Um levantamento recente confirmou o que um observador minimamente atento já esperaria: a divulgação de informações ESG pelas empresas listadas na bolsa brasileira têm, em sua maioria, a profundidade de um pires.
A título de ilustração: o segundo item mais reportado e detalhado pelas 96 integrantes do índice IBrX-100 da B3 são ações de filantropia e assistencialismo praticadas pelas empresas, num claro erro de interpretação do que interessa aos investidores saber.
Ao relatar sobre a gestão de riscos socioambientais a que estão expostas, a maior parte das companhias se mostra mais preocupada em informar que cumpre a legislação ambiental do que como gerencia os riscos ESG.
Para melhorar esse quadro e começar a alinhar o padrão de transparência das empresas sobre os aspectos ambientais, sociais e de governança dos seus negócios à crescente demanda de informações por parte dos investidores, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aproveitou a revisão das regras do chamado formulário de referência para subir a barra do relato das informações ESG das empresas listadas.
O formulário de referência é um documento obrigatório entregue anualmente à CVM e oferece um panorama geral da empresa aos investidores, de forma padronizada. A minuta da nova instrução foi colocada em audiência pública nesta semana e fica disponível para comentários de participantes do mercado até 8 de março. As novas regras passarão a valer em 2022.
A primeira grande mudança diz respeito aos fatores de risco a que a empresa está exposta.
No formulário atual, o risco socioambiental é um item genérico entre os fatores que as empresas precisam reportar, o que dá margem a que as companhias escolham informar aquilo que julgam conveniente.
O novo texto é mais específico ao dizer que as empresas devem reportar separadamente os seus riscos sociais, ambientais e, ainda, os riscos climáticos propriamente.
Ou seja, todos os itens terão que ser abordados. E, além disso, o texto pede que as empresas informem de que maneira atuam para mitigar os riscos a que estão expostas.
As empresas terão que dizer também se adotam ou não a chamada matriz de materialidade, em que são identificados e reportados os fatores de fato relevantes (materiais) para a sua atividade e, ainda, se adotam ou não indicadores de desempenho para os fatores socioambientais.
Caso não adotem tais indicadores ESG de desempenho, terão que se explicar, dentro de uma política de “pratique ou explique”, que também valerá para a divulgação de relatórios de sustentabilidade. Será obrigatório, ainda, dizer se a remuneração variável dos executivos é atrelada a metas ESG e quais os indicadores usados.
Algumas informações bastante relevantes dentro do universo do “S” passarão a ser obrigatórias: a diferença salarial entre o cargo de maior remuneração e a mediana da empresa; informações sobre a diversidade de gênero, raça e cor, além da diferença de remuneração entre gêneros e entre raças.
Arte e colaboração
O texto pode ser considerado o estado da arte em relação a reporte ESG? Quem conhece o assunto diz que não. E que nem era essa a intenção, já que era preciso estabelecer um padrão mínimo que as empresas tivessem condições de atender e, posteriormente, aprimorar as exigências.
A própria CVM escreve que enxerga um desenvolvimento acelerado do mercado e que ‘‘não devem ser descartadas futuras iniciativas mais robustas e prescritivas da regulamentação com enfoque nas questões de sustentabilidade.”
Em grande medida, a CVM encampou propostas do Laboratório de Inovação Financeira (LAB), um fórum de discussão para promover as finanças sustentáveis no país criado pela própria CVM, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e pelo GIZ, agência alemã de cooperação para o desenvolvimento. Também do LAB, o levantamento citado no início da reportagem ajudou a balizar as sugestões encaminhadas.
A elaboração da proposta foi coordenada pela B3 e contou com a participação de Anbima, Apimec, IBGC, escritórios de advocacia, consultorias em ESG e outros.
“Foi muito importante poder fazer um trabalho de elaboração colaborativo, com diferentes agentes do mercado, na fase de pré-consulta”, diz Maria Eugênia Buosi, sócia da consultoria Resultante e coordenadora do grupo de trabalho de riscos ASG e transparência do LAB.
“Buscamos elaborar algo que fosse consistente, que não ficasse ultrapassado em seis meses, que as empresas pudessem entender, mas que não travasse a agenda e pudesse ser complementado com engajamento e capacitação de empresas e investidores.”
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