Cinco tendências (e desafios) do ESG em 2024

Cinco especialistas fazem previsões para o ano que começa; transparência de dados e foco na cadeia de fornecedores estão entre os destaques

Quais as previsões para o ESG em 2024
A A
A A

A euforia com a agenda ESG nos anos de 2020 e 2021 deu lugar, nos anos seguintes, a uma certa ressaca e bastante greenwashing, social washing e washings de outras naturezas. 

Mas, apesar da banalização no uso da sigla, aos poucos o movimento parece estar entrando, também, numa fase de maior maturidade. Com as empresas deixando o campo das boas intenções e sendo cobradas para demonstrar, na prática, o que estão fazendo, se estão fazendo e como estão fazendo – muito disso determinado por apertos regulatórios que procuram fixar parâmetros e separar o joio do trigo.

No ano que terminou, o Brasil começou a destravar agendas importantes, como a rastreabilidade de território e o mercado de carbono, já mirando a COP30, que será realizada no país em 2025.

Mas o que 2024 reserva?

Para apontar tendências, riscos e desafios do ano que começa, o Reset ouviu cinco especialistas: Denise Hills, conselheira de diversas instituições e ex-diretora global de sustentabilidade da Natura; Gustavo Pimentel, CEO da consultoria ERM Nint; Maria Eugenia Buosi, sócia da KPMG; Rodrigo Tavares, CEO do Granito Group; e Sonia Consiglio, conselheira e especialista em sustentabilidade.

A seguir, elencamos as previsões de maior consenso:

É preciso ser (ainda) mais claro

Com a criação de um padrão global para divulgações de sustentabilidade por parte do International Sustainability Standards Board (ISSB) em junho de 2023, a necessidade de mais transparência na apresentação de dados ESG é uma tendência que deve seguir em 2024, na avaliação de todos os entrevistados.

Em novembro, um feito no mercado doméstico: o Brasil saiu na frente e foi o primeiro país a adotar o padrão do ISSB. Por ora, a divulgação por parte de empresas listadas na B3, fundos e companhias securitizadoras é voluntária, mas será compulsória a partir de 2027, sendo divulgada em conjunto com as demonstrações financeiras, seguindo determinação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Maria Eugenia Buosi, da KPMG, entende que a necessidade de mais transparência nas informações carrega junto a necessidade de melhor gestão dos indicadores ESG e maior qualidade nos dados que são – ou que começarão – a ser divulgados publicamente.

“A tempestividade da divulgação de informações ESG ao mercado não é um pleito novo, mas a regulação passa a exigir que as empresas se organizem mais e melhor na origem, processamento e verificação dessas informações”, avalia.

Para Rodrigo Tavares, na seara de clareza de dados, haverá também uma consolidação do mercado de risco ESG em termos globais. Os serviços de rating ESG e consultoria tenderão a deixar de ser prestados pelas mesmas empresas e as tradicionais agências de rating S&P, Moody’s e Fitch.

tendem a consolidar ainda mais o segmento e incorporar os critérios às suas análises de crédito.

A inserção de ferramentas de inteligência artificial, na avaliação de Tavares, também deve contribuir para que haja mais qualidade nos dados.

Denise Hills também vê a inteligência artificial como um possível trunfo à frente – mas pondera para a necessidade de englobar o ESG dentro de uma pauta maior. 

“Pode ser uma oportunidade se for um movimento que também incorpora os temas e KPIs ESG no planejamento estratégico, gestão, avaliação de risco e investimento como um todo”, analisa. “Ainda mais se combinado com usos de inteligência artificial para a captura de informações públicas e disponíveis.”

Foco nas cadeias de valor

Num momento em que o mundo e o Brasil começam a fechar brechas para o rastreio de atividades de mineração, pecuária, agricultura e outros, a necessidade de olhar com mais atenção para as cadeias de fornecimento passa a ser ainda mais premente.

