
A empresa de cosméticos Natura informou que vai divulgar, de forma antecipada, informações financeiras relacionadas à sustentabilidade conforme as novas normas do International Sustainability Standards Board (ISSB), conhecidas como IFRS S1 e S2.
Entre as cerca de 700 empresas de capital aberto no Brasil, apenas a mineradora Vale, a varejista de moda Renner, a indústria de papel Irani e agora a Natura adotaram o “período de teste” das normas, que passam a ser obrigatórias a partir do exercício de 2026 – com divulgação em 2027.
“Em conversas com o mercado, ouvimos de companhias que devem adotar antecipadamente, mas que estão no processo de entender até o fim do ano o quão prontas estão”, diz Virgínia Nicolau, superintendente de sustentabilidade da B3. “Espero que até dezembro saiam mais comunicados de empresas [aderindo à adoção voluntária].”
Esse novo padrão tenta padronizar a divulgação de informações de sustentabilidade com foco nos investidores. Hoje, companhias abertas já divulgam algumas métricas socioambientais nos seus relatórios integrados, mas não mensuram o quanto a transição climática e outros aspectos ambientais podem trazer de perdas e também de ganhos potenciais para os seus negócios.
As novas regras do ISSB prometem mudar isso. O relatório faz a conexão entre riscos e oportunidades com as demonstrações financeiras, estimando em cifrões impactos no curto, médio e longo prazo. Enquanto a regra S1 diz respeito a informações financeiras relacionadas a sustentabilidade, a regra S2 foca em clima especificamente.
A Vale, a primeira companhia brasileira a divulgar seu reporte, estima que poderá ter custos entre R$ 7 bilhões e R$ 19 bilhões nos próximos anos devido a mecanismos de precificação de carbono, por exemplo. Já a Renner calculou que as oportunidades com o uso de energia renovável e a venda de produtos mais sustentáveis devem ter impacto positivo no seu caixa operacional.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi o primeiro regulador no mundo a adotar as novas normas, em 2023, e, dada a sua complexidade, estabeleceu um período de transição para as novas exigências, com etapas. De forma voluntária, as empresas poderiam fazer a divulgação para os exercícios de 2024 e 2025, como um período teste. A ideia é promover uma curva de aprendizado no mercado.
Mas a adesão foi baixa. Entre os motivos estaria o prazo para que as empresas decidissem se entrariam nesta primeira etapa. Em abril, a CVM adiou a data final de adesão voluntária para o exercício de 2025 (com publicação em 2026) de 31 de maio para 31 de dezembro.
Além disso, o órgão regulador do mercado de capitais decidiu ouvir o mercado sobre as dificuldades que as empresas estão encontrando para se adequar à nova regra. Para isso, lançou uma pesquisa para fazer um diagnóstico da adoção das normas ISSB e, depois, discutir soluções.
Na época, a CVM indicou que poderia rever prazos. Mas agentes de mercado acreditam que o prazo atual é suficiente para as empresas se prepararem.
“Não há espaço para postergação. Muitas empresas já fizeram investimentos em consultoria e treinamentos para se adequarem e a CVM, inclusive, ganhou diversos prêmios por ter sido o primeiro regulador no mundo a exigir a adoção dos novos padrões”, Sebastian Soares, presidente do Ibracon (Instituto de Auditoria Independente do Brasil).
Dificuldade ou cultura?
O novo reporte de informações exige que as áreas financeiras e de sustentabilidade trabalhem juntas.
“Quando a gente fez o processo de escuta do mercado, o que ouvimos é que tinham entendido o que é a norma, mas que esse é um relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade. Quem é profissional de sustentabilidade não necessariamente entende de informação financeira, e quem é do financeiro não costuma entender de sustentabilidade”, conta Nicolau, da B3.
Além dos desafios de adequação, há avaliações de que essa é uma decisão de negócios.
“A gente tem uma cultura mais de aguardar do que sair como front runner nesses assuntos de sustentabilidade”, diz Ana Luci Grizzi, conselheira independente, consultora sênior em clima e natureza e colunista do Reset.
“Tem muita companhia trabalhando em S1 e S2, só houve a decisão de negócio de não ser early adopter e aguardar o período mandatório para fazer essas publicações.” Na avaliação da especialista, é muito mais uma questão de posicionamento no mercado do que uma dificuldade em si das empresas.
Há também o desafio de ser pioneiro e estar sob o escrutínio do mercado antes de seus pares.
“Os primeiros relatórios vão ser alvo de pesquisadores, investidores e especialistas de sustentabilidade. Tem uma insegurança, por mais que a empresa tenha uma boa maturidade de reportes”, diz Nicolau. Ela destaca que esse é um relatório principiológico, não um documento de campo estruturado, com indicadores e diretrizes. “Cada empresa precisa definir o que é material para riscos e oportunidades.”
De forma simplificada, materialidade é uma informação que, se omitida ou errada, pode influenciar a decisão de usuários: investidores, funcionários, comunidades, clientes, fornecedores. A materialidade financeira traz o que é relevante para a empresa expresso em cifras.
Isenção para menores
Empresas menores, porém, poderão ser isentas de apresentar esse novo reporte. Isso porque a CVM criou o programa Fácil (Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens), segmento para companhias de menor porte com regras simplificadas e proporcionais.
Ele é voltado para companhias com faturamento bruto anual inferior a R$ 500 milhões e permite a listagem com regras flexíveis, como a substituição do Formulário de Referência pelo Formulário Fácil; divulgação de resultados em períodos semestrais, em vez de trimestrais; e isenção da apresentação do relatório financeiro de sustentabilidade.
As companhias já listadas que se enquadrem nos requisitos poderão fazer a migração para o Fácil, desde que obtenham a autorização dos acionistas ou credores. Segundo o Ibracon, são cerca de 170 empresas listadas que poderiam se enquadrar.
“Essa medida é benéfica, é um fase in para a aplicação dessa obrigação. O mais interessante é que elas comecem pelas grandes companhias”, avalia Grizzi. Ela destaca que o próprio IFRS prevê o princípio de proporcionalidade e que há um custo de observância.