
Em 2014, Regina Alves, fundadora de um colégio na zona sul da cidade de São Paulo, ouviu algo inesperado do filho Gabriel, então com 25 anos e uma carreira promissora no mercado financeiro. “Ganho muito bem com o que faço, mas não estou feliz. Não enxergo o propósito. Quero poder levar a mesma educação que tive para mais gente”, relembra Regina, com os olhos marejados e sem esconder o orgulho.
Embora ela e o marido Roberto tenham dedicado a vida à gestão da escola, Gabriel e o irmão Daniel não foram criados para assumir o negócio da família, daí a surpresa. “Um dia fui visitar a escola sem grandes pretensões e me apaixonei. Mesmo em São Paulo, metade dos alunos não entendia que era possível ingressar na USP. Sentei, conversei com vários deles e percebi o que queria fazer: possibilitar, com a educação, que as pessoas possam escolher seu próprio futuro”, diz Gabriel.
A proposta dele, que reuniu a família na sala de casa para essa conversa, era simples na formulação, mas complexa na execução: transformar a colégio no qual completara o ensino médio e que na época tinha cerca de 600 alunos numa rede com excelência pedagógica e preços distantes daqueles cobrados pelas escolas de elite da capital paulistana. Passado o susto e depois de alguma hesitação do pai, Regina e Roberto resolveram acolher o sonho do filho.
Hoje a Rede Decisão atende mais de 12 mil alunos e tem 20 unidades distribuídas pelo Estado de São Paulo e uma em Belo Horizonte. As mensalidades vão de R$ 700 a R$ 2,2 mil, do ensino infantil ao médio, dependendo da região, infraestrutura da unidade e adicionais como inglês. “É um preço bom para a qualidade do ensino que oferecemos, mas não podemos dizer que é acessível porque as famílias que atendemos se esforçam para conseguir pagar”, diz Regina.
A rede acaba de captar R$ 20 milhões com a gestora de impacto Rise Ventures para financiar a meta de chegar a 52 colégios até 2030. “Nós sempre demos lucro, então o dinheiro dos investidores é usado para crescimento da rede e investimentos adicionais nas escolas que já temos, em formação de profissionais e em infraestrutura”, diz Gabriel.
O começo da Rede Decisão
De largada, o empreendedor mergulhou nos livros de gestão escolar, visitou escolas no Brasil, Estados Unidos, Europa e África, e conversou com executivos do setor. “Ficou muito claro para mim que o futuro das escolas não seria individual. É um negócio muito complexo, não faz sentido ter uma escola só.”
Em 2015, Gabriel assumiu a cadeira de CEO, tomando conta da gestão administrativa e financeira da rede, e passou a perseguir eficiência e escala. Já nos primeiros anos, recebeu uma ajuda de peso. Apresentado a Gabriel por amigos em comum, Marcelo Martins, hoje CEO da Cosan, se encantou com a proposta, passou a ser investidor anjo e, mais do que isso, aportou sua experiência como executivo de um dos maiores grupos empresariais do país.
“Educação num país como o Brasil é uma necessidade absolutamente fundamental para que a gente possa dar qualquer passo. Sempre tive a ideia de contribuir de alguma forma com a sociedade, mas dentro do espectro em que eu pudesse, de fato, agregar algo”, diz Martins, que preside o conselho da Rede Decisão.
E segue: “Fiquei impressionado com o entendimento do Gabriel e seu time sobre as necessidades do negócio e a busca por conteúdo e eficiência. E eu o apoio com o que sempre soube fazer na minha vida: olhar para risco, capital e crescimento com sustentabilidade econômica.”
Se o trajeto para chegar a 20 unidades não foi fácil, a pandemia de Covid-19 sem dúvida foi o maior obstáculo. Com as escolas fechadas e evasão crescente, o fôlego financeiro veio com a entrada do fundo de impacto Blue Like an Orange, que injetou R$ 60 milhões por meio de um instrumento de dívida em 2021.
“A proposta da Rede Decisão está muito alinhada à nossa tese de promover educação inclusiva e de qualidade. O Brasil tem uma das maiores diferenças de renda familiar do mundo entre ensino superior completo e incompleto, o que torna a educação básica uma prioridade nos gastos das famílias”, diz Cristina Penteado, diretora-executiva e chefe do Blue Like an Orange no Brasil.
Educação em expansão
Gabriel chegou fazendo contas e fortalecendo a parte comercial. O número de matrículas subiu rapidamente naquela primeira unidade do que viria a ser a rede. O pai, Roberto, teve que fazer mágica para transformar uma quadra em sete novas salas de aula. Aos poucos, terrenos vizinhos foram comprados para abrigar até 800 alunos.
A estratégia de expansão é baseada em aquisições. A primeira aconteceu já em 2016 e, no ano seguinte, se somaram outras três. O crescimento foi rápido e, em dez anos, a Rede Decisão adquiriu 20 escolas, concentradas principalmente nas zonas sul e leste de São Paulo. Há unidades nos bairros do Grajaú, Belenzinho, Santana, Vila da Saúde e Vila Mascote, além dos municípios de Embu-Guaçu, Hortolândia, Campinas e Vinhedo.
