ECONOMIA CIRCULAR

Magalu capta US$ 130 mi com IFC. A contrapartida? Recolher lixo eletrônico

Financiamento com braço do Banco Mundial dispensa garantias, prevê carência de dois anos e tem taxa de juro atrelada a metas de aumento na coleta de resíduos

Magalu capta US$ 130 mi com IFC. A contrapartida? Recolher lixo eletrônico

O Magazine Luiza, um dos maiores varejistas do Brasil, captou US$ 130 milhões com a International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial que financia empresas do setor privado.

O financiamento terá carência de dois anos, com vencimento em cinco. O valor será usado em investimentos em infraestrutura de tecnologia, como inteligência artificial e computação em nuvem, e as condições incluem contrapartidas ambientais da companhia.

A principal delas é a ampliação do programa de recolhimento de eletroeletrônicos usados. Os pontos de coleta hoje instalados em 500 lojas físicas vão chegar a quase 1250 até o fim deste ano. Se as metas de logística reversa forem cumpridas, a IFC vai baixar o custo de financiamento do empréstimo.

Em 2024, o Magalu recolheu 70 toneladas de lixo eletroeletrônico. O objetivo é atingir 84 em 2026, um aumento de 20%. Dois anos depois, a meta é chegar a 144 toneladas coletadas.

Em negociação


As conversas entre Magalu e IFC começaram há mais de um ano. Foram diversas reuniões e visitas em que a instituição de fomento fez uma espécie de imersão no dia a dia da empresa. O objetivo não era apenas fazer a diligência financeira, mas também apontar melhorias operacionais e em aspectos ESG.

O formato encontrado para o financiamento fez agora sentido para a companhia, diz Marilise Diniz, diretora de tesouraria do Magalu. De acordo com Carmen Valéria de Paula, gerente regional da IFC para investimentos no setor de serviços, é um sinal de que a avaliação de due diligence foi positiva. “Não é toda empresa que consegue captar sem garantia”, afirma.

A escolha da coleta de lixo eletrônico como o indicador de desempenho para descontos nos juros considerou alguns pontos: segundo a IFC, a métrica escolhida em contratos assim precisa ser de uma atividade com diferencial e inovadora, auditável e ter um patamar agressivo.

A taxa de juros e o eventual desconto já estão fechados, mas não foram divulgados. O contrato também prevê proteção contra a variação cambial.

Para efetivar a operação, a IFC observa três critérios nas empresas: risco-retorno, necessidade de suporte do Banco Mundial e impacto socioambiental.

“O investimento em infraestrutura digital do varejo apoia a integração de pequenos empreendedores, melhora a logística, pagamentos de crédito. O setor é fundamental para a inclusão econômica e a geração de empregos, especialmente no Brasil”, afirma de Paula.

Há outros compromissos ambientais assumidos pelo Magalu que não impactarão diretamente o custo do financiamento. Alguns deles são: aprimorar a matriz de risco climático, criar instrumentos formais para administrar as relações com os stakeholders e reduzir o uso de água nas instalações.

“Desde o primeiro dia de conversa a gente viu que a barra era bastante alta, mas as interações foram ótimas, foi muito enriquecedor. Não houve nenhum momento que a gente falou: esses caras estão delirando”, afirma Ana Luiza Herzog, diretora de sustentabilidade da empresa. 

A destinação desse tipo de resíduo é um desafio no mundo todo. Em 2010, foram descartadas globalmente 34 milhões de toneladas. Em 2022, o volume disparou para 62 milhões. Desse total, o Brasil é responsável por 2,4 milhões – e apenas 3% são reciclados. Os dados são do “The Global E-Waste Monitor”, produzido pela Unitar, agência das Nações Unidas para fomentar da pesquisa.

Sem monetização

Além de evitar riscos de contaminação quando eletroeletrônicos vão parar em lixões ou aterros, o descarte correto tem o benefício da circularidade. Metais encontrados em componentes eletrônicos como ouro, silício e lítio, podem ser reciclados.

A prática também é conhecida como mineração eletrônica: uma tonelada de placas, como as usadas em computadores e smartphones, pode conter até 150 gramas de ouro puro.

Apesar do potencial financeiro, a empresa não tem planos de obter receita extra com os resíduos. Todo o material é entregue à Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (ABREE), que faz a coleta e a destinação do material.

“O Magalu entende que estamos em um momento anterior ao de monetizar, de incentivar a cultura da reciclagem de eletrônicos no Brasil. Já fomos questionados por clientes se estaríamos coletando produtos para depois vendê-los”, diz Herzog.

O que diz a lei 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, definida em lei em 2010, prevê responsabilidade compartilhada entre fabricantes, distribuidores e o varejo.

Conversas entre o Magalu e o setor de manufatura já aconteceram para estabelecer parcerias, já que ele está sujeito às exigências mais concretas.

Um acordo setorial de 2020 estabeleceu que os fabricantes são responsáveis por garantir o descarte correto desse tipo de produto. As metas são relativas à produção de cada empresa e contadas em peso. 

As companhias podem assumir a responsabilidade pela logística reversa ou então comprovar que isso foi feito por terceiros. 

A exigência de descarte correto vai aumentando progressivamente. Em 2021, primeiro ano de vigência da obrigatoriedade, as fabricantes eram obrigadas a dar destino correto ao equivalente a 1% de sua produção. Neste ano, a porcentagem chegou a 17%.