Pense nos efeitos devastadores das enchentes como a de Petrópolis, das queimadas como as da Califórnia e do Pantanal, do furacão Ida ou na quebra da safra brasileira de grãos deste ano provocada pela prolongada estiagem nos Estados produtores. De um jeito ou de outro, a conta das perdas físicas – e também humanas — vai bater nas seguradoras.
No mundo todo, o setor de seguros é criticamente afetado pela frequência cada vez maior de eventos climáticos extremos. Só em 2021, as perdas com catástrofes naturais cobertas por seguradoras atingiram US$ 105 bilhões, segundo cálculo do Swiss Re Institute, mantendo um padrão de aumento anual da ordem de 5% a 6% nas últimas décadas.
E, a depender da magnitude dos riscos, o mundo pode se tornar um lugar perigoso demais para ser segurado.
Grandes seguradoras internacionais, como a alemã Allianz, vêm se preparando para isso há anos e reguladores ao redor do mundo já se mobilizaram para dimensionar, divulgar e mitigar os riscos sistêmicos. Com certo atraso, agora é a vez do Brasil.
Chega hoje ao fim o prazo da consulta pública da minuta de uma circular da Superintendência de Seguros Privados (Susep) para começar a regular não só a gestão dos riscos climáticos, mas também outros riscos ambientais e sociais. O texto vale também para resseguradoras, empresas de capitalização e de previdência privada.
“A minuta é muito positiva. Havia uma falta de liderança nesse tema no setor de seguros e o texto é um sinal forte de que a Susep entrou em campo”, diz Rebeca Lima, diretora-executiva do CDP, organização que apoia empresas e governos na divulgação de riscos e oportunidades ambientais e que liderou um grupo de ONGs e consultorias para fazer sugestões ao texto.
De forma geral, a minuta agradou profissionais que lideram a agenda de sustentabilidade.
Um dos primeiros pontos elogiados foi a tipificação dos riscos de sustentabilidade a serem reconhecidos pelas empresas do setor, que veio em linha com as normas mais modernas.
O texto especifica a existência de riscos sociais (como perdas associadas a violações de direitos e garantias) e riscos ambientais. E separa desses últimos os riscos climáticos, algo que tem ganhado espaço nas regulamentações do setor financeiro ao redor do mundo, inclusive pelo Banco Central brasileiro, reconhecendo a magnitude do impacto potencial da mudança climática sobre os agentes do mercado.
Dentro de climáticos, foram definidos ainda três tipos distintos: os físicos (perdas patrimoniais), os riscos de transição (por exemplo, decorrentes de mudanças regulatórias no sentido de obrigar a redução das emissões de CO2), e por fim os de litígios.
“A Susep fez a lição de casa ao separar os tipos de risco que podem afetar o setor segurador e inovou ao trazer os riscos de litígio na legislação, inclusive em relação a outras normas no mundo”, diz Gustavo Pinheiro, coordenador de portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
O risco de litígio contempla a possibilidade cada vez maior de que a sociedade busque os tribunais para cobrar as seguradoras por perdas decorrentes de eventos climáticos. “É algo que já tem crescido lá fora e que é chave para dar materialidade às instituições financeiras a respeito da precificação desses riscos. E o setor de seguros é muito exposto a litígios”, diz Pinheiro.
No coração da minuta a Susep define como deve ser feito o gerenciamento desse conjunto de riscos. As empresas deverão criar processos e controles para ‘identificar, avaliar, mensurar, tratar, monitorar e reportar’ os riscos a que estão expostas.
Um dos aperfeiçoamentos que devem ser sugeridos pelo CDP é o estabelecimento de parâmetros claros para a construção dos cenários de risco climático pelas empresas. “Só dizer que as empresas devem fazer projeções não basta. É preciso que os cenários sejam alinhados ao objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 °C”, diz Miriam Garcia, gerente-sênior de políticas do CDP.
Outra sugestão é que o texto separe as recomendações para os segmentos de seguros de vida e não-vida, que sofrem impactos bastante diferentes.
Efeitos práticos
Apesar de o texto focar mais no monitoramento e reporte dos riscos, ele guia ações que as seguradoras podem adotar a partir da identificação dos riscos, com impactos em preços e também no aceite de negócios, na avaliação de Gustavo Pimentel, diretor da consultoria Sitawi.
O texto diz que, “quando apropriado”, as empresas podem definir limites para concentração de riscos e/ou restrições para realização de negócios levando em conta a exposição a riscos de sustentabilidade de setores, geografias, produtos e serviços.
Na prática, se a empresa identificar que está com grande concentração em determinado risco, poderá limitar a atuação em determinado negócio.
Em outro trecho, a minuta diz que as seguradoras devem criar critérios de precificação que levem em conta o histórico de comprometimento do cliente no gerenciamento dos riscos de sustentabilidade, além de sua capacidade e disposição de mitigar tais riscos. Assim, os seguros, podem passar a funcionar como indutores de mitigação de riscos.
O texto também abre espaço para que as reservas técnicas constituídas pelas seguradoras para fazer frente aos riscos sejam impactadas por aspectos de sustentabilidade. Embora não crie reservas técnicas específicas para riscos de sustentabilidade, o texto diz que “sempre que possível” eles devem ser considerados nas categorias obrigatórias de risco (de subscrição, de crédito, de mercado, operacional e de liquidez).
Pelo texto, passará a ser obrigatório ainda que as seguradoras tenham uma política de sustentabilidade e publiquem um relatório de sustentabilidade, dando transparência a ambos. O primeiro deles, relativo a 2022, deve ser publicado até 30 de junho de 2023. Mas há a expectativa de que o setor pressione para dilatar o prazo.
Além de tomador de risco, o setor também é um dos maiores alocadores de recursos do mundo, com mais de US$ 30 trilhões de ativos sob gestão e, ainda que de forma mais genérica, a minuta também contempla esse aspecto.
O texto diz que, ao investir suas reservas, as seguradoras devem, sempre que possível, levar em conta a exposição dos ativos ou das empresas emissoras dos ativos (ações e dívida) a riscos de sustentabilidade e a adoção de boas práticas de governança por parte dessas empresas.