Aumentar o portfólio de unidades exige o mapeamento de regiões, feito por Roberto, que considera critérios como localidade, proximidade de uma escola que já integre a rede, renda média da população que ali vive e até mesmo a taxa de natalidade.
Concluída a compra, a rede assume o controle do colégio. O sistema pré-existente segue ativo por um ano e a ideia é que os funcionários, que já conhecem a escola e fazem parte da comunidade local, sejam treinados para se adequar ao sistema Decisão, a ser adotado no ano seguinte.
A primeira visita é feita por Regina e Gabriel, acompanhados por uma equipe, para dar o pontapé inicial na transformação cultural do colégio. A rotina dos estudantes na escola exige disciplina e é cheia de ritos, contam os cofundadores, com turmas reconhecidas pela alta frequência dos alunos e a realização das tarefas de casa, por exemplo.
A infraestrutura também é transformada. Todas as salas de aula contam com cadeiras padronizadas, ar-condicionado e projetores, e, em suas portas trazem pinturas que remetem às culturas de Estados brasileiros, diferentes países e continentes.
Gabriel introduziu também outra novidade para apresentar aos alunos, que não costumam fazer viagens internacionais, um pouco da arte e da cultura mundial. Réplicas de obras-primas da pintura como Guernica, de Pablo Picasso, e A Noite Estrelada, de Vincent van Gogh, estão espalhadas pelas unidades, acompanhadas de sua descrição e o nome dos museus que as abrigam.
Outra ideia dele foi instituir premiações periódicas para os estudantes que tiveram melhor desempenho acadêmico no período, leram mais livros, fizeram mais tarefas e estiveram mais presentes nas aulas. “O objetivo é criar um reforço positivo, com o aluno sendo aplaudido pelos colegas e recebendo um certificado. Ter um bom desempenho e ler vários livros se torna um status, algo a ser almejado.”
Organizar para crescer
Para investir mais nas escolas sem aumentar a mensalidade, a fórmula do CEO é perseguir eficiência de custos. Em 2017, ele criou um centro de serviços compartilhados, que apoia todas as unidades com gestão financeira, administrativa e comercial. Ali também está a coordenação pedagógica da rede, para garantir a padronização do ensino em todas as unidades.
“Quem fica nas escolas são os pedagogos. Fora as professoras e os prédios, o restante do que uma escola precisa está aqui”, diz Gabriel, na “cozinha” da Rede Decisão, em um escritório na Avenida Paulista.
O crescimento não vem sem dores, e quem fala delas é Regina. O maior desafio está na formação e retenção dos profissionais de educação. “A taxa de rotatividade de funcionários foi de 50% no ano passado, muito alta. Uma das nossas metas é reduzir esse percentual”, diz ela, que aponta a competitividade dos salários como uma limitação.
Outra dificuldade é lidar com a perda de alunos ao assumir uma nova unidade. “Quando trocamos o método, no segundo ano, há uma queda nas matrículas. Mas no ano seguinte, o número se estabiliza e, em dois anos, o processo de aceleração de crescimento é retomado”, diz a fundadora.
Dentro e fora de sala
O sistema de ensino da Rede Decisão é próprio, embora se apoie no material do sistema Anglo. Para dar eficiência também à área pedagógica, a rede investiu na startup Lise, que oferece uma plataforma com inteligência artificial para apoiar os professores na elaboração de provas e avaliação dos alunos.
A administração, por sua vez, se beneficia dos dados gerados em suas mais de 20 escolas para entender as lacunas dos conteúdos que não foram bem absorvidos pelos estudantes. “Queremos realmente diluir custos e usar tecnologia para servir a escola”, diz Gabriel.
Ele e Regina buscam se encontrar no meio do caminho entre a qualidade e o crescimento sustentável da empresa. “Com esses meninos [do mercado financeiro], você precisa trazer números e evidências para tudo o que quer fazer”, diz a fundadora, em referência aos primeiros sócios.
Hoje na cadeira de diretora-executiva de formações escolares do grupo, cuidando do treinamento da equipe pedagógica, Regina não esconde a saudade dos tempos em que passava os dias na escola que fundou. Ao caminhar pela unidade com a reportagem, “Tia Regina” é reconhecida e abraçada e manda beijinhos pelo ar a todo instante.
“Digo que o meu sonho era ter uma escola. O sonho de uma rede não é meu, é do meu filho, e estamos juntos nessa.”
O crescimento já tem o próximo passo planejado, com duas escolas mapeadas em São Paulo – uma na capital e outra no interior – a serem adquiridas em breve. “A tese de crescimento inorgânico, por meio das aquisições, faz muito sentido. Assim, eles agregam o método pedagógico da rede a escolas que não têm sucessão e compartilham o centro de serviços comuns. Esta foi uma adição brilhante ao nosso portfólio”, diz Pedro Vilela, co-fundador e CEO da Rise Ventures.
O mais recente investidor da Rede Decisão ressalta a competência de entrega de valor pelo grupo. “Contratamos uma diligência pedagógica e o retorno foi muito positivo. Eles conseguiram algo que poucos fazem no Brasil: entregar alta qualidade com um baixo preço de venda.”