
Produzido a partir de uma fonte não renovável, o petróleo, um único litro de óleo lubrificante de motor de carro pode poluir até um milhão de litros de água, se descartado de forma incorreta. Ainda sem um substituto menos poluidor, esse óleo, porém, pode ser ‘reciclado’ muitas vezes, reduzindo sua pegada de carbono ao longo de sua vida útil.
Esse é o modelo de negócios da Lwart, que rerrefina óleo lubrificante usado ou contaminado (conhecido pela sigla Oluc), aquele que sobra após o uso em carros, caminhões, ônibus, tratores e máquinas em geral. Para cada litro de óleo usado, ela transforma 75% em lubrificante novo.
A companhia está investindo R$ 1 bilhão para aumentar em 50% a capacidade de rerrefino de sua unidade em Lençóis Paulista, interior de São Paulo. A empresa coleta e processa 240 milhões de litros de Oluc por ano – que resultam na produção de 183 milhões de litros de óleo novo. Com o aumento de 50% na capacidade de produção, o objetivo é alcançar 360 milhões de litros.
A maior parte do investimento bilionário será para a ampliação da planta e da construção de uma central termelétrica que funcionará com biomassa de replantio e resíduo de madeira, com capacidade de 14 MW de geração. A expectativa é que a energia gerada seja suficiente para abastecer toda a planta e que sobre ainda de 25% a 30%, que serão vendidos no mercado.
O plano é de que a nova planta comece a funcionar em 2026.
Com faturamento líquido de R$ 1,2 bilhão, a empresa emitiu R$ 500 milhões em debêntures verdes no ano passado para financiar a expansão. Ela avalia captar o mesmo valor com instituições como o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Óleo verde?
O óleo usado ou contaminado é um resíduo bastante poluidor. Quando queimado, ele gera a emissão de metais pesados – para cada 10 litros queimados são gerados 20 gramas de metais, de acordo com Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
Por isso, uma norma do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) prevê que o único destino correto para o resíduo é o rerrefino, usando o óleo usado para a produção de óleo novo. Processo que pode ser repetido inúmeras vezes, explica Marcelo Murad, diretor da Lwart.
Segundo ele, o óleo produzido pela Lwart a partir do Oluc tem a mesma qualidade do produzido diretamente do petróleo.
Apesar de ter uma pegada de carbono menor, a empresa não o chama de “óleo verde” porque não há uma taxonomia ou uma definição sobre o que seria um óleo sustentável.
Análise realizada pela consultoria Ramboll, validada pela Earth Shift Global, indica que o ciclo de vida do óleo rerrefinado da Lwart mostrou redução de 75% de emissão de gases do efeito estufa, quando comparado ao de um óleo lubrificante para veículos pesados.
Hoje, a Lwart produz o chamado óleo básico de alta performance do tipo G II. Ele é utilizado por veículos com motores condizentes com as normas do Sistema Euro 6, por exemplo – mais eficientes e compactos e menos poluentes. Já o G I é mais utilizado por veículos pesados, máquinas e carros mais antigos. E o G III é um óleo sintético, usado por veículos mais novos.
Além da falta de taxonomia, a empresa considera que a denominação “verde” poderia ser controversa porque o Oluc é produzido a partir de um combustível fóssil.
No momento, não há tecnologia disponível em larga escala para a utilização de óleos vegetais em motores, afirma Murad. Por isso, ele acredita que a solução para descarbonizar o setor passa também pelo rerrefino do óleo usado.
Demanda
Em um país com as dimensões do Brasil, os veículos híbridos devem ser mais usados do que os 100% elétricos, na avaliação do diretor da Lwart. Embora a descarbonização paulatina da frota de veículos leves reduza a demanda por lubrificantes, ele espera que esse efeito seja contrabalançado pelo aumento da demanda por G II devido a mudanças nas especificações técnicas dos motores dos veículos. “Uma coisa compensa a outra.”
Outro ponto que pode sustentar a demanda pelo G II é referente à necessidade de dar o correto destino ao Oluc. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de 2023, foram vendidos 1,3 bilhão de litros de óleo lubrificante no Brasil. Mas nem toda essa quantidade pode ser reaproveitada: parte se perde, por exemplo, na pulverização de óleo nas culturas agrícolas.
A Lwart estima que cerca de 1 bilhão de litros podem ser reaproveitados. Destes, segundo a ANP, foram rerrefinados 567 milhões de litros em 2023 – ou seja, cerca de 56%. Dos cerca de 450 milhões sem destino correto, a estimativa é que 120 milhões de litros sejam destinados de forma irregular para uso em pequenas indústrias, e o óleo acaba sendo queimado – o que é proibido.
Os 330 milhões de litros restantes acabam inviabilizados para o rerrefino porque “as moléculas se perdem” quando os consumidores apenas completam o nível do óleo do motor, em vez de trocá-lo.
Concorrência
Hoje, a Lwart é a única produtora de G II do Brasil e responde por 40% do mercado, os 60% restantes são importados.
A empresa tem cerca de dez concorrentes que produzem o G I. “Pretendemos crescer no espaço dos concorrentes e pela redução da destinação inadequada, ampliando a capilaridade e a conscientização sobre o problema”, diz o diretor.
Poucos sabem, por exemplo, que é necessário destinar o óleo de forma correta – e que a ausência da emissão de um certificado de coleta de óleo pelo padrão da ANP fica sujeito à fiscalização e penalização. Murad acredita que o percentual que pode ser rerrefinado no Brasil pode aumentar para 60%.
A empresa atende hoje cerca de 80 mil clientes ao ano em 3.565 municípios, onde realiza a coleta do óleo usado – em concessionárias de veículos que realizam a troca do óleo dos carros, por exemplo. Dessa coleta inicial, o óleo usado segue para 20 unidades de armazenamento temporário de resíduos, quando então finalmente vai para a unidade de Lençóis Paulista, onde é rerrefinado.
O óleo G II é então vendido para empresas como Shell, Vibra e Total – que produzem os lubrificantes (além do óleo, estes também são compostos por aditivos). O diretor conta que as montadoras de automóveis vêm buscando aumentar o uso de lubrificantes feitos a partir de óleo rerrefinado – e que, hoje, essa matéria-prima representa de 10% a 50% da composição dos lubrificantes.
Na Europa, já há a venda de lubrificantes totalmente produzidos a partir do Oluc. Mas, por aqui, o rerrefino, chamado de reciclagem, ainda é visto com ressalvas pelos consumidores: eles temem que a qualidade do produto seja inferior.
Coleta
Para aumentar em 50% a capacidade de produção da planta de Lençóis Paulista, a empresa precisará também coletar mais óleo usado.
O plano é estender o número de bases para 26, aumentando a capilaridade da coleta no Norte e no Nordeste – é o caso, por exemplo, das novas bases de Porto Velho (RO), Sinop (MT) e São Luiz (MA).
A empresa também aumentará a frota de caminhões que coletam o óleo – hoje, ela está em cerca de 440 veículos, mas deve chegar a 660.