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Com mercado regulado à vista, ‘vapor verde’ da Combio avança na indústria

Empresa substitui combustíveis fósseis por biomassa para a geração de energia em caldeiras; plano é dobrar de tamanho nos próximos dois anos

Com mercado regulado à vista, ‘vapor verde’ da Combio avança na indústria

A queima de combustíveis fósseis pela indústria não é o principal problema que o Brasil precisa enfrentar para diminuir as emissões de carbono. Por aqui, reduzir o desmatamento e transformar técnicas da agropecuária é o que faz diferença. 

Ainda assim, são 511 milhões de toneladas de gases emitidos na geração de energia por ano, representando 22% das emissões do país, segundo análise do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG)

Nesta conta entram fontes de todo o tipo, incluindo gasolina e de diesel de veículos e o uso pontual de termelétricas. Só a indústria é responsável por 154 milhões de toneladas de CO2 equivalente, um dado que também considera gases não-relacionados à geração de energia.

Embora não exista uma estimativa precisa do impacto climático da queima de combustíveis em caldeiras, está claro que o net zero do setor industrial brasileiro precisa deixar esse vapor “mais verde” – também para se adequar às exigências do mercado regulado de carbono que vem por aí.

Não basta, porém, substituir apenas os combustíveis. É necessário destinar muito capital para infraestrutura. 

A Combio busca oferecer uma solução para as duas coisas. 

A companhia assume os investimentos de instalação e operação de novos equipamentos que substituem caldeiras movidas a diesel ou a gás natural. Em vez de combustíveis fósseis, eles queimam algum tipo de biomassa na indústria, uma alternativa de baixa emissão.

A empresa também fica responsável pelo suprimento do material. Etanol, lenha e subprodutos da celulose são usados há décadas na matriz energética do Brasil, mas nos últimos anos, o combate às emissões de carbono favoreceu também os resíduos.

Palha da cana-de-açúcar, casca de arroz, serragem, cavaco de madeira e até sementes de frutas fazem parte de uma lista crescente.

No modelo de negócios da Combio, fundada há 17 anos, o cliente paga uma espécie de “conta de vapor”, como as de luz ou água.

A modalidade é conhecida como “capex as a service”, em referência às despesas de capital, e está em operação pela Combio em nove unidades industriais pelo Brasil. A décima está com as obras prestes a iniciar, e a seguinte depende da finalização do contrato. Klabin e Grupo Petrópolis são alguns dos clientes em que o “vapor verde” é produzido a partir da biomassa.

No Brasil, MDL Ambiental e Salmeron são concorrentes que também atuam com serviços do tipo.

Como a matéria queimada é orgânica, esses sistemas têm potencial para ser até neutros em carbono. Em geral, a emissão é 92% menor na comparação com os fósseis, quando considerado todo o ciclo de vida da biomassa. E as despesas com combustível podem ser reduzidas em até 40%.

Entre todos os clientes da Combio, a substituição dos fósseis evita as emissões de 700 mil toneladas de carbono por ano. Antes da biomassa, o combustível mais usado era o gás natural.

Linha de frente

A caldeira de biomassa cujas obras estão prestes a começar foi encomendada pela indústria química Rhodia para a fábrica de Paulínia (SP), num projeto que demandará R$ 275 milhões da Combio. Quando estiver pronta, ela elevará as emissões evitadas da Combio em 165 mil toneladas, que chegarão a 1 milhão em 2026 com a conclusão de outros contratos à vista.

“É uma tecnologia que consegue reduzir a emissão numa escala muito grande. A nossa aposta é que a troca de caldeira vai ser uma das primeiras iniciativas que a indústria vai tomar para se adequar ao futuro e ao mercado de carbono regulado”, diz Paulo Skaf Filho, CEO da companhia e filho do ex-presidente da Fiesp. 

Aprovado em 2024, o mercado regulado de carbono do Brasil estabelecerá um teto de emissões aos maiores poluidores. O sistema está em processo de regulamentação.

Ainda deve demorar alguns anos para que o sistema de cap and trade esteja funcionando, mas a Combio já nota uma movimentação no mercado.

As reduções de emissões geradas pela troca de maquinário – que podem originar créditos de carbono – costumam ser divididas entre a companhia e os clientes. Com as obrigações regulatórias iminentes, muitos contratos agora preveem que o benefício climático ficará todo com o próprio cliente.

A crise de confiança que assolou o mercado voluntário dos créditos nos últimos anos facilitou a anuência da Combio. As últimas negociações foram num valor de US$ 2. No passado, chegou a US$ 30. “Há não muito tempo”, nas palavras de Skaf Filho, a US$ 10. A combio segue com créditos em carteira, com intenção de fechar novas vendas quando o preço se recuperar. 

Procura-se biomassa

 O tipo de biomassa na indústria depende principalmente da disponibilidade do material na região do cliente. Devido ao custo logístico, o transporte só costuma valer a pena até um raio de 200 quilômetros. No Rio Grande do Sul faz mais sentido queimar casca de arroz; no Pará, o resíduo pode ser o caroço do açaí.

