Natura hoje é vista como o exemplo no universo ESG e ocupa uma posição em que costuma ser pouco questionada. Vocês encontram dificuldades? E quais as principais?

Tem muita dificuldade. Num espaço de tempo muito pequeno a Natura saiu de ser uma empresa basicamente brasileira para se tornar um grupo global, com presença em 100 países e quase 40 mil colaboradores. Então, só isso traz um grau de dificuldade imenso, de como você transporta alguns destes conceitos para um grupo agora de quatro negócios, em várias geografias, e que estão em estágios diferentes. 

Não queremos criar uma nova corporação, o mundo não precisa de mais uma empresa grande. A gente quer criar uma empresa com modelo de trabalho diferente, com mais autonomia para as unidades de negócio, mas que ao mesmo tempo crie as interdependências que são importantes. 

E uma delas é relacionada à visão que vem da Natura, o conceito de que os negócios devem ir além dos seus resultados econômicos e a importância de encontrar esse equilíbrio entre desenvolvimento econômico, social e do meio-ambiente. A Natura está muito mais adiantada em alguns aspectos do que outros negócios do grupo, mas esses objetivos que são absolutamente ambiciosos se aplicam a todos os negócios. E esse talvez seja o nosso maior desafio.

Avon seria onde vocês têm mais gaps, pela natureza da operação e perfil da empresa?

Depende do indicador. Não é muito óbvio para todo mundo, mas o tamanho da Avon é desproporcionalmente maior que a Natura do ponto de vista de volume. Não só porque ela está presente em mais países, mas porque são produtos mais de massa do que as outras marcas, e os volumes que produz são muito superiores. 

Então, quando falamos em redução de plástico e circularidade de embalagens, o desafio para a Avon é muito maior. Mas a própria Aesop e The Body Shop têm grandes desafios na redução de carbono. 

A gente precisa e está construindo agora uma base mais sólida de dados, em parceria com a Carbon Trust, que vai nos dar uma leitura muito mais objetiva de onde estamos, para poder atuar nos escopos 1, 2 e 3. Onde o escopo 3 tem uma importância muito maior nesse nosso objetivo. 

Nosso cálculo é que as emissões indiretas sejam mais ou menos entre 18 e 19 vezes maiores que as diretas. Então, coisas como embalagens, ingredientes, parte de impressão de material e transporte, talvez sejam as áreas mais críticas que a gente precisa resolver para chegar ao objetivo de meta de carbono, de emissão zero.

Você pode explicar a ambição do grupo de ser net zero até 2030? A ideia é zerar completamente as emissões ou tem coisa que não vai dar para zerar? Do que estamos falando exatamente?

A própria definição do que é emissão zero de carbono não está totalmente clara. A gente espera que na COP 26 o mundo possa convergir para um melhor entendimento do que é isso exatamente. O nosso entendimento, que está muito parecido com o de outras companhias como a Unilever, é que você realmente reduza a emissão o máximo que possa e talvez ainda vá sobrar algum resíduo de emissão que você tem que compensar. 

Mas para nós é muito claro que emissão zero é diferente de carbono neutro. A Natura, por exemplo, já é carbono neutra desde 2007. Aqui nós não estamos falando apenas de neutralidade. Estamos falando de emissão zero ou próxima de zero, com algum tipo de compensação residual que ainda possa existir e em coisas que provavelmente, quando a gente chegar em 2030, ainda não existam soluções possíveis.

Dentro dessa meta, onde está a maior dificuldade para reduzir o máximo?

Na parte de matéria-prima, ingredientes, temos avançado bastante. Temos condição —  obviamente trabalhando em toda a nossa cadeia de fornecedores, parceiros, com as próprias comunidades — de chegar lá. 

A parte de embalagem é um desafio. Principalmente quando falamos em ser totalmente reusável, reciclável. Tem um lado importante de tecnologia e inovação, mas tem uma outra parte muito importante de uso do próprio cliente. Como usar refil, como passar a usar produtos em que você elimine o plástico como embalagem primária? 

A gente vem começando a trabalhar o conceito de que o cliente é um cidadão também. Toda a parte de educação do por que estamos trazendo um refil, por que estamos trazendo um produto que talvez seja menos óbvio para ele, como um shampoo sólido. Ter essa explicação do impacto que isso tem no meio ambiente passa a ser absolutamente fundamental. 

E outro desafio é a parte de transporte. Tem, obviamente, toda a mudança para transporte com energia elétrica, mas para o transporte aéreo ainda não existe uma solução muito clara. Tem algumas das áreas sobre as quais temos mais controle, outras onde a gente absolutamente depende de inovações que venham da cadeia de parceiros fornecedores e outras de uma conscientização da própria sociedade, do cliente final.

Ficou claro no evento de atualização das metas que a inclusão de mulheres vai bem, inclusive no aspecto de gap salarial e de mulheres na liderança. Mas a meta de ter 30% de grupos sub representados na liderança parece ser mais complicada. Quais as barreiras e como resolvê-las?

