Governo quer registro central de 'pegada de carbono' de produtos brasileiros

Sistema seria integrado ao mercado de créditos de CO2 e serviria para proteger exportações brasileiras de medidas protecionistas, diz ministro

Ilustração de chaminés de indústria emitindo poluição
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O governo quer que o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), criado pelo decreto de maio que lança as bases para um mercado regulado de carbono, sirva também para dar a pegada de carbono dos produtos fabricados no Brasil. 

A afirmação foi feita hoje pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a empresários durante evento promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham). 

Segundo ele, o sistema servirá de base tanto para o reporte das emissões para um mercado regulado internacional de carbono — estabelecido pelo famoso Artigo 6 do Acordo de Paris, aprovado na última COP e que está sendo desenhado — quanto para “valorizar o nosso diferencial no processo produtivo”.

“Colocamos na nossa central de registro a pegada de carbono. Aí você já tem um dado oficial que o setor vai colocar lá dentro e isso vai servir para romper qualquer protecionismo, bloqueio ou taxa que possa ser colocado sobre produtos brasileiros, porque a pegada de carbono nossa é menor que a da maioria dos países do mundo”, disse o ministro. 

Vem crescendo a pressão internacional para taxar produtos com alta pegada de carbono. No ano passado, a Comissão Europeia divulgou um plano para impor até 2030 um imposto para as importações de produtos de países que não têm o mesmo rigor no enfrentamento das mudanças climáticas. 

Outros países e empresas já vêm tentando barrar a compra de produtos cuja cadeia de produção está associada ao desmatamento. 

O ministro Joaquim Leite não deu detalhes sobre como seria calculada essa pegada de carbono, mas informou que inicialmente o sistema deve se concentrar nas emissões de escopo 1 e 2, que dizem respeito às emissões diretas e da energia usada no processo. 

O escopo 3, que envolve a cadeia de valor e o uso do produto — mais difícil de medir, mas que concentra a maior intensidade das emissões —, ficaria de fora num primeiro momento. 

Leite também não disse como ocorreriam as medições e quem colocaria esses dados no sistema: se as empresas, individualmente, ou o setor. 

Pelo decreto, os setores têm de apresentar até maio suas propostas voluntárias para redução de emissões de gases de efeito estufa a serem validadas pelo governo. 

Isso vem acontecendo via associações. Segundo o ministro, até agora 12 setores apresentaram “memorandos de intenções” para definir suas metas e apontar o caminho para atingir a neutralidade de carbono até 2050. 

Em geral, trata-se de setores que contribuem com soluções para a redução de emissões, como o de reciclagem e de açúcar e álcool. Os setores mais intensivos, como a indústria pesada, que fariam mais diferença para a redução total de emissões do país, ainda não se engajaram.

Obrigatório ou voluntário? 

Apesar de ser considerado um avanço para uma agenda que estava parada há anos, o decreto que regulamentou a Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) trouxe mais dúvidas que certezas. 

Até o momento, para além da central de registro das emissões e dos compromissos voluntários por parte dos setores, há inúmeras incertezas sobre como esse mercado operaria. 

O que está cada vez mais claro é que o plano não é chegar a um sistema de cap-and-trade clássico, como o da União Europeia — o maior e mais longevo do mundo —, em que o governo determina tetos de emissão para os setores mais poluentes e empresas que emitiram menos do que poderiam vendem créditos para aquelas que estouraram seu limite de emissões. 

Hoje, na Amcham, o ministro Joaquim Leite voltou a falar das inúmeras oportunidades do Brasil na geração e exportação de créditos, mas frisou que o mercado não trará obrigações. 

“Esse mercado é criado por uma demanda global já realizada em 2021. Eu não crio por decreto mercado, quem cria são vocês que têm os seus compromissos”, afirmou. 

“As pessoas querem que eu crie um mercado obrigatório, um mercado compulsório para que as empresas reduzam as emissões na velocidade que o governo federal entende certa para cada um dos setores de atividade do Brasil. A chance de dar errado é 100%. A gente criaria um custo Brasil gigantesco e estaria dando um tiro no pé.”

Na apresentação de cerca de 40 minutos, que frisou as vantagens competitivas do Brasil em termos de matriz energética e natureza preservada, não houve uma menção sequer ao tema do desmatamento — de longe, a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa do país.