“A responsabilidade das empresas sobre os stakeholders de sua cadeia de valor, especialmente fornecedores, estará ainda mais sob escrutínio, dada a inevitável interrelação entre as ações”, opina Sonia Consiglio.

Maria Eugênia Buosi entende que essa preocupação deve aumentar naturalmente. “À medida que a cobrança de investidores e reguladores cresce, especialmente para empresas estrangeiras ou exportadoras, aumentam os investimentos em ferramentas de rastreabilidade e monitoramento de fornecedores”, avalia.

Grandes empresas, emenda Buosi, já vêm estruturando linhas de financiamento diferenciadas para fornecedores que atendam a boas práticas ESG ou ainda que queiram investir em projetos ou produtos socioambientais positivos.

A sustentabilidade entra de vez no léxico dos bancos

Instituições financeiras de diferentes portes já colocaram a agenda ESG em suas pautas. Na Europa, lembra Rodrigo Tavares, o tema deve avançar mais por uma questão regulatória: a partir de janeiro de 2024, os bancos europeus terão de calcular e reportar o seu Green Asset Ratio (GAR) e o Banking Book Taxonomy Alignment Ratio (BTAR) – métricas que demonstram o alinhamento das carteiras de crédito das instituições com a taxonomia europeia.

“Haverá vantagens financeiras, comerciais e reputacionais para os bancos com GAR ou BTAR mais elevados. Isso fará com que eles estimulem a eclosão de um mercado da sustentabilidade. Se não há ainda clientes, os clientes terão que ser criados”, pontua Tavares.

Maria Eugênia Buosi observa que as instituições financeiras já têm tido um movimento que vai além da agenda regulatória de exposição a riscos climáticos.

“O debate de bancos, mesmo em instituições médias, começa a abranger questões como emissões financiadas e descarbonização de portfólios de crédito, tendência que deve se intensificar no próximo ano.”

Ferramentas semelhantes já existem para o mercado de investimentos e de seguros, segundo Buosi, que devem entrar nessa agenda no próximo ano.

Gustavo Pimentel, da ERM Nint, acredita que, depois de andar de lado em 2022 e 2023, a integração de fatores ESG à estratégia de gestão de fundos deve ser retomada em 2024. 

“O vento virá a favor pelo ambiente macro mais amigável às classes de ativo renda variável, crédito, private equity e infraestrutura, que retomam a captação. E também pela força da regulação da União Europeia, à qual fundos brasileiros estão buscando se adaptar.”

O ‘S’ não pode ficar atrás

No momento em que o E e o G ganham relevância, tendo em vista as necessidades climáticas e de regulação de taxonomias e legislações, o ‘S’ não pode ficar para trás na pauta, especialmente em temáticas como direitos humanos e maior diversidade nas empresas, alertam os especialistas.

“O tema esteve mais em pauta em 2023, o que aumentou a conscientização e o engajamento. Mas ainda há dúvidas sobre a sua concreta implementação de forma a gerar valor e, com isso, ganhar espaço na pauta”, afirma Sonia Consiglio.

Tanto ela quanto Denise Hills veem a necessidade de maior avanço na temática. “Temas como diversidade [nas empresas] e direitos humanos avançaram, mas ainda falta muito. E são especialmente desafiadoras em conselhos e alta liderança”, afirma Hills.

A biodiversidade no centro

Com a COP30, em Belém, já começando a se aproximar no calendário, o tema da biodiversidade deve continuar ganhando força no ano que vem, opina Sonia Consiglio.

“Biodiversidade, bioeconomia, soluções baseadas na natureza, floresta em pé e temas correlatos ganharam muito espaço e holofote com a narrativa e foco do novo governo brasileiro. Essas agendas devem ganhar mais luz em 2024, mirando a COP 30”, afirma.

A entrada de conceitos como regeneração e biodiversidade na pauta do ano que vem são “extremamente importantes” para a agenda Brasil, na avaliação de Denise Hills.