ENTREVISTA: Covid exige atenção redobrada com remuneração dos executivos

Crise tem potencial de ampliar gap entre o C-Level e demais funcionários, diz Daniela da Costa, gestora de mercados emergentes da holandesa Robeco, referência em ESG

ENTREVISTA: Covid exige atenção redobrada com remuneração dos executivos
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De toda a lista de temas da agenda ambiental, social e de governança (ESG), a remuneração da alta cúpula promete gerar muito barulho nas próximas semanas, quando começar a temporada de assembleias anuais de acionistas.

“Muitas empresas tiveram lucros recordes em 2019 e já anunciaram bônus milionários a seus executivos, com certeza muito merecidos, mas que num momento de crise como este, em que podem ser obrigadas a demitir funcionários, não tem o menor cabimento”, diz Daniela da Costa, gestora de portfólio da Robeco, casa holandesa de fundos de investimento com 173 bilhões de euros de ativos sob gestão e referência no universo ESG, aqueles que aplicam filtros ambientais, sociais e de governança.

“O que nós e nossos pares vamos fazer é votar com bastante rigor em todas as assembleias”, disse em entrevista por vídeo ao Reset, disponível no YouTube.  Ela, que integra a equipe de mercados emergentes e responde pelos investimentos de 3 bilhões de euros feitos no Brasil, manda um recado a investidores individuais: “Se você tem uma ação, vote. Porque os balanços estão fechando e a época de decidir remuneração é agora.”

Em 2019, a Robeco votou contra propostas de remuneração de executivos em 29% das companhias das quais é acionista em mercados emergentes. Como a crise tem o potencial de ampliar ainda mais o gap já existente entre a remuneração do chamado C-Level e a dos demais funcionários, esse percentual pode aumentar.

Mesmo trancada com a família em sua casa em Utrecht, na Holanda, pela quarta semana consecutiva, equilibrando o home office com o preparo das refeições, a limpeza e as atividades escolares à distância dos filhos, Daniela tem sido observadora privilegiada dos impactos da pandemia sobre o universo de empresas e investimentos que seguem diretrizes ESG em suas atividades. E está otimista com o pós-covid.

“A tendência ESG vai se acelerar porque a crise gerou uma série de questionamentos”, avalia. “As empresas começaram proativamente a procurar o bem-estar de clientes e funcionários.”

Empresas que já tinham a sustentabilidade na veia e possuíam grupos atuantes de apoio aos empregados e consultorias de saúde estão se saindo melhor no gerenciamento da crise. Mas mesmo aquelas que não tinham a cultura ESG, estão “fazendo o dever de casa”.

Na semana passada a Robeco assinou junto a outros 174 casas de investimento globais um documento que faz recomendações de boa conduta na pandemia às empresas investidas, como manter os funcionários e ter políticas de capital mais prudentes, evitando recompras de ações e grandes distribuições de dividendos.

Muitos estudos têm mostrado a resiliência de investimentos ESG na comparação com fundos tradicionais. Na Robeco, a estrela é o fundo Global Sustainable, que compra ações no mundo todo segundo critérios de sustentabilidade. No ano até agora o fundo cai 13%, mas supera o benchmark MSCI Global Shares em 600 pontos-base.

Daniela vê boas chances de o Brasil acelerar a agenda ESG no pós-pandemia.  “Se a gente vai levar alguma coisa positiva desta crise é que as empresas estão acordando para isso. ESG é exatamente o que está se fazendo agora, se preocupar com o coletivo e não somente o individual.”

Mas tirar o atraso não será trivial. Depois que ficou gritante a queda das emissões globais de carbono durante o shutdown, nos países da Europa e mesmo nos Estados Unidos estão sendo discutidas políticas de incentivo que preveem a possibilidade de acelerar projetos verdes.  “Isso obviamente não está sendo discutido no Brasil, onde as empresas não sabem nem reportar ESG ainda.”

A Robeco tem participado das discussões sobre padronização dos relatórios de sustentabilidade das companhias abertas do Brasil junto à B3 e entidades de acionistas e companhias abertas e defende que o país não reinvente a roda: “Existem normas globais. Não é recomendável que o Brasil tenha uma norma sua.” Ela cita os critérios da Organização das Nações Unidas e do Principles for Responsible Investment, o PRI.

Daniela lista diversos tipos de engajamento que tem tido no Brasil nas áreas ambiental e de governança, principalmente, mas sem mencionar nomes de empresas. Só quebra a regra quando fala do caso Vale.

Logo depois do rompimento da barragem de Brumadinho, há pouco mais de um ano, a Robeco colocou a mineradora brasileira em sua lista de exclusão. Isso quer dizer que os fundos da gestora que seguem critérios fundamentalistas de análise estão proibidos de comprar ações da Vale ou mesmo dívida. A exceção fica por conta dos produtos que buscam superar índices de ações. Mas a exposição à empresa é imaterial. E deve continuar assim por um bom tempo.

“Vai demorar uns três anos ainda”, diz Daniela. “A empresa precisa descomissionar todas as barragens e estabelecer políticas sérias de sustentabilidade ambiental e segurança no trabalho para termos conforto para reintroduzir suas ações na nossa carteira.”

Nas teleconferências diárias com os colegas de equipe enquanto o escritório da Robeco em Roterdã permanece fechado, Daniela tem sido muito solicitada a explicar a crise política no Brasil. Em especial a posição da presidência da República sobre o combate à pandemia, de confronto com governos estaduais e municipais e na direção contrária às diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ela acredita que o racha ajudou a aumentar a aversão a Brasil entre investidores estrangeiros.

“É muito difícil explicar para quem não é brasileiro por que esse conflito neste momento. É incompreensível. É questão básica de administração de risco, de gerar conforto e segurança para a população, para a comunidade de investimento, para a iniciativa privada. Vai sair mais cedo [da crise] quem estiver unido para combater o problema.”