Primeiro precisamos reconhecer que temos um longo caminho a percorrer do ponto de vista racial. E eu digo o seguinte: a gente pode pegar a estatística que quiser, mas a gente está sempre no Zoom, o dia inteiro em reuniões, e eu não vejo nas telas essa diversidade racial ainda. 

Quais são os desafios? Primeiro, ter dados, para entender a representatividade em cada um dos países em que a gente opera. Vou te dar um exemplo que aprendemos recentemente. No Reino Unido, a gente achava que 100% da população era anglo-saxônica e não é. É 85%. Tem ainda 15% que não são. Precisamos ter esses dados e eles não são fáceis, porque tem todo um desafio de privacidade. A gente tem buscado como conseguir esses dados sem violar os direitos dos colaboradores. 

O segundo desafio é que precisamos fazer um esforço mais intencional. A gente começa a fazer isso com programas de recrutamento, onde o objetivo é que 50% do recrutamento aconteça com populações sub representadas, principalmente a negra. Mas é um trabalho que vai aparecer em um, dois anos? Provavelmente, não. Porque tem um trabalho de desenvolvimento também desses talentos. 

Temos que colocar planos bastante objetivos de como endereçar. Planos de recrutamento, desenvolvimento e também de promoção. Obviamente, vamos promover por mérito, mas precisamos criar as condições para chegar a essa representatividade que estamos nos propondo a alcançar nos cargos de gerência para cima.

Cabe à empresa fechar o gap do desenvolvimento profissional?

Eu acho que sim. Durante muito tempo, o próprio recrutamento já beneficiava perfis de escolas que acabavam criando exclusão. Se falar que vou recrutar administradores da GV e do Insper, já criei uma base menor de possibilidade de trazer a diversidade ao processo. Estamos quebrando essas barreiras. 

Na Natura tem um programa de estágio em que não é preciso ter a faculdade para ser recrutado. Quanto mais a gente abrir essas portas, maior a chance de ter talentos que venham e se desenvolvam dentro da empresa. Eu acredito muito que as empresas têm, sim, o papel de desenvolver os seus talentos. Óbvio que a formação acadêmica é importante, mas acaba criando um funil. Se você se mantiver nesse funil, não vai conseguir atingir a diversidade.

ESG traz resultado financeiro? Já dá para medir isso?

Eu acho que dá. Muita gente me pergunta: ‘Vocês sabem exatamente o que vai precisar acontecer para chegar nesses objetivos em 2030?’ E a resposta muito simples é ‘não’ [risos]. Mas colocar esses objetivos tão ambiciosos fomenta a inovação. 

Ao colocar esses objetivos, de uma maneira bastante inclusiva, com a nossa rede de parceiros, fornecedores, os próprios clientes e as revendedoras, a gente vai trazer inovação para o mercado. E inovação gera resultado. As coisas são muito conectadas. 

É importante porque, sim, nós temos que fazer isso porque não existe um plano B para o mundo. Então tem um lado de quase sobrevivência do mundo e do negócio. Mas tem um lado de trazer melhores resultados. Porque o consumidor final está buscando cada vez mais empresas que se preocupam com isso de verdade, e não só do ponto de vista de narrativa. E ao mesmo tempo fomenta muito o processo inovativo dentro e fora da empresa para buscar essas soluções. 

Você tem visto muitas empresas tentando sustentar isso só na narrativa?

Por um lado, a gente vê de maneira positiva cada vez mais empresas se inserindo nisso. Porque não tem outra forma. Sozinhos não vamos conseguir fazer nada. Se eu quiser ter soluções sustentáveis de embalagem só com uma empresa, não vai acontecer. Eu tenho que trabalhar com a L’Óreal, com a Estée Lauder e com o Boticário. Então, quanto mais empresas se envolverem nesses processos, maiores as chances de chegarmos aos nossos objetivos. Também é muito positivo ter o mercado financeiro apoiando esse tipo de empresa. Lançamos o bond com metas de sustentabilidade que teve uma aceitação incrível, com subscrição quatro vezes maior que a oferta. 

Existe um lado oportunístico, de empresas falando mais do que na verdade trabalhando? Provavelmente. Mas, de novo, acho que é um processo e só de falar e se comprometer já traz algum tipo de ação. Então, vemos de forma positiva e a gente espera que com compromissos sérios e atuações de verdade. 

E a gente espera que mais empresas abram esses resultados de maneira transparente, da mesma maneira que falamos de resultados financeiros a cada trimestre. O que está indo bem e o que não está indo bem. E a gente precisa criar essa mentalidade e essa disciplina no mundo empresarial, de colocar esses indicadores, de carbono, de inclusão, de circularidade, de maneira tão transparente quanto os resultados financeiros.

O grupo Natura tem remuneração variável atrelada à sustentabilidade. Qual o percentual e quais são as suas metas pessoais?

As minhas metas simplesmente somam as metas de todos os negócios. Os percentuais são os mesmos para todos e uma boa notícia é que até o ano passado a sustentabilidade tinha um peso de 20% na remuneração variável de curto prazo e aumentamos para 30% agora. E temos o objetivo de, no ano que vem, atrelar também parte da remuneração de longo prazo, em ações, a metas de sustentabilidade.