A Comissão Europeia divulgou hoje os detalhes do seu aguardado pacote verde para cortar pela metade as emissões de gases de efeito estufa do bloco até 2030, no mais ambicioso plano de contenção do aquecimento global — e que deve servir de farol (e laboratório) para outros países do mundo.
Entre as medidas mais esperadas, Bruxelas anunciou a criação de uma taxa de carbono sobre produtos importados para o bloco.
A alíquota fará com que os importadores locais paguem mais para trazer produtos de países que não tenham o mesmo rigor para enfrentar as mudanças climáticas, numa tentativa de evitar o que se chama de ‘vazamento de carbono’, isto é, a perda de mercado ou a transferência de produção para regiões menos rigorosas com as emissões.
“As indústrias europeias vão investir pesadamente na descarbonização”, afirmou Leyen. “Não seria justo que os produtos importados e mais baratos, mas com uma pegada de carbono elevada, viessem a arruinar nossos esforços.”
A taxação das importações com base no carbono representa uma mudança sísmica no comércio global e deve provocar uma ampla discussão sobre protecionismo e até que ponto os países emergentes devem pagar a conta frente aos desenvolvidos.
Pelas regras divulgadas hoje, a princípio serão taxadas as importações de aço, alumínio, fertilizantes e cimento. A entrada em vigor do novo sistema deve ocorrer a partir de 2023, ainda em fase de transição e as cobranças integrais devem ocorrer somente por volta de 2030. A previsão da UE é arrecadar € 10 bilhões por ano a partir de então.
Um estudo realizado pela consultoria Deloitte aponta que os principais afetados deverão ser países como China, Ucrânia, Turquia e Rússia. Esses dois últimos são grandes opositores das taxas e devem fazer um lobby ferrenho para defender os interesses financeiros de suas exportações.
Para o Brasil, a princípio, o principal impacto deve ser sentido na indústria do aço.
As exportações do setor siderúrgico cobertas pela medida representaram, no caso brasileiro, US$ 524,8 milhões para a UE em 2019, ou 10,4% das exportações totais do país dessas mercadorias (ainda que nem todos os itens de exportação estejam cobertos pela medida).
Porém, mais que o impacto imediato, o que interessa é a mensagem: num mundo que pretende caminhar para o net zero, se decidir não precificar o carbono internamente, aproveitando-se dos benefícios da arrecadação e das suas vantagens comparativas, o Brasil corre o risco de perder ainda mais competitividade no comércio global.
Parte do todo
O mecanismo de taxação das importações, conhecido como “ajuste de fronteira”, é apenas um dos diversos pontos divulgados hoje pelo Bloco Europeu para colocar em prática um amplo pacote de medidas verdes batizado de “Fit for 55”.
A ideia é adequar a economia da região à nova meta de reduzir em 55% as emissões de gases do efeito estufa até 2030 frente aos patamares de 1990, como parte do caminho para atingir a neutralidade de carbono em 2050, como prega o Acordo de Paris.
Outro pilar do plano é expandir o sistema de comércio de emissões de carbono, ampliando a taxação para poluir também para segmentos como transporte e aquecimento residencial.
Hoje, o sistema é focado principalmente no setor elétrico e em indústrias pesadas, altamente intensivas em carbono, e que também deverão ter suas regras apertadas.
A proposta inclui ainda eliminar a produção de novos carros com motor a combustão até 2035 e apertar o cerco contra a indústria de aviação e de transporte marítimo. O bloco pretende cobrar um imposto sobre os combustíveis de aviação e utilizado nos navios, para incentivar a migração para combustíveis mais limpos.
Os planos de Bruxelas devem ser submetidos intensas negociações entre os 27 países membros do bloco e o Parlamento Europeu.
A briga promete ser intensa. Além do lobby das indústrias envolvidas, está também o conceito de justiça climática: há uma grande preocupação, especialmente entre os países mais pobres do bloco, de que as taxações, especialmente no transporte e no aquecimento residencial pesem sobre a parcela mais pobre da população.
Para tentar aliviar o problema, a Comissão Europeia está propondo usar parte das receitas advindas com a taxação de carbono para financiar um fundo de alívio de € 72 bilhões para a transição.
(Com edição de Natalia Viri)