A busca por insumos com pouca concorrência e de baixo valor é parte essencial do negócio da Combio, pois a empresa cobra pela energia gerada.

Outros usos têm sido explorados por outros segmentos da economia verde, desde novas fibras têxteis à produção de biochar (material que fixa no solo CO2 que foi removido do ar), passando pelo chamado etanol de segunda geração.

No Pará, a utilização de caroço de açaí como combustível deu destino a resíduos que eram um passivo para o município de Barcarena, produtor de polpa da fruta. Desde 2015, a Combio produz vapor para uma unidade local da Artemyn, empresa de mineração do Flacks Group. Foram 150 mil toneladas do material queimados desde então.

“Praticamente todos os tipos de resíduos de biomassa eram lixo 20 anos atrás, um problema para quem gera. É impressionante como esse cenário mudou, em especial nos últimos 10 anos. A biomassa começou a ser vista como combustível”, diz Skaf Filho.


A oferta do material é um ponto crítico no negócio por outro motivo: os projetos das caldeiras são personalizados, aceitando poucas variações.

“ Dependendo da competitividade de cada tipo de biomassa, eu vou para um tipo de tecnologia de caldeira.”, afirma Gustavo Marchezin, diretor e sócio da Combio. “Mas, na ponta final, o vapor é igual. O cliente não enxerga o que está por trás.” 

De acordo com o diretor, nunca houve falta de material e isso não chega a ser um risco, já que os contratos com os fornecedores são de longo prazo. Ainda assim, a companhia tem cerca de 5 mil hectares de plantações de eucalipto, que servem como “backup”. Em último caso, o cliente ainda pode voltar a queimar combustível fóssil na caldeira antiga.

Na avaliação de Marchezin, a cadeia de fornecedores ainda precisa amadurecer no Brasil, diminuindo a atuação informal e favorecendo a rastreabilidade. 

Outros combustíveis

A Combio está o tempo todo buscando novas opções de biomassa na indústria. De acordo com Marchezin, um resíduo “que ninguém ainda consegue processar” – e que ele não diz qual é – está sob análise. 

Para diversificar ainda mais, a empresa vai oferecer também a primeira caldeira elétrica a um cliente da indústria química, que tem baixa necessidade de vapor e precisa evitar a entrada de resíduos no local. O contrato deverá ser fechado no segundo semestre. 

Quanto ao biometano, gás sustentável extraído principalmente de aterros sanitários, os planos são para o longo prazo.

“A gente percebeu que o nosso desafio era fazer com que as empresas pudessem fazer a transição energética da matriz térmica, do calor da chaminé e da caldeira para o renovável. A biomassa é uma excelente alternativa, mas não é a única”, diz Paulo Skaf Filho.

Finanças 

Os projetos de substituição de caldeiras da Combio exigem grandes volumes de investimento, de R$ 50 milhões a R$ 350 milhões, e o retorno começa a chegar só depois de dois anos. Para fechar essa conta, a empresa precisa de alavancagem. No contexto financeiro, a alavancagem é uma estratégia que permite aumentar a capacidade de investimento utilizando capital emprestado ou de terceiros. 

O que faz a diferença para garantir a sustentabilidade das contas é o acesso a crédito com “taxas diferenciadas em relação aos de prateleira”, de acordo com o Skaf Filho.

Isso só é possível devido à frente de descarbonização dos projetos. Ele cita os R$ 450 milhões captados pela empresa recentemente com a IFC (braço de investimentos do Banco Mundial), o Fundo Clima do BNDES e a emissão de títulos.

Em 2023, a entrada de fundos das gestoras SPX e Lightrock no capital da empresa, com a compra de 30% do controle, tirou essa questão do caminho. Ela permitiu uma redução do indicador de endividamento para o atual 1,6x, favorecendo a tomada de ainda mais crédito no futuro. O que também conta a favor são os contratos com empresas de peso, que servem de garantia.

“A gente tem três ou quatro bancos parceiros que hoje entendem nossa dinâmica e que lá no passado não entendiam porque estávamos investindo se o endividamento estava explodindo”, afirma Paulo Skaf Filho. 


Nos últimos cinco anos, a receita da Combio tem crescido a um ritmo de 26%, conforme mais clientes começam a pagar pelo vapor que entra em operação. Agora, um dos objetivo é reduzir o prazo de entrega para fazer esse dinheiro entrar mais rápido. 

No alvo está dobrar o resultado operacional (conhecido pela sigla Ebitda) dos atuais R$ 220 milhões para R$ 500 milhões previstos em novos contratos assinados até 2026.

“Em tese, dinheiro seria um gargalo, mas neste momento não é. Já foi time, mas hoje também não é. Hoje o nosso gargalo é conseguir fechar projetos. A gente quer fechar tantos quanto forem possíveis.” Para Skaf Filho, a meta de crescimento é ousada, mas possível.

“A gente segue otimista. Isso aqui não é sonho. Está na meta de todo mundo e está atrelado a remuneração variável. Mas é, obviamente, muito agressivo.”